"Dá uma limpadinha aqui, valeu?", disse Yama ao taverneiro. No entanto, as palavras não encontraram resposta. Alguns mercenários haviam arrancado a maior parte da língua do taverneiro bem antes de Yama começar a frequentar o lugar, mas a mensagem transmitida pelo olhar era clara. A conclusão do trabalho daquela noite valeria o pequeno desconforto dos olhares voltados para si.
De volta à sua posição original na cadeira de madeira tosca, Yama arqueou os cotovelos com o queixo sobre as mãos, seus olhos fixos na porta de entrada da taverna de Vilarruna. O local, apesar de limpo, era impregnado por um sentimento de culpa. A taverna servia de abrigo para uma infinidade de ladrões, trapaceiros e decisões duvidosas. As pessoas vinham até ali em busca de uma maneira de escapar do País do Relâmpago pelo mar, uma forma de fugir de Kumogakure. Afinal, invadir o Vilarejo da Nuvem era uma tarefa difícil, mas escapar podia ser igualmente desafiador.
A quilômetros dali, Porto Branco era um lugar quase deserto em uma vila costeira escondida, protegida pelas características geográficas do País do Relâmpago. Ao contrário de Vilarruna, Porto Branco evitava forasteiros e aqueles à margem da lei. Sempre que seu nome aparecia nos relatórios, era em relatos de problemas causados por foragidos, foras da lei que frequentemente agiam de forma mais imprudente do que lhes seria sensato.
A maioria chegava pelo mar, em busca de oportunidades honestas, descobertas ou simplesmente um novo começo, apenas para ver seus sonhos despedaçarem num piscar de olhos. Inicialmente, a costa parecia um convite, mas ela logo era engolida por um denso nevoeiro cobalto, que lançava descargas elétricas a cada tempestade. Com isso, descobriam porque chamava-se o País do Relâmpago. O mar subia e caía em ondas avassaladoras. Enquanto os sobreviventes se agarravam ao que restava de suas embarcações, o nevoeiro cedia brevemente, revelando os cintilantes lampiões de Porto Branco antes que a água os puxasse impiedosamente para o fundo da Baía dos Naufrágios.
Mas naquele dia, não havia nada que Yama pudesse fazer pelos comerciantes honestos ou pelos viajantes desavisados. Afinal, aqueles que buscava não mais eram seus conterrâneos, e a única responsabilidade que tinha sobre eles era de encontrá-los e encerrar suas carreiras.
Com seu pequeno arsenal pessoal ajustado firmemente em sua coxa, Yama mantinha a calma. No entanto, preferiria estar em uma posição diferente, com uma vista privilegiada para a porta, onde poderia lançar três kunais em três corações, reduzindo o espaço para reações. Três execuções rápidas e sem hesitação, embora a tática a ser empregada dependesse das circunstâncias imediatas.
No momento certo, Yama olhou para cima quando o homem entrou pela porta da frente, acompanhado por três guardas de trajes discretos. O número era cinco, não três, uma discrepância que Yama não esperava.
A reação foi instantânea. Com sua hitai-ate bem visível, os recém-chegados congelaram no batente da porta, sem sequer se virar para observá-lo. No entanto, era evidente que eles haviam notado sua presença.
O taverneiro riu. Mesmo sem língua, ele ainda conseguia expressar seu humor. A risada, embora peculiar, era genuína e ruidosa. Ele balançou a cabeça mais uma vez e, com uma série de gestos de mão e cabeça, indicou para o grupo e para Yama resolverem a situação lá fora, após terem deixado o estabelecimento.
Enquanto isso, o burburinho na taverna cedeu lugar a um silêncio carregado de tensão na direção oposta. Yama já não se importava com o derramamento de sangue, contanto que não fosse o seu.
Todos os homens do grupo que adentrara a taverna costumavam ser dos seus. De baixa patente, assim como Yama, eram ávidos frequentadores o pub conhecido como The Garrison tão logo este último fora inaugurado sob a liderança do então eleito Torū Yamamoto. No entanto, eles tinham sido responsáveis pela venda de informações a respeito do próprio vilarejo para o grupo de conspiradores que surgira após a destituição do líder anterior, passando a fazer parte dos Filhos da Nuvem. Agora, eles e a organização representavam um problema interno. Era compreensível que as notícias de que eles estariam lá naquela noite, tentando fugir do país, chegassem ao vilarejo, e que Yama tivesse sido designado para eliminá-los.
