Os dias que se seguiram após a troca dos olhos de Shirou pelos de Altria foram rápidos. Grande parte do tempo ele passou em sua forja, descansando, deixando que as feridas sarassem, ruminando sobre as encomendas de forja e permitindo que tais pedidos se acumulassem sem nenhuma preocupação. De início, a sua visão se encontrava destorcida, deturpada pela estranheza dos dois novos globos oculares; e por isso, algumas vezes, ele recaía em grandes enxaquecas, retornando às sombras depois de passar por um mundo turvo e escuro. Contudo, isso passou. Após uma semana de repouso, seus novos olhos acharam uma luz ofuscante, uma luz forte e imponente como um farol. Consumidos pelo vermelho do novo estágio do Sharingan, agora não havia qualquer resquício de problema ou defeito. Não havia mais a cegueira, nem mesmo as dores contundentes ao redor da cabeça ou no seu corpo. Ele sentiu-se feliz com isso, feliz pelo procedimento ter gerado bons frutos. Certamente, Altria, que por algum motivo não viera encontrá-lo nesses dias, também aproveitava de uma visão semelhante, afastada das mazelas que um dia Shirou suportou. No entanto, o tempo de descanso não teve apenas esta serventia. Pela visita inesperada de novos clientes e pela sua recepção sempre simpática, o jovem soube de notícias que atravessavam o vilarejo da Névoa. Boatos silentes de desentendimentos, revoltas, conflitos e batalhas. Tudo isso parecia um turbilhão que estava às vésperas de romper os grandes portões do vilarejo insular. Esperava ele que ele não fosse pego no meio da tormenta, mesmo que, no fundo, ele sabia que isso seria impossível caso se concretizasse.
Mais um período se passou, e agora, finalmente recuperado, Shirou podia retornar aos seus trabalhos com louvor. Um dia de sol escaldante ficou marcado em sua mente, e até mesmo hoje, depois de cinco longos anos, ele continua a se lembrar desse fatídico dia. Ele acordou cedo, ansioso para o retorno, e se trajou com suas vestes habituais. Atravessou o centro do vilarejo, que estranhamente não possuía nenhum resíduo da névoa matinal, e adentrou em sua forja resfolegando. Acendeu a fornalha, tomou posse dos equipamentos e começou o preparo de inúmeras armas. Mesmo que tivesse ficado afastado durante um bom período, as peças começaram a se moldar à sua frente como se suas mãos se mexessem naturalmente, sem nenhuma dificuldade ou pesar. Ele forjou inúmeros protótipos de armas, sejam de espadas, lanças, maças ou arcos. Ele fez tudo isso até o anoitecer, embora ele mesmo não tenha percebido o correr das horas. Eufórico, ele continuou concentrado, compenetrado da mesma maneira que seu mestre, um dia, lhe ensinou. No entanto, toda essa dedicação foi interrompida por algo. Um barulho surdo cortou o ar, e no mesmo instante, Shirou parou seus movimentos. A porta entreaberta da oficina se abriu lentamente, deixando que o ruído penetrasse no recinto. Mesmo que o nevoeiro estivesse pacato, as sombras da noite eram escuras, tão escuras que era impossível enxergar além do salão, iluminado apenas pelas brasas crepitantes que irradiavam da fornalha.
— Pois não? — A voz de ruivo ressoou com inocência, sem nenhuma malícia, avistando a grande silhueta que vertiginosamente atravessava a soleira da porta. Não houve nenhuma resposta, e nesse intervalo ínfimo de segundos, Shirou lembrou-se de algo que há muito vinha esquecendo. Lembrou-se de seu tempo em Sunagakure, lembrou-se de sua história, lembrou-se de seu pai e lembrou-se de um nome: Kiara Sessyoin. O propósito que há muito havia moldado sua personalidade retornou como um choque elétrico, e sua feição transmutou-se em uma expressão de ódio contido e reprimido. Por mais que não soubesse quem estava ali, seus instintos lhe diziam para desconfiar daquela sombra. Mesmo assim, talvez apegado a um filete de esperança por estar residindo em uma aldeia tão pacífica, Emiya não deixou que seus olhos caíssem no vermelho de sua linhagem. E apenas por conta disso, ele foi acertado por um golpe tão veloz que ele nem sequer foi capaz de piscar em resposta. O avanço da sombra não deixou rastros, e seu ataque foi preciso o suficiente para contundir o pescoço do jovem e deixá-lo em um estado de sono profundo, desacordado. Se alguém visse a cena, certamente se depararia com a sombra rindo com um sorriso amarelo, de pé ao lado do corpo caído. Agora, iluminado pelas brasas e pelo tênue crispar de labaredas, seria possível ver um sujeito de porte comum, mas repleto de tatuagens ritualísticas e trajado em uma indumentária preta com capuz. As sombras do robe escondiam o rosto, mas este, certamente, ostentava uma expressão de excitação.
