Estar rodeado de pessoas nunca incomodou o genin da folha, até que sentia um certo conforto em não estar sozinho, no entanto, às vezes gostava de se isolar e aproveitar sua própria companhia. Sem estranhos lhe enchendo o saco, sem os mesmos trambiqueiros tentando passar a perna nele e, principalmente, sem toda a agitação cotidiana da vila de Konoha. Tal agitação não tinha nada a ver com o fato de ser um ninja, mas, sim, pelo fato de morar aonde morava e conviver com as pessoas que convivia. Fazendo da rua sua casa, quase não conseguia ter um pouco que seja de privacidade. Com isso em mente, partiria para uma das suas excursões.

De malas prontas, não tendo que se despedir de ninguém, partiria imediatamente para a sua próxima aventura. O clima estava bom, estava de bom humor e não tinha preocupações excessivas tirando o foco da expedição que faria. Dito isso, o genin, com base nesses fatores, alimentava altas expectativas nos dias que passaria isolado.

Seguiu então pelas ruas. Depois, por chãos de terra. Por fim, adentrou uma área florestal que se encontrava nos limites de Vila. Por sorte, rapidamente encontrou uma trilha para seguir. A estrada estreita era guardada por duas árvores gigantescas de troncos grossos e escuros. Sua folhagem, por outro lado, era clara e vivida. Se Ethan olhasse atentamente à sua volta, notaria esse mesmo padrão na vegetação subsequente.

Após andar por mais 30 minutos, notaria que o sol se punha no horizonte. Ethan não era nenhum especialista em atividades de campo, muito menos tinha noções profundas sobre sobrevivência. Ele era apenas um jovem idiota que resolvera se enfiar no meio do mato. No entanto, sentindo a necessidade de “se virar”, tiraria um pedaço espesso de pano da sua mochila. Feito isso, usaria sua faca Kunai para coletar alguns gravetos mais compridos. Quando os preparativos estavam feitos, com os últimos resquícios de luz do sol, improvisaria uma cabana.

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Sua primeira noite naquele lugar, cercado pelos sons característicos da fauna, não fora exatamente como imaginou. O frio era tremendo. Como Ethan não tinha pensando em uma maneira de se manter aquecido à noite, acabou tendo mais problemas do que gostaria. Não parou de tremer um minuto sequer. Em posição fetal, encasulado no seu casaco preto, tentava sobreviver a sua primeira provação. Sem contar que, para o seu azar, um enxame de mosquitos começara a circundar sua barraca, fazendo da vida de Ethan um inferno. Assim passou a noite: Com frio, fome, sede, com o corpo todo coçando.

Os primeiros raios anunciaram então o inicio de um novo dia. Cheio de dores pelo corpo, principalmente na coluna, e com o semblante levemente abatido, Ethan despertou. Primeiro, tratou de recolher todos os seus pertences. Em seguida, já com a mochila nas costas, procuraria alguma fonte de água nas redondezas. Convicto de que conseguiria, seguiu confiante pelo resto da trilha.

Os passos largos e a respiração ofegante revelavam a urgência do genin. Caso não achasse algo para comer ou beber a tempo, acabaria caindo duro no chão. Estava tão afoito que nem repararia nas belezas a sua volta. Agora, os motivos que o trouxeram até ali importavam mais. Sentindo na pele seu instinto de sobrevivência aflorar, continuou, desesperado, esperando achar algo, qualquer coisa servia. O suor escorria na testa, por vezes turvando a visão do genin. Os lábios, já assumindo uma coloração esbranquiçada, estavam ressecados. Nem mesmo a língua de Ethan conseguiria mais manter a humidade do lugar. Como se já não bastasse tudo isto, ainda lidava com uma irritação na pele que fazia o garoto ficar vermelho que nem pimentão.

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Quando Ethan estava prestes a se entregar, deixando as alucinações que estava vendo tomarem conta, ouviria o som de um sino. Naquele momento, mesmo querendo pontuar a estranheza do ocorrido, usando toda a força que ainda tinha, tentaria chegar na origem do som. Outrora, em outras circunstâncias, isto não seria nada para o garoto; um ninja treinado, disciplinado sob a tutela de professores excelentes não sentiria dificuldade em seguir um simples som. Entretanto, não foi bem assim que tudo aconteceu. Sem conseguir fazer bom uso do seu senso de direção, atormentado por fortes dores de cabeça, não foi capaz de manter a concentração. Pensamentos negativos colocavam sua capacidade em xeque. Desistir não era visto mais como uma opção, desistir já se tornara a única resposta.