E dali eles não escapariam. Yama desejava que eles sentissem o gosto do sal no ar e o sabor do ferro em seu próprio sangue. Queria que eles experimentassem uma sensação de alívio momentâneo antes de seu fim. Além disso, desejava que os outros testemunhassem o pagamento por seus crimes, entendessem que ninguém poderia escapar das consequências de suas ações. Principalmente depois de todo o sofrimento causado a Kumogakure.
Yama se levantou, aproximando-se silenciosamente. Com as mãos trêmulas, um dos homens colocou a mão destra no bolso interno do colete procurando alguma coisa, enquanto seus companheiros adotavam uma postura defensiva ao perceberem sua movimentação.
"O que você quer, garoto?", questionou um deles, com um colete de couro esburacado e manchado pelo salitre, cobrindo-o.
"Ele", disse Yama, apontando com uma kunai. "E depois ele, e ele, ele. E por último, você"
Os homens sacaram suas armas, porém, antes de conseguirem dar um passo em direção a Yama, foram envoltos por uma densa nuvem de fumaça ofuscante. As kunais começaram a voar, atingindo os alvos de carne e osso, como indicava o som de dunk ao tocarem o chão.
Um. Dois. Três.
Sons de passos ecoaram.
Yama lançou mais duas kunais na direção dos passos. Um som metálico ressoou, a melodia do aço ricocheteando.
Quatro.
Mais passos.
Queria vê-los sangrar em sua retribuição, e sua fúria vingativa aumentou ao que uma única shuriken se prendeu ao seu quadril. Da coxa, arremessou outra shuriken, lançando-a para o outro lado do salão, na direção dos passos.
Ele atravessou a fumaça e avistou o último guarda caído ao lado da porta. Três dentes da shuriken estavam fincados firmemente em sua traqueia. Yama pôde perceber o arquejar sutil de seu peito. Ele o agarrou pelo colarinho e o ergueu, apenas para confirmar. Não era um exímio conhecedor da anatomia humana, mas sabia o suficientemente bem que acertar uma shuriken naquele ponto faria com que um homem morresse engasgado com o próprio sangue.
"Quase...", sussurrou. Yama nunca tinha se considerado um exímio combatente no manejo do aço, mas dessa vez a luta tinha sido mais acessível. Os oponentes eram todos da mesma patente que Yama, apesar de possuírem cinco ou seis anos a mais de experiência. Ele tinha a esperança de estar se destacando, galgando o último degrau antes da promoção. Com muito esforço, Yama havia localizado cinco alvos próximos, eliminando todos de uma vez só.
Um ruído borbulhante emergiu atrás de Yama. Ele se virou e avistou o taverneiro através da fumaça que se dissipou, sangrando no chão. Seus olhos estavam abertos, movendo-se repetidamente de um lado para o outro na taverna, buscando respostas sobre o que acabara de ocorrer. Sem a língua, seria difícil para ele expressar suas últimas palavras, uma tragédia.
Da pequena cozinha atrás dos balcões, uma mulher saiu apressadamente, demonstrando seu desespero. Ao perceber que não havia esperança para o homem, revelou-se ser sua companheira. Mesmo nessa circunstância, ela optou por não expulsar o gennin do local antes de auxiliá-lo a cuidar do ferimento em seu quadril. Fervendo um pouco de cerveja, cobriu a ferida perfurada com um pano quente e derramou o líquido sobre o tecido empapado de sangue.
Antes de partir, ele recebeu dela mais cerveja para limpar o ferimento e uma garrafa de vinho para entorpecer seus sentidos. Uma faixa recém-atada e limpa foi aplicada em seu quadril, de forma a conter o sangramento até que o gennin chegasse ao vilarejo, onde encontraria cuidados médicos. Ele também tinha a responsabilidade de levar um relatório das eliminações, descrevendo o local onde tinha executado os criminosos fugitivos.