— Finalmente o encontramos... — O balbucio do sujeito cortaria a atmosfera como uma lâmina afiada, ao mesmo tempo que ele tomava o corpo de Shirou nos braços e o carregava para fora da oficina. Para onde ele o levaria?
— O-onde estou? — Despertou dolorido do sono, mas não perdeu tempo em vocalizar as palavras. Não via nada, tinha algo tapando seu rosto. Estava abafado, como se uma cortina de trevas o envolvesse por completo. Cada respiração era um esforço, enquanto tentava desesperadamente compreender o que acontecera e onde se encontrava. O ar estava impregnado com um cheiro úmido e terroso, uma mistura de vegetação e terra molhada que penetrava em suas narinas. Seus sentidos estavam em alerta, cada pequeno som amplificado em sua mente enquanto tentava desvendar os detalhes desse lugar desconhecido. Ao tentar mover os braços, percebeu estar amarrado. Fios ásperos e firmes prendiam seus pulsos e tornozelos, restringindo seus movimentos. Cada tentativa de se soltar só aumentava a sensação de prisão, e uma onda de ansiedade percorreu seu corpo. Uma brisa suave roçou sua pele, arrepiando-o levemente. Ele estremeceu, não apenas pela baixa temperatura, mas também pela incerteza que o envolvia. Sabia que estava ao ar livre, provavelmente ainda naquela mesma noite — não tinha como ter desmaiado por tanto tempo. Tentou concentrar o seu chakra, levantar o seu poder. Para isso, deixou que seus olhos fossem finalmente cobertos pelo calor de sua linhagem, os olhos de sua amiga que agora eram os seus. O Mangekyō girou e girou, mas, mesmo que tentasse invocar os poderes do deus das tempestades, Susano’o, era impossível.
— Merda! — Praguejou em alto tom, e a sombra que, desde então se encontrava ao seu lado, finalmente se manifestou. Shirou não conseguia vê-lo, mas havia um sorriso no rosto, uma expressão odiosa, típica de um vilão.
— Parece que você acordou! Quem diria! — Sua voz era eufórica e fina, e as vogais se alongavam como se estivesse cantando.
— Demoramos um pouco para encontrar você. Quem iria adivinhar que você iria fugir da Areia... Kirigakure? Essa foi uma boa escolha, o culto da Santa Mãe nunca conseguiu pregar a sua palavra na Névoa... Isso até agora... — Enquanto o homem falava, o ruivo sentia uma mão passear pelo seu corpo, correndo pela perna, pelo tronco e findando no rosto, onde seria colocada sobre os olhos vendados do garoto.
— E vejo que você conseguiu, conseguiu evoluir seus olhos. Aguardamos por tanto tempo, e até perdemos a esperança por algumas vezes. Eu preciso parabenizá-lo, Emiya Shirou! Regozije-se! — Uma gargalhada oca ecoou no passo, ao mesmo tempo que sons de risos acompanhavam a voz do sujeito. Shirou percebia que não estava sozinho com aquele cara, havia pelo menos uma multidão junto deles dois, rodeando-os. Embora muitas coisas começassem a se clarear em seus pensamentos, ainda havia uma dúvida permeando a mente do jovem.
— C-como? Como me encontraram? — A voz de Emiya era carregada de dor e, ao mesmo tempo, do ódio que ele cultivava desde a tenra idade, quando descobriu que seus verdadeiros pais haviam sido mortos pela vontade daquele culto: um culto vil que tinha como premissa reviver uma antiga deidade em um ritual que envolveria os olhos evoluídos da linhagem Uchiha.
— Me permita explicá-lo. — O homem parecia zombar com suas palavras, finalmente retirando a mão do rosto de Shirou.
