A viagem, assim como todas as coisas no universo, chegara ao seu inevitável fim, trazendo um instante momentâneo de alivio para o Jonin. Ele se esforçou durante todo o dia de viagem em atividade simultâneas, colocando por vezes a sua própria segurança em risco, mas, agora, podia respirar sem toda a carga sobre seus ombros. Em conjunto com a sua chegada naquele monumento rochoso que se assemelhava a uma montanha disforme coberta por uma camada perpetua de marrom, ele notava que o fluxo direcionado para a espada continuava, ainda que tivesse parado de focalizar toda a atenção na tarefa. Por fim, ele se via novamente tomando para si posse de algo que lutou com unha e dentes no passado para se desvencilhar. Junto disso, a impressão que ficava era que sempre teve tal habilidade, bastava apenas um empurrãozinho para que a particularidade emergisse do fundo do seu ser, como uma ave que alça voo pela primeira vez, entendendo que se tratava do seu destino.

Assim que pôs os olhos na extensão daquela superfície plana que se estendia para além da sua visão, foi impossível não pensar sobre os motivos que levaram o mais velho a tomar aquela escolha. Dentre todas as dúvidas, uma coisa parecia certa, levando em conta a familiaridade que ele teve com o caminho, estava claro que não era a sua primeira vez ali. Se pudesse ser mais ousado nos seus palpites, diria que o monumento devia ter um significado especial para Oliver. Já Ethan, com todo o imediatismo de sempre, conseguia pensar em inúmeros motivos para começar a odiar tudo o que via e seus significados. Fazia calor, e ele odiava aquilo. O ar era rarefeito, o que acabava demandando um esforço maior da sua parte. O cheiro que as pedras exalavam ao serem expostas ao sol e ao calor era, sem dúvida, a pior parte, e novamente Ethan voltava a reforçar na sua mente o seu ódio por cada elemento presente ali.

Assim que voltou a prestar a atenção no avô, viu que o mesmo começava a tirar algumas coisas da mochila imensa que levava nas costas, não demorando muito para levantar acampamento. Apesar da hora, o velho não estava com presa, enquanto ajeitava as hastes que dariam sustentação à estrutura, tomava algum tempo para secar o suor do rosto e respirar profundamente. Pelo visto, os sinais da idade voltavam a bater na sua porta, mas mesmo assim não ousou pedir ajuda para o neto, as suas mãos firmes e calejadas eram mais do que o suficiente.

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Ainda restavam alguns resquícios da luz do sol nos céus, mas aos poucos deixavam que a escuridão se apossasse de todas as cores vividas e quentes que compunham os dias ensolarados. Não muito tempo depois, sentindo na pele a temperatura cair de forma brusca, a dupla se sentou em volta da fogueira que haviam acabado de acender. Dessa forma, o cheiro maçante da fumaça fazia frente ao aroma agradável da comida que terminavam de assar.

— O dia amanhã vai ser cheio. — Observando a postura relaxada do neto, comentou. — Tem certeza que está pronto? Você está satisfeito com as suas habilidades? — Mais do que ninguém, Oliver sabia exatamente do que Ethan era capaz, e podia dizer com precisão quais eram as deficiências presentes nas habilidades do mais novo. No entanto, se contentou em fazer comentários ácidos, tentando provocar alguma reação no garoto. Com isso, esperava que a iniciativa partisse dele, afinal de contas, já não era mais uma criança.

— É... Assim como todo mundo, eu acho — respondeu.

— Você é todo mundo? — Por fim, Oliver insistiu. — Não sei se a situação ficou clara para você, mas se lembre da importância do que estamos fazendo aqui. Na minha época, não existia essa história de descansar, tinha que dar duro e sabia disso.

— Entendi... — Mesmo não atendendo o pedido do avô de imediato, entendia o peso que aquele conselho tinha.

Depois de comerem, Ethan viu o avô entrar em uma das barracas. Ele queria fazer o mesmo, mas não conseguiu. Tentar já não era o suficiente, o sono simplesmente não vinha ao seu encontro e uma veia de preocupação saltava na testa. Em toda a sua vida, jamais alimentou dúvidas acerca das suas capacidades, no entanto, aquelas poucas palavras foram capazes de abalar a confiança que tinha em si. Se em algum momento já teve a certeza de algo, não se lembrava.

Sendo consumido lentamente por aquela sensação incapacitante, Ethan não aguentaria ficar parado, sem fazer nada. Por isso, começaria a caminhar, andando em linha reta, esperando encontrar uma resposta para os seus dilemas.

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Antes que pudesse descobrir o porquê de estar fazendo aquilo, Ethan corria como nunca. Se não conseguisse encontrar algum jeito de acalentar aquele aperto no peito que quase o levava ao chão, fugiria para o mais longe que conseguisse. Não suportava mais aquilo. Nos anos anteriores, quando não precisava dar satisfações para ninguém, teve a oportunidade de refletir sobre a relação com o avô, percebendo que aquilo que tinham era tóxico. Por isso, em algum momento nesses anos, havia jurado nunca mais ser parte dos joguetes do velho, mas olhando para onde estava, via que nada tinha mudado, continuaria a sofrer naquelas mãos encarquilhadas.