Somente durante o caminho de volta, Yama teve tempo para refletir sobre o taverneiro que havia falecido durante o acerto de contas. Ele não esperava ter que abandonar um ferido, muito menos um morto. Mas eram os ossos do ofício, parecia-lhe. Da mesma forma, seu líder não deveria ter previsto o levante de um grupo de seguidores do homem que usara o manto antes dele. Talvez tivesse sido possível antecipar as ações dos radicais, mas não podia se deixar envolver por pensamentos assim, pois corria o risco de reviver o passado, os eventos que ainda o atormentavam...
Desde sua primeira missão, Yama compreendeu que não havia espaço para um coração excessivamente grande, estes davam alvos maiores, e se ele fosse ferido como o taverneiro, fatalmente atingido pela lâmina de um dos fugitivos, não seria capaz de evitar que o mal alcançasse outras famílias. Desde que ganhou seu protetor de testa, ele estabeleceu como prioridade proteger os moradores do vilarejo contra as ameaças do mundo exterior. Contudo, não esperava ter que defendê-los de inimigos ocultos entre seus próprios conterrâneos. Essa situação tornava as coisas ainda mais complicadas, mas ele estava determinado a servir Kumogakure da melhor forma possível, eliminando todos aqueles que se colocassem contra a vila.
PARTE DOIS
Infelizmente, o lugar revelou-se desprovido de boa comida, mas não podia dizer o mesmo da bebida servida. Beliscava um pouco das tiras de porco que lhe serviram. Depois de uma boa dúzia de mordidas, percebeu que era pernil guarnecido com cravo, mel e cerejas secas. Não era exatamente o que Yama tinha em mente antes, mas teria de servir. Naqueles tempos, era necessário aceitar o que viesse. Não sabia o que viria para a sobremesa.
A mulher ao seu lado saboreava a cada vez que levava uma das mãos à boca, mas o mesmo não se podia dizer do companheiro de rosto redondo, que se manteve a bebericar da caneca de chopp a noite toda. Bebeu muito e não parou de lançar olhares de soslaio a Yama. Ele se perguntava se ele saberia que estava se encontrando com a mulher ou se tinha percebido as apalpadelas dela entre as suas coxas a noite toda.
“Uma grande pena o que aconteceu com Kusaribe-
chan,” Yamamoto disse por fim. “Contudo, atrevo-me a dizer que nenhum de nós sentirá sua falta.” Fazia uma pausa entre uma garfada e outra para voltar a falar. “Não, penso que não. Ela tinha a boca tão grande quanto o rabo, e era enorme. Não tenho dúvidas de que muitos foram apanhados graças à participação dela.”
Havia semanas desde que Yama estava infiltrado entre as fileiras de uma célula dos Filhos da Nuvem, e a organização vinha ganhando força. Mesmo na aldeia, onde havia segurança e estabilidade, não estava certo de que todos estavam a salvo quando o ocaso caía. Quando conheceu Evangeline Yamamoto, estava em um dos esconderijos espalhados pelos arredores de Kumogakure, onde os radicais se encontravam para compartilhar os ideais conspiratórios de seus simpatizantes. Bebia um copo de uísque, forte demais para ele. Ao não conseguir controlar as lembranças da família, caiu na bebida, mesmo tão jovem, para afastar os pensamentos... Ali, não importava a idade. Desde então, ele e Yamamoto vinham se encontrando com frequência, mas era ela quem mais falava. Algumas vezes, ele detivera-se contra os impulsos de possuí-la. Ela, por outro lado, parecia querer instigá-lo cada vez mais. Apenas naquela noite, Yama foi saber que ela tinha um companheiro.
Compartilhavam uma mesa para cinco no estabelecimento chamado "O Condor", um restaurante onde apenas alguns homens e mulheres eram bem-vindos, conforme informou Yamamoto. Um lugar reservado a homens e mulheres simpatizantes da causa d’Os Filhos da Nuvem, principalmente os interessados em financiar a causa dos insurgentes. Sem um passado de serviço à aldeia, era difícil dizer se Yama era um infiltrado ou um daqueles que se revoltaram contra a antiga liderança da aldeia. Assim, decidiram que ele devia se passar por um d’Os Filhos e descobrir o que pudesse, sem se envolver mais do que o necessário com a organização.
