Estar perdido em pensamentos pode ser o mal do homem. Havia falhado, era verdade. Essa derrota doía em meu âmago, como uma cicatriz que aparentava não ter cura. Tinha saído do hospital a semanas, entretanto, o marasmo atrelado ao fato de não estar pronto me pôs em um vazio sem fim. A força para subir o poço e encontrar vontade para seguir firme não existia. Era como tentar, incontáveis dias, sem sucesso. De onde poderia tirar essa força? Me fazia essa pergunta a todo instante, enquanto preso dentro do meu quarto, no cubículo que chamava de apartamento, junto de Fang, minha fiel companheira canina que sentia tanto quanto eu. Não via meu pai a meses, antes mesmo de conseguir voltar daquela tenebrosa missão, graças a Scar. Lembrar do homem de cicatriz sobre a face fazia com que um frio na espinha invadisse meu corpo, assim como as incertezas sobre ele ter sido o pivô da falha.

Meditava constantemente para buscar forças. Focado, principalmente, em minha mãe. No dia que a vi lamentando a morte de seus familiares e, consequentemente, os meus, senti ali que um pedaço de mim havia partido junto de sua felicidade. Nossa ligação vinha desde seu ventre. Ela era, para mim, o motivo de permanecer respirando, junto de Fang. Quando se foi, o vazio tomou conta. Depois, a escuridão. Agia em automático, sem vontade para quase nada. É bem verdade que me sentia vivo quando em combate, lutando por minha vida ou pela da ninken, como se elas dependessem das minhas próprias habilidades para continuar existindo. Ainda assim, era muito pouco se pegar em momentos tão levianos e rápidos como um combate até a morte, afinal de contas, nunca lutei até a morte com ninguém.

Hoje foi mais um dia comum, entre o ócio habitando sobre meu corpo e mente. Levantei da cama de tarde, dormindo mais de doze horas por dia. Comi qualquer merda dentro da geladeira, fumando uns três maços de derby e ingerindo incontáveis folhas de coca que mantinha pelo menos meu vício vívido em uma casca morta. Entre suspiros, tragos, olhar atento sob o horizonte, analisando a movimentação na parte periférica da Areia, onde se encontra meu pequeno apartamento, dividido com meu pai que, obviamente, mais ficava longe de casa em missões do que exercendo seu papel paterno e mãe, esta que realmente fazia-se presente, apesar de ser somente uma casca ou uma sombra do que um dia já foi, graças as suas perdas em Mikazuki.

Era bem verdade que um dos sentimentos que me fazia sentir vazio era a falta de meu pai. Depois da minha mãe, o homem que servia como espelho e objetivo a ser almejado por mim, senti-lo em pedaços, precisando trabalhar incessantemente, fazia com que eu também ficasse. A grande verdade era que estava na hora de pôr um ponto final nesse problema. Precisava viver, sentir meu sangue pulsar em missão, assim como aconteceu naquela com Scar. Em falar nele, precisava encontrá-lo, colocar nossas diferenças frente a frente para entender o que havia ocorrido. A apunhalada pelas costas, junto ao fato dele ter me ‘’salvado’’ em uma missão tão simples como aquela não fazia o mínimo sentido.

Suspirei fundo. Mais um trago, esse, responsável por expurgar todo o sentimento de ostracismo dentro de mim.

— Está na hora de voltar a ativa. Chega de descansar… não preciso mais dessa porra. Tá na hora de exercer minha função dentro do vilarejo, assim como desvendar os mistérios sobre Scar. Esse filho da puta me paga! — praguejava, mesmo que não tivesse ninguém ali capaz de escutar que não fosse Fang e ela, inclusive, mostrou-se animada, uivando em resposta. Levantei, batendo as mãos sobre as vestes, retirando qualquer resquício de poeira e cinzas sobre ela.

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