Aos poucos, a paisagem ia se alterando, revelando a presença de uma grama baixa nos arredores. Junto disto, também era possível notar a presença de um bambuzal à esquerda. Medindo cerca de 20 metros de altura, as plantas eram mais grossas que o comum. Além disso, Ethan também perceberia que o espaço que as separavam era extremamente curto. Assim que os seus olhos flagraram a estrutura rígida que elas formavam e a sua extensão de quase 500 metros, sem demora, interromperia a trajetória atual, projetando o seu corpo naquela direção, rumo aos bambus.

Para alguns, os próximos movimentos de Ethan não fariam sentido algum. Visto de fora, ele era apenas alguém que tinha cismado em ir com toda a velocidade na direção de alguns bambus, tentando passar pelas frestas que os separavam. Contudo, as suas ações tinham um propósito — via naquilo um obstáculo para superar. Mais do que nunca, precisava provar para si mesmo que conseguia fazer o que quisesse, ansiava por aquela sensação reconfortante que viria logo em seguida. Essa sensação era o equilíbrio que o mantinha nos eixos, sob controle. Sem isso, um vazio imensurável tomaria conta, não restando qualquer resquício de esperança para o Jonin. Caso não fizesse nada, estaria ferindo a sua promessa de nunca mais falhar com os outros.

Então, assim que começou a mover o seu corpo com o máximo das capacidades, se inclinando para todos os lados possíveis. A partir daí, estava disposto a continuar com os seus movimentos até toda a dor desaparecer. No entanto, foi naquele momento que a fala do seu avô se concretizou. Ainda que tentasse conjecturar a melhor forma de superar algumas inclinações mais acentuadas presentes do bambuzal, o seu corpo não respondia da forma como deveria. A imagem do que devia ser feito estava clara na sua mente, a sensação era vivida, mas mesmo assim ele se via sendo acertado em diferentes partes do corpo pelos formatos cilíndricos dos bambus. Um a um, os roxos iam aparecendo, e a dor só aumentava.

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Depois de finalmente sair daquele emaranhado de bambus, finalmente Ethan podia se mover com liberdade, sem ter de lidar com o desconforto de ser acertado sucessivamente pelos objetos. Mas tão rápido quando aquele alívio momentâneo surgiu, algo voltaria a incomodar aquela figura emblemática que, aparentemente, buscava se machucar. Sem pensar nas consequências, agindo puramente por instinto, Ethan voltou pelo mesmo caminho. Dessa vez, buscava usar um pouco da experiência adquirida até então, tentando encontrar formas de evitar ser acertado. Entretanto, o seu corpo insistia em negar os seus comandos. No fim, parecia que tudo tinha sido em vão, já que os resultados distavam do esperado.

Enquanto desabava no chão, deixando que todo o tipo de dor invadisse ainda mais o seu ser, pensava na sua infância. Antes mesmo da academia ninja, ele já estava sendo lapidado para o sucesso, sendo submetido a treinos mais severos do que aquele. Segundo Oliver, esse era o seu destino; era o preço que precisava pagar pelos dons recebidos. Naquela época, os conselhos do mais velho não passavam de palavras vazias, algo que Ethan não levava tão a sério. Sempre que podia, negava os ensinamentos repassados pelo seu mestre, achando maneiras de se sabotar. Por fim, aqueles treinos não passavam de um teste de resistência, onde quem insistisse mais nos seus desejos levava o prêmio.

Até agora, Ethan jamais tinha se arrependido de não ter dado ouvidos ao avô. Em hipótese alguma, se arrependeria por ser quem era e de ter aproveitado aquele tempo longe dos treinos com a mãe. A felicidade de uma criança nunca poderia ser pautada em seções exaustivas e maçantes de treino, não importa o que digam. Ethan, mais do que qualquer um, entendia este fato. As marcas do seu sofrimento ainda eram visíveis nos seus braços e mãos; a dor de não ter passado mais tempo na companhia da mulher que mais amou no mundo ainda o assombrava. Por que? Por que precisava sofrer tanto? Por acaso, a recompensa que jamais desejou valia a pena? Daria algum significado para a dor que nunca cessa? Como nunca teve qualquer chance de escolha, as únicas respostas que inundavam a sua mente eram referentes aos problemas presentes na sua movimentação.

“Muito lento...”

“A sua postura ainda não é firme o bastante...”

“Você controla o seu corpo, não o contrário...”

“Se algo ficar no seu caminho, quebre-o, reduza tudo a cinzas. Os seus punhos podem resolver mais problemas do que você imagina...”

“Se 100 chutes não forem o bastante, 500 devem dar conta do recado...”

“Ethan, você é especial. Existe algo dentro de você que o difere dos demais. Então deixe o seu sangue falar mais alto, ele o guiará.”

Mesmo querendo fugir de tudo aquilo, as memórias continuavam vindo, revelando o que rejeitou durante anos de treino. As palavras do seu avô eram claras, como se ele estivesse ao seu lado, repassando todas as lições para ele. Ainda que odiasse esse seu lado, o estrago já estava feito, e ele precisaria conviver com isso. A partir desse momento, o equilíbrio que lutou para manter não passava de uma piada de mal gosto.

Depois disso, Ethan passaria o resto da noite e a madrugada inteira correndo por entre o vão daqueles bambus, corrigindo as suas falhas, provando que não era um inútil.

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