— Kirigakure abriu as portas para nós, garoto. Nos infiltramos como refugiados e mercenários dispostos a atuar pelo país e, por isso, recebemos uma carta branca para residirmos em Kirigakure. Você se tornou famoso, meu jovem, não foi difícil escutar das pessoas que um ferreiro de cabelos ruivos com mechas brancas possui uma oficina no centro da aldeia. Mais uma vez, meus parabéns. — Depois de falar, mais uma risada seguida pela cacofonia de outras várias.
— Você teve sorte, admito. Esteve longe de nossos olhos por tanto tempo... espero que tenha descansado, pois logo você terá seu sangue derramado em nome de nossa Mãe! — Ele voltava a se falar, e Shirou conseguia sentir os brados retumbantes ecoarem, gritos de uma multidão alegre, como se todo o mundo desejasse a sua morte. No fundo de sua mente, ele sabia ser o fim. Não podia usar sua força física, nem usar seu chakra. Os poderes de seus olhos também permaneciam selados, como se uma força estivesse os dominando. A multidão de cultistas o via de perto, vislumbrando-o como um ícone. Na noite escura, estavam em uma grande floresta, no centro de uma clareira. Havia um altar de pedras, onde o garoto Uchiha estava deitado, e grandes marcas de selamento circunscreviam o espaço, selando e vedando os seus poderes. Aquela multidão sabia que logo iria acabar; logo os olhos da linhagem Uchiha seriam retirados daquele ser imundo e entregues ao apóstolo da deusa Kiara, Balberich, para então dar início à cerimônia de reencarnação da deusa.
— Então, podemos começar? — Balberich recitou as palavras como numa música, e Shirou engoliu seco, tentando desesperadamente se debater. Não logrou êxito. A venda foi retirada de seus olhos, permitindo que o ferreiro observasse pela última vez as estrelas ponteadas no céu noturno. “É o meu fim”, ele pensou, sem esperanças. Ele respiraria fundo, entregando-se ao toque daquele homem. Ele morreria, isso se não fosse a súbita ocorrência de uma ventania. Controlado por o que parecia ser um vento dos deuses, uma sombra percorreu o ar e foi ao encontro do apóstolo Balberich. Num instante, podia-se ver o homem com suas mãos apontadas para a face de Emiya; noutro, podia-se vê-lo fincado em uma árvore, com uma grande espada carmesim segurando-o no tronco de uma árvore distante.
O apóstolo havia morrido de repente, sem nem chance de lutar.
— Que diab... — As palavras de Shirou se perderam na desarmonia, os gritos dos demais cultistas em desespero. Eles começaram a correr, incapazes de entenderem a cena que havia se desenrolado diante de seus olhos. Como o apóstolo Balberich havia morrido tão rápido? Como alguém havia alcançado aquela pequena ilha, há várias horas de distância da aldeia da Névoa? Sem a resposta dessas perguntas e de inúmeras outras, eles correram, fugindo para o interior da floresta, ao passo que uma sombra se aproximava lentamente de Shirou. Tinha uma aparência velha, caquética, e andava curvado. Apoiava-se em um cajado, e atrás de suas costas levitava um disco vermelho de um poder oculto, um chakram. Ainda que não soubesse o seu nome, Shirou conhecia aquele senhor. Fora ele quem, há muito tempo, havia lhe reservado uma elegia melancólica, um poema sobre o seu futuro.
— Você passou por maus bocados, não é mesmo? — O hierofante sorriu, mostrando os dentes amarelos. Nesse mesmo instante, ele levantou o cajado e depois bateu com ele no chão, fazendo a terra tremer. Os símbolos que prendiam o ruivo desvaneceram, e então, o garoto pôde usar sua força para romper os fios que cingiam o movimento de seus braços e pernas.
— Obrigado. — Foi tudo o que Shirou disse depois de vê-lo, para além de fazer uma leve mesura em respeito ao ancião.
— Não há de quê, jovem Emiya. — O velho se virou, preparando-se para partir. Não parecia disposto a caçar os demais cultistas.
— É só isso? Não vai correr atrás daqueles outros? Não pode deixar que escapem. — O ferreiro não deixou de retrucar, deixando de lado o sentimento de ter sido salvo da morte iminente para confrontar o seu redentor. O velho vidente revirou seu pescoço, seus pequenos olhos fitando Shirou com ímpeto.