Durante a noite, conversaram sobre muitos assuntos, e Yamamoto parecia ser três vezes mais homem do que o companheiro, e muito mais divertida. No entanto, também era muito mais radical e parecia ter um ressentimento contra Kumogakure.
“Não tenho dúvidas de que será mais capaz do que Kusaribe-
chan, Yama-
kun... Consentirá em servir?”
“Eu... Sim, claro. Seria uma grande honra. Vai ser uma grande honra ajudar a dar continuidade ao nosso movimento nos tempos... difíceis que se aproximam.”
Quando viu que o outro homem reagiu ao que ela tinha falado antes, uma gota de suor escorreu pelo seu rosto e uma pontada de nervosismo o atingiu bem no estômago. Toda aquela bebida parecia ter destituído seus reflexos. Yamamoto virou-se novamente para o gennin.
“Seria uma honra maior do que você merece. Mas ainda quero recompensá-lo por todas as canções que cantou para nós nas últimas semanas. Agora, me diga. Não tem outro nome?”
Um torpor invadiu seu rosto, mas ele se manteve firme em esconder o nervosismo como pôde.
“Não... Meu único nome é Yama, desde garoto.”
“É fácil compreender por que foi fácil que eu caísse nas suas graças, no começo. Um pouco mais difícil de entender porque o enviaram para se esgueirar entre nós, usando seu próprio nome.” Sob a cortesia de Evangeline Yamamoto, havia uma tênue sugestão de desconforto. Por um momento, Yama não sabia se compreendia. Quando teve certeza, seus olhos se arregalaram. Depois, uma escuridão invadiu seus sentidos.
Assim, ele foi arrastado para uma espécie de masmorra improvisada. Celas negras, úmidas e malcheirosas por onde nenhuma luz senão a dos archotes que pendiam das paredes cobertas por sujeira e arranhões de outros que tinham passado por lá. O Condor estava cheio, mas ninguém fez nada para impedi-los; pelo contrário, pareciam encarar aquilo com naturalidade.
Quando recobrou os sentidos, ainda não tinha recobrado a consciência. Sentiu o sangue escorrer através dos seus lábios rasgados.
“Mãe, misericórdia…”
“Eu não sou sua mãe” disse-lhe Evangeline.
Pouco a pouco, foi conseguindo perceber onde estava, mas mesmo assim, tudo que obtiveram dele foi a provocação que o silêncio oferecia, sem orações nem mais súplicas por misericórdia. Não demorou muito a escorrer-lhe sangue peito abaixo, vindo dos ferimentos na boca, e ele molhou seus calções cinza-escuros três vezes, mesmo assim o homem persistiu em seu silêncio ruidoso.
“Será possível que tenhamos alguém que nada sabe?” perguntou Evangeline.
“Tudo é possível… Mas não tenha medo. O garoto confessará logo, se houver alguma coisa.“
O homem usava lã grosseira e um avental de couro de ferreiro.
“Lamento se fomos com você. Às vezes os bons modos nos escapam pelos dedos.” dizia, dirigindo-se a Yama, com a voz bondosa, solícita. “Tudo que queremos de você é a verdade.” Correntes de ferro prendiam-no solidamente à fria parede de pedra. Seu captor carregava na mão uma navalha, cujo gume cintilava tenuemente à luz do archote. Cortou as roupas do gennin, até deixar o garoto nu, exceto por suas sandálias. A mulher achou divertido ver que os pelos entre suas pernas eram densos e emaranhados.
Evangeline percorreu com uma mão o peito do prisioneiro, enquanto o homem com a navalha apenas observava.
“Eu queria seus mamilos em minha boca durante nossos jogos de amor.” colocou um deles entre o polegar e o indicador e torceu. “Mas não chegamos a tê-los, infelizmente… Há homens que gostam disso.” E em seguida a navalha cintilou. Desta vez o garoto não conseguiu conter os gritos de dor e aflição. Em seu peito, um olho vermelho chorou sangue.
No final, a tortura durou mais dias do que ele seria capaz de lembrar. Perdendo a consciência entre um interrogatório e outro. Ao término de cada novo encontro, o homem jogava a navalha em um balde com vinagre e limpava os ferimentos, aliviando as dores. "Limpe-o, não queremos que ele morra cedo demais”, ordenava a mulher. Contudo, Yama não revelou nada a respeito dele ou qualquer informação sobre o vilarejo; no entanto, as memórias do passado se intensificavam a cada noite.
