De um lobo orgulhoso e astuto, para um fujão covarde. —— Maldito. —— Resmunguei, vendo-o se afastar pela mata fechada. Meus olhos se voltaram a sua origem, retornando a pigmentação prateada como a lua, enquanto os membros extras se esvaiam em pleno ar, evaporando-se em uma névoa sangrenta, até não restar mais nada. Segui o lobo mais lentamente do que meu limite permitia, pois senti que se continuasse a me exceder, ficaria cansada demais para prosseguir.

Abria caminho pela floresta cerrada com minhas mãos nuas, empurrando as vegetações rasteiras para conseguir ter um vislumbre do caminho em que seguia, tomando todo cuidado para não pisar em nada que não devia, ou colidir com algo. Pelo caminho, notei as pegadas do grande cão, seguindo-as até uma clareira. Lá, fui recebida pelo mesmo lobo que me trouxe até ali, que me aguardava com uma expressão diferente. Já não me via mais como inferior, mas quase como uma igual. De sua boca, expeliu um pergaminho, ao qual requisitou que fosse assinado. Não o questionei, apenas o fiz, colocando meu nome tal como me ensinaram, lentamente e com a grafia exagerada.

Assinei meu nome, assim como me ensinaram, abaixo de outros nomes aos quais nunca havia ouvido falar. Segundo a fera, eram os nomes dos mortos, aos quais provavelmente não obtiveram sucesso no teste que me aguardava. —— Sete dias? Não posso ficar por aqui tanto... —— Antes que tivesse tempo para reclamar, os lobos haviam desaparecido, deixando-me totalmente sozinha naquela floresta, porém, livre para tomar meu rumo.

Meu primeiro desafio, provavelmente foi escolher entre direita ou esquerda, já que o resultado poderia influenciar minha sobrevivência. Retirei uma pequena rocha do solo, marcando-a com um símbolo distinto em cada um dos lados. Atirei-a para o céu, deixando com que caísse no solo, com uma das faces para cima. O símbolo correspondia à direita, então pela direita, seguiria.

Enfrentei a mata como das outras vezes, pensando em quão bom seria se houvesse simplesmente uma cidade em meio a todo aquele mato. Um lugar onde os seres humanos pudessem vir para relaxar, próximo de tanta vegetação, seria provavelmente algo harmonioso. Mas para que esse sonho se tornasse realidade, precisaria, primeiro, sobreviver. Andei por algumas horas, até o sol começar a se por e o céu se tornar alaranjado, sem encontrar nada distinto de mato e folhas, então decidi parar após encontrar uma árvore grande, com uma espécie de cúpula quase fechada, que possivelmente serviria de quarto para passar a noite.

Havia lido alguns manuais de sobrevivência, da coleção de Freyja, ser uma garota curiosa para o mundo literário teria suas vantagens agora. Colhi um amontoado de galhos e folhas secas, juntando-os em um pequeno monte ao lado da árvore. Enchi o tronco que passaria a noite com algumas folhas as quais serviriam para me manter aquecida, juntamente com alguma palha e pelos dos lobos que encontrei pela mata. Esses desgraçados soltam pelo de verdade, me impressiona não serem carecas no momento.

Meu protótipo de quarto estava pronto, serviria para passar a noite longe de animais selvagens, então coloquei as mãos sobre os galhos e folhas próximos, criando uma pequena faísca que serviria para incendiá-los, criando uma fogueira. Espreitaria pelos arredores até que o sono chegasse, pondo mais alguma madeira na fogueira, para que durasse até o amanhecer e me pondo a dormir, esperando que não tardasse para ver Freyja novamente.

Estava deitada, meus olhos cerrados se acomodaram com a escuridão, permitindo que fosse capaz de enxergar algumas coisas com a pouca luz que as brasas do que já foi uma fogueira criava. Olhei em volta uma última vez antes de voltar a dormir, estava com um pressentimento incomum e estranho.

Sentia um calor inexplicável, diferente de tudo que senti até agora. Um calor que não esquentava meu corpo, mas minha energia vital, como se fosse chakra. Abri meus olhos levemente, deixando-os semicerrados, até que o sono prevaleceu e eles se fecharam novamente, enquanto eu perdia a batalha contra as táticas de Morphéus.

Na manhã seguinte, me levantei cuidadosamente, analisando os arredores a procura de algo suspeito, já que o canto dos pássaros não podia mais ser ouvido e as folhas sequer se moviam também. Algo estranho havia acontecido enquanto dormia, provavelmente. Me virei para a clareira, pensando se deveria retornar, mas decidi que seria melhor continuar em movimento, talvez encontrasse algo que compensasse todo aquele tormento.