O desespero de Ethan já estava chegando no seu ápice, prestes a anunciar o pior dos casos. Foi então que atravessou um arbusto volumoso, sendo transportado para um lugar completamente novo. Se tratava de uma área majoritariamente plana, com gramado baixo. No centro, um pequeno lago. E mais uma vez o som do sino ecoaria pela floresta. De dentro de outro arbusto, à esquerda de onde Ethan estava, sairia um homem careca. Ele não disse nada, apenas ignorou a presença do mais novo e seguiu rumo à beira do lago. O sino que o homem carregava com a canhota era, provavelmente, feito de ouro ou de algum outro metal nobre. Apesar de pequeno, aparentava ser pesado, já que era possível notar o pulso do dono ligeiramente flexionado.

No momento em que cessou seus passos, estava a alguns passos da borda do lago. Não demorou muito até o sujeito se pôr de joelhos e deixar o sino a alguns centímetros do seu joelho esquerdo. Era estranho. Ethan até cogitou correr desesperado até aquele amontoado de água, mas sua curiosidade tomou as rédeas da situação. O que levara o homem a ficar imóvel e em completo silêncio era uma pergunta, até então, sem resposta.

Incapaz de deduzir os motivos por trás daquele comportamento, receoso, o genin se aproximou do lago. Dado um primeiro momento, ficaria ao lado do sujeito. Tudo continuava igual. Sem mais o que pudesse fazer, cedeu aos impulsos e saciou sua sede. Seu desespero era tamanho, que nem ligava para a água que escorria pelo canto da boca, encharcando sua blusa no processo.

Assim que Ethan recobrou a sanidade, como esperado, sua curiosidade não diminuirá. Ele então resolveu se afastar 5 metros do homem, ficando de frente para as suas costas, sentando logo em seguida.

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Com a decisão que acabara de tomar, Ethan esperava que, mais cedo ou mais tarde, o careca fosse revelar de alguma forma suas intenções. Não estava tão certo daquilo, no entanto, dada as circunstâncias, não poderia fazer mais nada. O genin até pensou em perguntar, mas isso não fazia seu estilo, era direto demais. Esperou, esperou e, como fez a 1 hora atrás, esperou. A possibilidade de o homem ter morrido começava a passar pela cabeça de Ethan, porém, não demorou muito para descartar a hipótese. Assim como todas as outras atitudes que tomou, sem sentido aparente, ele voltaria a tocar o sino. Doze badaladas puderam ser ouvidas.

Ethan nunca se considerou uma pessoa paciente, nunca acreditou que era. Mas, a forma como o careca o desafia trazia um outro lado seu à tona. Não pretendia perder naquele jogo. Então se colocou na mesma posição do sujeito, respirou fundo, contou até três e, de olhos fechados, começou a deixar a mente ser tomada por uma infinidade de pensamentos. Pensava em como a dona da loja de doces que frequentava cheirava a trigo, imaginava como seria morar num lugar desses e também imaginava como seria sua vida se fosse um shinobi comum — com sua casa, família, fazendo missões e não se envolvendo, indiretamente, com atividades criminosas no vilarejo. “Errado!”, o homem esbravejou. Sem se virar ou abrir os olhos, ele inclinou a cabeça na direção de Ethan e o repreendeu. Por sua vez, o genin voltava a ter os pensamentos direcionados para o careca. Questionava, principalmente, o que motivou a sua reação.

Não satisfeito, o genin, como uma criança birrenta, tentaria arrancar mais algumas palavras do seu adversário. Sua mente ia e vinha, seus devaneios já não faziam qualquer sentido. Ele apenas imaginava sua voz ressoando bem alto na mente. Falava como o cheiro da vila o incomodava, dizia o quão incomodo era conviver em sociedade, reclamava do gosto da comida de cada restaurante que já frequentou. “Isso é algum tipo de piada? Seu mestre não te disciplinou direto? Vou te dizer apenas uma vez: Você é uma esfera de prata flutuando em águas turbulentas. Se acalme, ou vai afundar. Caso se distraia, vai acabar boiando e perdendo o foco. O equilíbrio é um dom. O chakra é a correnteza que vai te guiar, como esfera, até a iluminação.” Por fim, suspirou e tocou o sino mais uma vez. Também no fim sermão, deixaria os ombros relaxados mais uma vez.