O pai era um homem inteligente, habilidoso em manejar uma lâmina, e a mãe era uma mulher tão dedicada a cuidar da família que morreu durante a missão que foi a mais difícil de toda sua vida em serviço militar: o parto do terceiro filho. Yama e o irmão foram criados nesse ambiente, mas ainda na infância, descobriu que tinha mais aptidão para o fogo ou confundir os colegas em seus treinamentos na academia do que para empunhar uma faca ou correr longas distâncias sem cansar. Enquanto isso, o irmão se destacava em todas as áreas do combate e em nenhuma ao mesmo tempo, sendo um bom aluno em tudo, embora sem nenhum talento excepcional. Algumas vezes, Yama o invejava, pensando que era melhor ser razoavelmente habilidoso em tudo do que ter um talento especial para ninjutsu ou genjutsu e ser um péssimo lutador a curtas distâncias... Talvez, se fosse tão inteligente quanto o pai, não teria caído naquela tosca armadilha. Quem sabe se tivesse percebido algum aroma estranho no copo, não teria bebido com seus captores. Se ele fosse como o irmão, tivesse conseguido fugir antes de perder os sentidos, ou se fosse o outro em seu lugar, não tivesse se deixado capturar.
Não, não posso pensar nisso.Na última noite, lembrou-se de quando, ao completar dez anos, fugira para além dos limites do vilarejo para explorar as montanhas como sempre faziam. Durante um minuto de desatenção, o irmão desapareceu sem deixar qualquer vestígio, e nunca mais o viu. Lembrou-se de que era por ele, e pela memória dos pais, que resistiria a tudo e superaria qualquer adversidade, passando por todas as frustrações, como o taverneiro, cuja morte não pôde evitar, para defender o vilarejo de qualquer perigo ou ameaça, mesmo que se apresentassem como Filhos da Nuvem. Eles não eram mais filhos de Kumogakure do que ele próprio.
Esses foram seus últimos pensamentos. O sangue escorria dos dedos dos pés presos nas sandálias. Depois de quase uma semana, ele não aguentaria nem mais um dia naquelas condições, sem se alimentar ou beber água, perdendo tanto sangue. "Eu não gostaria de ver esse rosto jovem e bonito machucado, se não fosse estritamente necessário... Quem sabe ele tenha mais apego à própria aparência do que a essa lealdade sem sentido a Kumogakure, que nada faz para resgatá-lo," ouviu a voz feminina dizer. Depois, desmaiou pela última vez.
Isso é um pesadelo horrível, pensou. Mas, se estivesse sonhando, por que doía tanto?
Sentia o fino lençol que cobria seu dorso tão pesado quanto uma armadura. Não compreendia quem o levara até ali ou por quê. Tentou perguntar às sombras, mas elas não responderam. Talvez não o ouvissem. Talvez não fossem reais. Sob tecido fino, tinha a pele corada e febril. Perguntou a si mesmo se tudo aquilo seria apenas um delírio provocado pela febre. Mas não tinha forças para escapar da cama onde estava, conectado a bolsas de soro e medicação constantes. Uma vez, levantou o pano que cobria a nudez do seu tronco e viu incontáveis marcas, cicatrizes das torturas desempenhadas nos dias que passara na cela da Evangeline e seu companheiro na posse de uma navalha. Desmaiou.
Quando acordou novamente, estava mais lúcido. Conseguia compreender o que lhe cercava, em um quarto de hospital onde as paredes ostentavam o símbolo do seu vilarejo. Suspirou brevemente, aliviado por entender que voltara a segurança do lar, vivo. Seu desejo ardia dentro dele, e também a febre. Parecia estar naquelas condições há mais do que podia imaginar, a julgar pela fraqueza de suas pernas e braços. Não se lembrava quando tinha sido capaz de erguer o membro para tirar a água dos joelhos ele mesmo. No corredor via um trânsito constante de pessoas, homens e mulheres vestidos de branco, que vez ou outra iam visitá-lo e ajudá-lo a se limpar ou evacuar, além de ajustarem suas medicações constantemente. Pouco a pouco, percebeu que a consciência já não o abandonava mais. Estão abrandando a dose dos analgésicos, pensou. Era verdade.