Caminhava como se estivesse andando em círculos, diversas e diversas vezes, sem saber para onde ir ou de onde vim. As marcas no chão indicavam que alguém havia passado por ali, mas esse alguém poderia muito bem ter sido eu mesma. Decidi dar um voto de confiança, entretanto, acreditar que talvez, em algum lugar daquela mata, encontraria um ser vivo assim como eu, um humano, por assim se dizer.

Continuei caminhando até ter certeza de que não estava mais fazendo o mesmo trajeto, destroços e árvores arrancadas e deitadas me diziam que aquele local não havia sido explorado ainda. Provavelmente não seria uma boa ideia ir tão descuidada para um terreno assim, então reforcei minha atenção enquanto andava pelos arredores, já que o que quer que aconteceu ali, poderia acontecer novamente comigo, desta vez.

Segui os escombros, circulando a procura de mais traços incomuns, como as pegadas de antes. O breve descanso me levou a perceber que as pegadas eram grandes demais para pertencerem a mim, então havia outro humano ali na floresta, talvez fosse bom encontrá-lo.

Explorei por algum tempo, encontrando uma fogueira. O fogo aceso, significava que alguém esteve ali a pouco tempo, então não deveria estar longe. Segui o caminho que me levaria até a montanha, mas decidi tomar um rumo diferente e não escalá-la, já que a última montanha a qual escalei terminou em tragédia. Cheguei até um campo aberto, com algumas árvores altas e repletas de frutos coloridos. Me senti bem por um segundo, talvez estivesse perto de encontrar meu caminho até casa.

Mas ao olhar o local com mais cuidado, um corpo pôde ser notado. Ele jazia na grama, com sua face virada para o solo, como se estivesse morto. A curiosidade falou mais alto, então me aproximei do sujeito, parando a cinco metros dele, já que não tinha certeza de nada a seu respeito. —— Olá, tudo bem? —— Indaguei, pronta para qualquer coisa.

O homem estava vivo, ou ao menos, por enquanto. Exigiu água e comida, já que aparentemente ele não foi capaz de ver a incrível quantidade de frutas na região. —— Tudo bem, aguarde um pouco. —— Pedi-lhe, enquanto me preparava para realizar uma boa ação.

Fui até uma das árvores, uma macieira. Frutos suculentos e repletos de água, as maçãs. Provavelmente ele se sentiria melhor com alguns destes frutos. Escalei a árvore com a técnica básica que aprendi pouco após nascer, acumulando chakra nos pés e retirei cerca de dez maçãs. Segurei todos os frutos em meus braços, levando-os até o homem. —— Pronto, pode comer. —— Esperaria que ele pudesse me dar algumas informações, mas ele precisaria estar vivo para isso.

Minhas boas intenções não serviram de nada, minha ingenuidade teria sido minha ruína, caso meus reflexos não fossem tão bons. Desviar da lâmina foi fácil, meu corpo apenas se jogou para trás, enquanto o inimigo, frustrado, recuou também.

Seu corpo começou a se comportar de maneira antinatural, se modificando parcialmente. Sua pele se tornou mais escura e marcas estranhas surgiram por seu corpo. Nunca havia visto isso, mas ele pediu por uma luta e iria tê-la. Meus olhos pulsaram, enquanto a liberação de minha kagune tinha início. —— Se você deseja a morte, darei-a para você. —— O provoquei, percebendo que ele já estava um tanto alterado. Criei apenas dois tentáculos, já que provavelmente não precisaria mais do que isso.

A distância entre nós era de trinta metros, não seria difícil atingi-lo, mas eu tinha um plano para tornar isso ainda mais fácil. Comecei a correr em sua direção, agarrando uma das maçãs que ele recusou a comer, atirando contra ele para focar sua atenção. Com um selo, criei duas duplicatas, estas sem kagune, serviriam apenas para distraí-lo também. Os clones iriam até o inimigo, buscando acertá-lo com golpes físicos aleatórios, mas o verdadeiro ataque viria por detrás deles, a kagune visaria perfurar o homem no abdomen, atravessando os clones para um ataque surpresa.

Meus ataques foram inúteis, visto que o homem desviou deles facilmente, se aproximando tão rápido que sequer fui capaz de vê-lo, antes que meu abdômen fosse aberto com o fio de sua espada. O sangue jorrou para todo lado, enquanto a dor escruciante tomou conta do meu ser.

Pensei em um segundo que morreria ali, longe de casa, longe de Freyja e longe da verdadeira paz. O frio tomou conta de meu corpo, enquanto a vontade de continuar se esvaía, mas então, me lembrei que não me perdoaria caso me deixasse vencer, deveria voltar para casa a todo custo. O homem de cabelos negros se manifestou novamente, pondo sua mão sobre meu ombro. —— Pronta para me aceitar? —— Irônico, como de costume, me fazia uma pergunta ao qual já sabia a resposta. —— Está na hora de aceitar esse monstro dentro de mim. —— Reclamei, me preparando para agir.