— Não, não vou. E você também não deveria. Já estão longe. — Ele disse.
— Mas por quê? Não vai nem ao menos buscar alguns deles? — Shirou retruca novamente sem entender as palavras do ancião.
— São apenas coitados, pessoas que tiveram suas mentes tomadas pelos princípios do culto de Kiara Sessyoin, mas que não oferecem risco algum para a humanidade.— Mas eles estão envolvidos em atos horríveis! Eles mataram, torturaram... como posso simplesmente ignorar isso? — A voz de Shirou tremia, uma mistura de frustração e conflito interno.
— E se você fosse capaz de mudar o destino dessas pessoas? E se, ao invés de punição, você oferecesse a oportunidade de redenção? — O ancião sugeriu, sua voz suave como uma brisa. No entanto, Shirou endureceu. Ele não estava disposto a fazer concessões.
— Eu sei o que é certo e o que é errado... aquilo que me mantém vivo... eu não posso dar as costas para aquilo que me mantém vivo... Sinto muito, mas não posso seguir uma coisa óbvia dessas.O ruivo transformou sua mente em aço. O suco gástrico subindo pela sua garganta, a dor no estômago, a dor os olhos. O tempo parava enquanto as palavras saíam de sua boca. Ele não podia deixar a sua convicção ser abatida. Por todos aqueles que não puderam ser salvos naquele fatídico incêndio, por todos aqueles que caíram nas garras do culto de Kiara, Shirou não poderia deixar nenhuma pessoa ter esse mesmo destino.
— Entendo. Então você está escolhendo o mesmo método de Kiritsugu. Você vai sacrificar alguns para salvar muitos...— Isso mesmo. Kiritsugu e eu somos iguais. Mas se quiser amaldiçoar alguém, eu estou aqui para isso.A mente de Shirou era como um aço endurecido. Ser repreendido ou amaldiçoado... nada disso importava. Ele queria derrotar aqueles homens e mulheres; matá-los um a um. Todo aquele culto estava entregue à desgraça e, graças a isso, precisava ser exterminado. Por um instante, o velho ancião nada diz. Por alguma razão oculta, ele já sabia do futuro reservado para o garoto. Sabia no que ele iria se tornar. No entanto, ele esperava que o garoto reconhecesse a hipocrisia de seus ideais, os ideais que um dia foram de seu pai, Emiya Kiritsugu. Por ter sido salvo daquele inferno, salvar as pessoas que estão em sofrimento é uma dívida que Shirou precisa pagar. Sendo assim, por que ele não salvaria as pessoas que foram captadas pelo culto? Muitas delas eram pessoas humildes, que apenas se apegaram às vontades do mal por estarem imersos em um mar de desesperança. O velho suspira. Ele também sabia que o altruísmo de Shirou era contraditório; tão contraditório quanto aquele pregado por Kiritsugu. Se ele buscava salvar a todos, ele não deveria salvar também os seus inimigos?
— Tenho pena de você, Emiya Shirou. Você fez sua escolha, e no fim, você vai continuar mentindo para si mesmo com esse rosto de quem está prestes a chorar.Então, desaparecendo em uma corrente de vento, o velho dá um adeus com um sorriso triste. Essa seria a última vez que Shirou veria o homem que, certa vez, lhe concedeu uma triste poesia sobre o seu futuro. Começa a chover, e a floresta emudece em um silêncio gutural. Não havia mais ninguém ali. Tranquilamente, o garoto com a mente de aço deixaria a ilha, retornando para Kirigakure, sua mente em um turbilhão. “Se isso significa que ninguém mais vai chorar... eu vou procurá-los, e vou matá-los um a um. Essa é a responsabilidade que eu recebi quando jurei me tornar um herói da justiça. Esse é o primeiro preço que eu preciso pagar para alcançar o meu ideal.”
“Não é necessário falar sobre o óbvio. Emiya Shirou endureceu sua mente como aço e se tornou um herói da justiça.”