O dia deu lugar a noite e assim sucessivamente uma dúzia de vezes, mas não conseguia nenhuma resposta das enfermeiras ou médicos que iam tratá-lo, não importava como decidisse abordá-los.
“Bom dia, Yama-chan. Esperamos que esteja se recuperando bem, fizemos o nosso máximo para resgatá-lo o quanto antes… E para ajudá-lo a cicatrizar as feridas que infligiram a você durante os dias em que esteve preso.”
“Esperamos?! Quem espera, além de você? Quem é você e como fui resgatado, mulher?”
“Sim… Eu ia me apresentar em seguida. Me chamo Kobeni, Higashiyama Kobeni, se lhe aprouver. Eu trabalho a serviço do vilarejo, cuidando para que os feridos e capturados possam receber o melhor tratamento possível.”
“Ah, sim. Para saber se não ficaram loucos, ou pior.”
Rindo, ela levou uma das mãos à cabeça antes de continuar.
“Si-sim, bem, não só isso… Temos burocracias intermináveis para lidar.”, respondeu, rindo antes de assumir uma postura mais sóbria e uma expressão sinistra. “E também há vezes em que precisamos eliminar alguns dos nossos melhores camaradas, pensando em evitar problemas futuros. A propósito, estivemos vasculhando sua mente durante o tempo em que esteve desacordado, buscando informações sigilosas que você possa ter deixado escapar enquanto era torturado, ou mesmo por indícios de que será um problema para nós, como Os Filhos da Nuvem vêm sendo. A etapa final, na qual eu darei meu aval, será em breve. Hoje você deverá receber alta e receber permissão para voltar para casa, e logo será chamado para depor.” Virando-se em direção a porta, Kobeni caminhou sem dar abertura para que Yama continuasse a conversa. “Esteja preparado para quando eu o fizer, senhor ", finalizou olhando-o de soslaio.
Depois de ser liberado do hospital, ele não tinha nada com que se preocupar em levar de volta ao pequeno apartamento no centro do vilarejo. Era noite e fazia frio, mas ele não conseguia dizer quanto tempo havia desde que tinha atravessado aquelas ruas pela última vez, mas não pensava que aquilo importava de verdade. Ele já não tinha ninguém por quem voltar, apenas por quem lutar, fosse ali ou em qualquer outro lugar.
Ao chegar diante da porta de entrada, ele se deteve procurando as chaves, mas não as encontrou em nenhum lugar. Por sorte, costumava deixar um par de chaves reservas escondidas atrás de um vaso que decorava o hall de entrada do apartamento. Abriu a porta, girando a fechadura por fora, apenas para encontrar Kobeni sentada na sala.
“Você é muito ousada, não acha? Disse que eu teria tempo para me preparar.”
“Sim", disse. Mas não disse que seria muito.”
Yama suspirou profundamente, voltando para fechar a porta. Imediatamente, abriu as janelas e voltou a se posicionar diante de Kobeni para ter com ela o que quer que tivesse a levado até ali.
“Não podia esperar até que eu…”
“Não, a situação é… delicada. Estamos lidando com um grande contingente de ataques internos e externos, vindos destes Filhos da Nuvem… O quanto você sabe sobre eles?”
“Tudo que eu já relatei de bom grado aos meus superiores nas missões anteriores.”
“Eu sou sua superior. Agora repasse todas as informações novamente, desde o começo.”
“Você revirou minha mente, se for como diz é certo de que já sabe tudo que eu sei.”
“Não importa o que acha, eu dei uma ordem. Não me recuse, ou sofrerá as consequências. Tem mais duas chances para responder às minhas perguntas.”
“É um grupo de conspiradores, insurgentes que se rebelaram depois que a liderança do vilarejo foi passada a Toru. Nenhum deles parece saber ao certo se o antigo líder da Nuvem ainda está vivo, e se ele controla a organização. A maioria parece apenas rebeldes, anarquistas… E há muitos homens e mulheres que não são hábeis no combate, segundo pude averiguar. Matei cinco membros d’Os Filhos há cerca de dois anos, e não fui vítima de nenhuma técnica muito elaborada ou mesmo ferido por qualquer habilidade especial, apenas uma lâmina muito… afiada”, terminou, alisando onde estivera o mamilo direito sobre o tecido da camisa.