Para a sombra de meu adversário, parti, sumindo como se a penumbra me engolisse por completo. Esperei que a regeneração de meu corpo terminasse, para poder contra-atacar. —— Vamos ver se consegue desviar de sua própria sombra! —— Gritei, provocando-o ainda mais. Com a formação dos selos, apontei para meu inimigo, ainda na segurança de sua sombra, disparando-lhe um raio de baixo para cima.

O homem teve seu fim, ou acreditei que havia sido o que ocorreu, de fato. No momento em que deixou de se mover e seu corpo tombou contra o solo, as células de meu corpo me imploravam para devorá-lo. Me abaixei, começando a comê-lo de fato, saboreando sua carne e recuperando alguma de minha vitalidade perdida. Sua carcaça saciou minha fome, mas um dedo foi deixado intacto. Daquele corpo, sentia emanar a mesma energia que havia sentido antes, algo impossível de compreender, mas que meu corpo ansiava por mais, então arranquei seu último dedo e o guardei para que pudesse procurar alguma forma de estudá-lo.

Recuperada, em parte, limpei minha face com a manga de minha camisa, drenando o sangue que manchava meus lábios e bochechas. Olhei em volta, notando a mochila a qual ele carregava, com uma máscara interessante saindo da mesma. Tomei para mim a máscara, analisando-a por todos os ângulos, antes de vesti-la em minha face, ocultando minha identidade, mesmo que não houvesse ninguém para ver meu rosto ali.

Dormi no topo de uma árvore, meu corpo já havia se acostumado com o desconforto daquele local e não me importava mais em dormir sobre folhas ou feno confortáveis. Repousei em um galho qualquer, já sabia que mesmo caindo da árvore, não haveria problema. E assim dormi, acordando no dia seguinte, com uma névoa fina e céu escuro, já que a luz do sol era quase inexistente na região.

O uivo que me acompanhou no despertar, vinha de um local próximo, mas era óbvio que não era um uivo normal, parecia carregar medo e eu podia jurar ser um pedido de ajuda. Me joguei para fora do galho, seguindo a origem do som, para então encontrar uma cachoeira próxima. Nela, em um galho fino e quase se arrebentando, um pequeno lobo uivava, conforme o galho tratava de se rachar cada vez mais.

Podia ver o lobo usando todos os seus recursos para permanecer a salvo, mas era evidente que não conseguiria se manter lá por muito tempo. O rio era agitado, sua correnteza tornaria difícil de resgatá-lo, então teria que pegá-lo no ar.

No momento que o lobo não foi mais capaz de se segurar, avancei pelo rio, andando sobre a correnteza com o máximo de velocidade possível, até estar logo abaixo do lobo, apenas esperando que ele caísse em meus braços, para então correr para fora do rio, depositando-o, a salvo, na mata.

O lobo se demonstrou surpreendentemente pesado demais, impossibilitando que chegasse até a margem. O fluxo contínuo do rio me arrastava até uma enorme queda a frente, algo que o lobo poderia não aguentar. Fazia toda força possível para chegar até a margem, mas era inútil, eu parecia não me mover, exceto na direção da correnteza, que me movia facilmente.

Pelo caminho, vi diversos obstáculos que poderiam ser aproveitados. Rochas, troncos e cipós, qual deles seria minha salvação? Tentei subir no primeiro tronco que encontrei, vendo que ele não se movia na correnteza, acreditei que ele aguentaria o peso do lobo e o meu juntos. Caso o tronco aguentasse, apenas caminharia até a margem cautelosamente, para que o tronco não decidisse se mover sem mais nem menos.

O lobo se salvou e por pouco, consegui chegar a margem também, sem que o tronco se soltasse correnteza abaixo. Me preparei para talvez ir dar uma olhada nos arredores novamente, quando o lobo líder se aproximou inesperadamente, informando que meu teste havia sido concluído.

Me agradeceu, de seu jeito, por salvar o pequeno lobo, então tirei a máscara da face, colocando-a na lateral da cabeça, mostrando um sorriso fraco, porém verdadeiro. —— Era minha obrigação salvá-lo, já que era a única capaz. —— Me perguntei o que ele quis dizer com item de valor, mas presumi que fosse a máscara. Ele informou que o teste havia sido concluído e que deveria segui-lo, então o fiz, mas ainda estava curiosa quanto a máscara. —— Essa máscara é um item valioso? O que ela tem demais? —— Indaguei, curiosa.

Me senti um tanto culpada de imediato. —— Eu não pretendia matá-lo, mas ele ameaçou minha vida, então tive de por um fim em sua miserável existência. —— Expliquei, sem me conter nas palavras escolhidas. Seguido das palavras finais do lobo, me perguntei se ele me consideraria digna de portar aquele objeto. —— Isso quer dizer que poderei manter a máscara? —— Indaguei, enquanto os passos continuaram a serem dados, nos aproximando cada vez mais da clareira a qual tudo começou.