Durante os anos seguintes, ele caçou os seguidores de Kiara pouco a pouco. Situados no País da Água, foi fácil para Emiya encontrá-los. E esse caminho o levou para o inferno, ou melhor, para inúmeros infernos. Como uma máquina, ele destruiu inúmeros dos esconderijos da seita, uma dança sinistra entre ferro e carne, entre a fúria de um justiceiro e os murmúrios agonizantes daqueles que abraçaram o culto. Cada incursão nos recantos sombrios era uma incursão nos labirintos de sua própria mente, uma jornada que cavava profundamente em sua humanidade dilacerada. Ele confrontava o terror de um dogma distorcido, de mentes enegrecidas pela devoção doentia. As chamas acesas nos altares de sacrifício eram consumidas pelos reflexos das chamas que queimavam no âmago de Shirou, uma vontade inextinguível por uma justiça que muitas vezes se assemelhava mais a uma vingança implacável. Os meses se passaram, e junto a isso, as estações e os anos. O herói se tornou mais alto, e as marcas de estresse em sua aparência avançaram rapidamente. A mecha branca em seu cabelo agora consumia todos os fios da cabeça, e a sua pele, antes levemente manchada na parcela esquerda do corpo, agora cobria-o por inteiro. Houve um grande estresse mental, mas, em sua cabeça, ele agiu como um protetor do equilíbrio pela humanidade, enfrentando aqueles que, segundo ele mesmo, atrapalhavam o equilíbrio do mundo.
Obedecendo seus próprios ideais, ele matou. E matou... e continuou a matar. Matou tantos que deixou de se importar com isso. Nos pensamentos, para cada vida que ele tirava, ele estava salvando centenas, milhares quiçá. Ele lutou de novo e de novo, sempre que sabia de novos planos da ordem da deusa. Destruiu não apenas os apóstolos, oponentes formidáveis, mas também matou inúmeros cultistas. E ele continuou. Avançando muitas vezes mais... E isso nunca acabava, jamais terminava. Relembrando de seus ideais concentrados em seu âmago, não é que ele tenha sonhado com um mundo livre de todo o mal; era mais como se ele apenas quisesse que as pessoas não chorassem no mundo que ele conhecia. Foi aí que ele finalmente percebeu. O ideal que “Emiya Shirou” abraçou era apenas um idealismo vazio. É impossível salvar a todos. Salvar muitos significa deixar alguns perecerem. Essa é a verdade por trás do ideal de um herói da justiça. Ele entendeu que salvar as pessoas simplesmente porque quer é um desejo errado, e então, ele se viu como uma pessoa defeituosa, um farsante que jamais deveria ter nascido, afinal, não fazia sentido uma pessoa com ele viver.
Ele caminhou sem rumo por uma colina sem cor, sua vida nada mais foi que a imensidão enegrecida que via adiante, aquilo que cobre o antes belo horizonte a qual seus olhos admiravam. Desde o início, ele devia ter se tornado um herói da justiça, isso porque isso foi a única coisa que Emiya Shirou idolatrou desde a tenra idade, mesmo que essa paixão não venha dele mesmo, mas sim de Emiya Kiritsugu. É normal que crianças idolatrarem seus pais, mas o que ele deixou com Shirou quando morreu foi uma maldição. Depois de salvá-lo das chamas, depois de apresentar a Shirou a imagem da mais profunda alegria, ele não tinha escolha a não ser querer abraçar a mesma emoção. Seus ideais foram tomados de outro, ideais que Emiya Kiritsugu jamais conseguiu alcançar; mas, em contrapartida, era como se ele apenas copiasse o que aquele homem um dia acreditou. Durante todo esse tempo, ele admirou o desejo dele de querer ajudar os outros porque era um ideal belo e puro; e em consequência, ele não foi capaz de criar um pingo de amor-próprio. Se isso não é hipocrisia, o que é? Ele foi levado pela obsessão de que deve se sacrificar pelos outros, seguindo com essa arrogância. Mas no fim, ele foi apenas uma farsa; e ele se viu dessa forma. Ele nunca soube de fato o que ele queria salvar e, por isso, ele teve o seu resultado: ele acabou encarnando como um justiceiro cruel.