“Uma lâmina muito… afiada. Sim, certo. Suas lembranças não o traem, é verdade. Segundo pudemos ver, tem alguns eventos no seu passado que o incomodam. Assombram-no, talvez.”
“Sim, está certa. E?”
“E que é necessário um grande domínio, uma capacidade de resiliência mental muito grande para domar os próprios fantasmas e fazê-los trabalhar a nosso próprio favor, Yama-
kun. E parece-nos que você tem a habilidade necessária para isto. Você passou por uma tortura bastante desgastante, como muitos dos nossos já passaram, é verdade. Também é verdade que a maioria passou por situações muito piores. Mas você não parece ter sofrido nenhuma avaria, nenhuma marca que indicasse o sofrimento psíquico. Isto é de uma frieza impressionante. O que acha?”
“Penso que deve ser verdade, mas não estou certo de que você deseja mesmo saber o que eu penso a este respeito. Diga-me, Kobeni-sama, o que pretende vindo aqui, com este teatro? Não parece que ainda esteja pensando a respeito da sua decisão em recomendar meu… afastamento permanente.”
Ela riu.
“É verdade, eu já tomei minha decisão. Mas não pense que foi sem o amparo de uma equipe. E posso lhe dizer que todos ficamos muito impressionados com a sua capacidade de voltar atrás e se agarrar aos fantasmas do seu passado para resistir às condições desfavoráveis em que esteve. A plasticidade do seu aparelho psíquico parece ter encontrado grande força nisso, e os traumas atenuaram-se. Intriga-me, Yama-kun.”
“Não sei como responder a isto.”
“Não responda, não será necessário. Permitirei que volte aos seus serviços pelo vilarejo, desde que continue a passar por avaliações rigorosas do nosso corpo médico, que irá investigar as condições mentais e a sua capacidade de julgamento. Se houver qualquer sinal de que está sendo manipulado por algum terrorista ou de que tem intenções hostis ao vilarejo, você será eliminado e sua existência será apagada, como se nunca tivesse vivido em Kumogakure. Suas lembranças serão destruídas para sempre, não apenas da sua memória, mas também dos registros, e sua família será esquecida até o fim dos tempos. Se continuar a prestar serviços tão valorosos como tem feito ainda numa patente tão pífia… Venha ter comigo assim que alcançar o posto de chunnin. Estou certa de que não demorará em conquistá-la. Vou garantir que haverá espaço para alguém como você em nosso departamento de investigações. Mas não se engane, você não será confiado a nenhuma missão que envolva grandes riscos por um longo período de tempo, até que estejamos certos de que não permitirá que Os Filhos da Nuvem ou quaisquer outros inimigos do nosso vilarejo o capturem com vida. Está entendido?”
“Sim, Kobeni-sama.”
“Espero ter notícias de sucesso do seu treinamento logo, estou ansiosa para trabalhar ao seu lado. Intriga-me, Yama-kun. Agora, esta casa fede a bolor e a comida azeda, limpe-a. É uma ordem. Por hora, está dispensado. Vamos.”
Ao pronunciar sua última palavra, uma dúzia de sombras parecia tomar vida ao redor de Yama, nem um segundo antes ou depois da sua ordem. O lugar estava fortemente guarnecido, e Kobeni estava coberta por todos os lados, caso o uso da força fosse necessário, afinal.
Yama começou a limpar a casa pela cozinha, limpando as dispensas dos alimentos fora do prazo de validade.
Filler desenvolvido com o propósito de preencher parte do espaço de 5 anos de timeskip, de acordo com as regras
neste tópico.
4514 palavras, sendo:
5 missões [RANK C] — 1500/1500 (5 x 300) palavras;
Qualidade: Domínio Psicológico (02) — 1000/1000 palavras;
Defeito: Depressivo (02) — 1000/1000 palavras;
Defeito: Luto (01) — 800/800 palavras;
Aquisição da característica física: cicatrizes de cortes por todo o tronco.