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Como reagir as palavras que acabara de ouvir? Ethan não sabia. Só conseguia pensar em como as palavras eram carregadas de contradições. Por um lado, não poderia “se afogar”. No entanto, estranhamente, também não era permitido “boiar”. Preso nas palavras ditas a ele, em um loop sem fim, tentava achar um sentido na correnteza que o guiaria. Toda sua compreensão sobre o Chakra parecia não ser suficiente. Relembrou do tempo que passou na academia ninja, das lições aprendidas, dos conceitos mais básicos de que tinha conhecimento. Apenas um esforço em vão. Sua instrução, incompleta e cheia de lacunas, nunca abordou nada parecido com aquele mantra. A ignorância foi a única opção dada a Ethan, e preso nela amargava um gosto horrível na boca. Insuficiente, cerrou os punhos e deu um soco chão, deformando levemente o gramado.

Dentre todos os requisitos exigidos para alcançar a suposta “iluminação”, a confiança era o maior problema de todos. Ethan, apesar de não demonstrar, tinha plena confiança nas suas habilidades, não importando em qual campo fosse requisitada. Entretanto, quando se tratava de terceiros, confiar se tornava algo que beirava o impossível. Por conta disso, muita das vezes, Ethan acabava transparecendo uma falsa sensação de superioridade em relação aos demais. Não era o que queria, mas dar aquele salto de fé, confiando plenamente em algo, contrariava e negava tudo o que Ethan era. Se alcançar a iluminação significasse perder-se pelo caminho, então aquilo não servia.

A dupla até as primeiras horas permaneceu inerte, não moviam nem mesmo um único fio de cabelo, era até aonde estavam dispostos a ir. O homem, convicto, se apoiava unicamente nas suas crenças. Mesmo que fossem apenas promessas vazia, não ligava, tinha fé. Etha também tinha algo para lhe dar forças, para que não fraquejasse. A determinação do genin vinha da sua curiosidade e infantilidade. Aliadas, esses fatores poderiam leva-lo a qualquer lugar, sem contar que odiaria perder aquele jogo de paciência. Os dois então continuaram a batalhar, imóveis. Ambos travavam, simultaneamente, uma batalha física e mental, onde só poderia existir apenas um ganhador.

Os minutos andavam, as horas corriam e, finalmente, os dias saltavam. Desafiando os próprios limites, a dupla seguia naquela mesma posição, ainda sem movimentos bruscos ou sinais de cansaço. Os seus corpos, ainda que exaustos, demonstravam estar relaxados, como se tivessem rompido os limitadores de cansaço do corpo, estavam em um estado além da compreensão. A mente, por outro lado, definhava. Eles já não conseguiam pensar em mais nada, pois, naquela altura, nada mais tinha importância. Ignorando toda a informação externa desnecessária e ignorando seus corpos físicos, se concentravam unicamente na sua energia espiritual (chakra) e em como ela percorria um caminho sinuoso. Vislumbravam, também, uma porta de dimensões colossais, cheia de entalhes e figuras enigmáticas, semelhante àquelas encontradas em templos antigos. Quanto aos dois, eram apenas um amontoado de energia perante ao monumento, esperando que a passagem fosse aberta. Dotada de um sensor sensível a certas assinaturas espirituais, o portal escolhia os dignos. Quanto aos indignos, restava apenas uma provação eterna.

No quarto dia, quando o sol alcançou o seu ápice nos céus e seus corpos cediam enfim à fadiga, a situação mudaria. Sem aviso prévio, o careca tocou o sino uma última vez. Quando Ethan percebeu o som já era tarde demais, seu oponente tinha dado seu primeiro passo. Tão rápido quanto os olhos podiam acompanhar, ele estava agora ao lado do genin, que por sua vez, ainda mantinha os olhos fechados. “Que bom que você não foi em direção à porta”, o sujeito sussurrou no ouvido de Ethan. Com a mão direita repousando no ombro do garoto, anunciando sua despedida, desencadearia uma reação mística no corpo do menor. Um aperto no peito, foi o que sentiu. Em seguida, parecia que seus pulmões estavam sendo preenchidos por um líquido. Ethan abriria os olhos, eufórico, porém, não conseguia enxergar. A respiração cessou e, sem mais nem menos, uma sensação de alívio se espalhou pelo seu corpo, sentindo um arrepio. Por fim, caía de ombros no gramado, mas não antes de memorizar aquela sensação.

Depois de 12 horas, Ethan, desperto, não conseguiria ver mais ninguém ali. Sozinho e confuso, colocava os pensamentos em ordem, tentava se lembrar dos dias anteriores. Olhando para o lado, vislumbrou um último presente: uma tigela de arroz e um pouco de saquê. Sem pensar duas vezes, devorou a o arroz e deu apenas um gole na bebida. Após isso, não restava mais nada, apenas um vazio. No fim, Ethan pôde encontrar a paz que buscava.

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