Seus ideais agora estão arruinados. Ele sabe que pensar que os outros são mais importantes do que ele próprio ou mesmo desejar que todos fiquem felizes é apenas um conto de fadas fantástico. Por ser apenas um copiador, um farsante, um homem fajuto, ele passou a ser reconhecido apenas pelo nome que um dia pertenceu ao seu pai: “Emiya”. Abandonaria, então, a sua própria identidade, reconhecendo que toda a sua vida não teve sentido algum. A sua personalidade? Se transformou, fruto do caminho que ele mesmo percorreu. Por vezes, cínico e niilista, e por outras, amável e gentil. “Talvez contradição” fosse a palavra que definisse toda a existência desse herói. Ele não se reconhece mais no espelho, o reflexo é um estranho que vagueia pelos escombros de suas aspirações. As armaduras de idealismo que antes envergava agora estão quebradas e empoeiradas, lembranças de um tempo em que a simplicidade do certo e do errado parecia mais clara. A jornada implacável o transformou em um paradoxo ambulante, um ser que oscila entre a busca por redenção e o confronto com a própria impotência. O homem que caçava seguidores de Kiara Sessyoin, que brandia sua lâmina com justiça inclemente, agora encara o abismo de sua própria alma, confrontando as sombras que se projetam sobre o terreno árido de suas convicções. A certeza de seu propósito anterior se desvaneceu, deixando-o em um estado de desolação, onde cada passo adiante parece apenas aprofundar o vazio em seu interior.
“Essa história não possui a intenção de ser contada para as outras pessoas.
Ela é um pequeno desejo, como aquele que as pessoas fazem para uma estrela.”
Foi uma longa jornada. O tempo passou, os ideais que foram perseguidos, e a vida que ele tentou alcançar foram pesados demais. Não importa o quanto ele andasse, a distância nunca diminuía. Sem desistir, sem descansar, sem voltar atrás, e com muita determinação, ele seguiu por esse caminho de dor interminável. A sua jornada continuava sem chegar a um fim. O motivo é bem simples: para onde ele deveria ir, e o que deveria fazer para não precisar mais andar? Ele deveria ter encontrado as respostas dessas perguntas há muito tempo, mas parece que nunca as encontrou. Não existe nada indestrutível nesse mundo. Mesmo que uma máquina seja muito resistente, ela ainda se desgasta conforme vai sendo usada. Isso não serve apenas para máquinas, mas também para corpos e até mesmo espíritos. Tudo se desgasta com o passar do tempo. Sempre que alguém olha para um objeto, a sua cor desbota mais um pouco. Portanto, até mesmo o coração dele, que não considerava nada mais doloroso, foi finalmente capaz de perceber uma coisa depois de tantos anos de repetição. Mesmo que as suas ações sejam nobres... no fim, as pessoas nunca se importam com quem você é de verdade.
A esperança e o desespero caminham lado a lado. Os ideais nobres passam a se tornar tarefas cansativas que acabam virando uma obsessão miserável. Aquilo que as pessoas idolatravam quando era meras crianças se transforma na realidade do dia a dia, e por mais que elas parem para pensar como admiravam heróis da justiça na sua infância, o respeito que elas tinham por eles naquela época já se perdeu há muito. É normal que o ser humano pense assim. Mas justamente por não ser alguém “normal”, ele escolheu fechar o seu coração para que não pudesse mais sentir dor. Agora, o seu coração de ferro prova que ele não passa de um homem feito de aço, ou ainda, um homem de latão. Contanto que continuasse assim, ele poderia seguir com a sua longa jornada. Por deixar de sentir dor, ele também passou a sentir menos prazer. Porém, por não ser um homem egoísta, ele estava satisfeito em ser recompensado apenas em alguns momentos. Agora, ele estava em busca de algo bonito, ou ao menos, mais bonito dos ideais que um dia ele jurou defender. No fim, aquela elegia estava certa. “Seu corpo era feito de espadas, seu sangue era de ferro e seu coração, de vidro. Sobreviveu através de inúmeras batalhas, nunca sequer recuando, nunca sequer compreendido. Ele estava sempre sozinho, intoxicado com a vitória sobre uma colina de espadas. Assim, sua vida não teve sentido. Tal corpo era de fato feito de espadas.”
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- 4036 palavras. Filler de passagem de tempo para aquisição de 3 missões ranque S (1300 palavras cada). Em vista das bonificações concedidas pela Meta Mensal (Quinzena do Up), as missões terão seus efeitos dobrados. Aproveitando a ambientação do novo arco quanto ao vilarejo de Kirigakure, o filler terá o encargo de encerrar uma trama antiga do meu personagem. Além disso, o filler também terá a função de adequar o personagem na nova linha do tempo, desenvolvendo uma nova personalidade e alterando sua aparência (mais detalhes na gestão de fichas).