Ethan

Ethan nunca havia se sentido tão só quanto naqueles segundos que sucederam a derrota para Raizo. Fechou a mão e golpeou o chão, mas a frustração não regrediu. Então, tudo o que pôde fazer foi assistir o outro se distanciar, entendendo pela primeira a essência do caminho que trilharia. Estava no caminho da vingança. Não havia lugar para o amor ou a amizade, da mesma forma que não tinha desejo por poder ou riquezas. Não tinha interesse em ser feliz, apenas buscava satisfação. Ainda caído no chão, tudo se tornou escuro, e a única imagem visível era o rosto e as formas de Kyuubei.

— Deixei uma coisa para você no Dojô. Cuide bem dela, pois é a única coisa que restou do meu pai. Da próxima vez que nos encontrarmos, estaremos em lados opostos, como inimigos. Quando a hora chegar, esteja pronto — sem nem ao menos se virar ou cessar os passos, disse Raizo. A voz estava tão intransigente e seca quanto Ethan se lembrava.

Uma parte de Ethan não queria mais levantar; estava cansado de lutar. A voz surgia como um sussurro que podia facilmente se perder. Porém, apesar de toda dor e tristeza, forçou-se a levantar e encarar a partida de seu mestre de pé. Neste meio tempo, os olhos permaneceriam vidrados nas costas do velho, em um amalgamado de sensações que não sabia como lidar. O aperto no peito veio logo em seguida, mas era tão inexplicável quanto. Talvez fosse o peso de outra derrota se manifestando, infestando-o e o consumindo, tal como uma praga. Por fim, quando a porta estalou com a batida, Ethan virou-se para o Dojô e foi em busca do suposto presente. O caminhar ainda era realizado com muitas dificuldades, quase como se arrastasse o corpo até lá.

Sentiu novamente o cheiro de poeira e mofo assim que abriu a porta de correr e se deparou com aquele Dojô abandonado. Os lençóis encardidos que cobriam os móveis, fotos e suporte para espadas de treino ainda estavam intocados. No entanto, diferente de antes, havia um suporte no centro da construção, onde Ethan nunca tivera a chance de lutar. Foi ali que achou uma lâmina gélida de beleza indistinguível, ao remover o lençol que a cobria. Ethan, porém, não perderia tempo com devaneios ou pensamentos que não o levariam a lugar nenhum. Frustrado, tomou a arma em mãos e sacou a Kusanagi logo em seguida, assumindo uma postura de combate.

— Qual a diferença? Vejamos… — Ethan se lembrava de uma conversa que havia tido há muito com o antigo mestre. — Não tem nenhuma. A partir do momento que aprender verdadeiramente a manusear uma espada, a quantidade passa a ser apenas um detalhe. Uma… duas… ou até mesmo três espadas, no fim das contas, é tudo o mesmo. Mas se insiste tanto em saber, a grande questão nesse cenário passa a ser a sincronia dos movimentos. Você pode muito bem usar a vantagem de ter duas espadas para atacar por ângulos diferentes. Mas o domínio nesse estilo está na sincronia com que manuseia as espadas, fazendo com que uma se torne a sombra da outra. Agora, se já acabou, volte a correr.

Ao se lembrar daquele episódio, ignorando toda a dor e sangue que escorria pelo braço, ergueu as espadas. Após isso, daria passos singelos que ecoavam como estalos naquele espaço vazio, conforme cortava o ar. A tarefa não representava um desafio para o Ronin, uma vez que manusear as espadas com ambas as mãos era tão trivial quanto respirar. Entretanto, diversas falhas aconteceram no momento em que tentou mover as espadas em uníssono. As passadas aconteciam sequencialmente, gotas de suor se desprendiam do corpo e se precipitavam no chão, mas mesmo com todo o empenho as tentativas não passavam disso. Não importava quanta força ou velocidade empregava nos movimentos, a falta de sincronia entre as lâminas sempre se mostrava um obstáculo intransponível.

Quando a noite chegou, a perda gradual de sangue e a desorientação já agiam no corpo do Jounin, que não fazia questão de esconder o estado debilitado. Apesar disso, seu orgulho não o permitia soltar as espadas enquanto ainda tivesse algum resquício de força; não enquanto podia continuar. Por isso, contrariando as expectativas, após sequencias repetitivas e exaustivas, finalmente conseguia ver resultados discretos nos saltos e cortes despretensiosos. A dor era real, porém, os resultados também eram. Assim, por volta das nove da noite, deu as atividades por encerradas e se dirigiu até o centro da vila, pretendendo alcançar o gabinete do Kage logo em seguida.