A manhã era atípica para os padrões de Kiri: clima ameno, relativamente ensolarado, fruto dos resquícios de primavera. Estou armado de meu traje Genin padrão e de uma alta dose de nervosismo. Fui eu quem pediu por isso, eu me obrigo a concordar em pensamento. O único jeito de me fortalecer é desenvolvendo algum tipo de independência: missões solo, trabalho de campo, tomadas de decisão... Já era coisa demais pra eu me preocupar, mas não posso voltar atrás. Chego aos portões do vilarejo mais cedo do que o normal e aguardo o objetivo daquela missão.

O "objetivo" em questão é uma mulher alta na faixa dos trinta anos com uma expressão mal encarada. Ela vem até mim seguida por um Jōnin. Ao chegar, me olha de cima abaixo, mascando um palito, e fica em silêncio por alguns instantes... até tossir em escárnio.

— É essa criança que vai me proteger? — ela resmunga para o Jōnin. — A situação de Kiri tá feia mesmo, hein?

Eu engulo em seco. Não se intimide, me obrigo, você é a autoridade militar aqui. Mas tudo o que faço é uma reverência trêmula e gaguejo:

— O-olá, s-senhora. B-bom dia. Sou Naritoshi H-Hōz...

— Não quero saber de qual clã você é — ela me corta e começa a andar pela estrada principal sem me esperar. — Tenta não morrer ou matar nós dois, se não a culpa vai toda pra sua Kage. Anda logo.

Completamente constrangido, eu só posso acenar para o Jōnin e fazer o que ela pede.

O percurso não é tão agradável quanto eu esperava. Minhas tentativas de puxar assunto são completamente minadas pela mulher, que responde tudo de forma monossilábica; "sim", "não", "não", "não sei", "sim" e "cala a boca, moleque". Tudo o que sei é que estamos partindo para Tsukigakure, o que significa que logo teremos que fazer uma baldeação de barco para chegar lá.

— E-eu nunca fui para Tsuki. Já li em pergaminhos que a lua brilha muito mais por lá — comento, mais uma vez tentando quebrar a atmosfera insípida entre nós.

— É só uma bola no céu, moleque, nada demais — ela resmunga. — É isso que te ensinam na Academia hoje em dia? Que palhaçada...

Desisto. Não há como vencê-la. Em silêncio, continuo observando-a. Ela usa uma espécie de quimono tradicional azul-escuro, mas está estilizado para ser mais curto e dinâmico ao movimento. Toda sua postura também não reproduz o tradicionalismo daquele visual. Também não há bandana, percebo. Talvez venha daí sua revolta ou indiferença com os shinobis... Tudo o que eu havia lido sobre Tsukigakure citava a grande "receptividade" de seu povo. Bem, aquela mulher provava que não dava para confiar em tudo que se lê nos pergaminhos.

Seguimos em silêncio, então, em direção ao porto.

Somos recebidos pelo aroma salgado do mar, salpicado pelo cheiro de peixe fresco e ostras e pincelado com o som de cantorias marítimas e marinheiros bradando ordens para lá e para cá. Aquilo me traz uma tranquilidade imediata, o sabor do meu lar, mas para a mulher...

— Kiri fede — ela rosna. Antes que eu pudesse comentar qualquer coisa, ela sai andando.

Ela está praticamente fazendo a missão sozinha, penso com certo desespero. Apresso o passo para alcançá-la. Preciso tomar a dianteira nisso. Tomo um gole de água do meu cantil e torço para que a coragem desça junto.

— S-senhora — chamo-a, e para minha surpresa, ela para. Retiro um pergaminho da minha bolsa de itens. — Aqui está o certificado da missão assinado pela Kage. Usarei isso para conseguir um barco para nós.

Não vou deixar ela me cortar de novo. Não espero ela responder e me dirijo rápido para um marinheiro, mostrando o documento e explicando a situação. Porém, tudo que recebo é uma cara enfezada:

— Hoje não posso, moleque — ele reclama. — Tô cheio de mercadoria pra entregar, não tenho tempo de ficar levando dondoca pra passear.

— Nem pra mim, Uzuka? — a mulher diz, se aproximando da gente.

Estou sem palavras para reagir, então só assisto os dois se abraçando como velhos amigos de infância.

— Poxa, Kayaka, porque não falou que era você? Poxa, entra aí, vou separar uma cabine e uma cerveja pra vocês!

Eu não posso beber, é só o que penso enquanto somos levados para o barco. Sigo sendo inútil...

O pequeno convés é recebido por uma chuva fraca que não me incomoda. Fico ali contemplando a vastidão do mar enquanto ouço a risadaria e canções do mar que permeiam lá dentro da embarcação.

Eu sequer sabia o nome dela, percebo. Só havia descoberto após ela conseguir aquele meio de transporte sem minha ajuda. Será assim para todo Genin? Acho que não tem a ver com a patente...

Kayaka sai com um copo de cerveja na mão. Suas bochechas estão rosadas e ela parece alegre, pela primeira vez desde que a conheci.

— Ô, moleque, tá na chuva aí por quê? — ela choraminga para mim num balançar trôpego. — Ó, aqui, ó, bebe um cadinho.

Estou pronto pra explicar que não tenho idade para beber quando as coisas acontecem muito rápido. Percebo um homem surgir detrás de um dos barris — está armado de uma kunai. Minha resposta é ágil: empurro Kayaka para o lado enquanto amasso o Chakra em meu estômago. Disparo as agulhas de água Tenkyū à 24m/s na direção do alvo, que é atingido.

Kayaka solta um grito que atrai gente de dentro da cabine e um alvoroço adjacente. O capitão surge, assustado. De repente, estou envolvido em uma confusão de grande proporções. Ótimo.

O capitão está com uma expressão temerosa enquanto se desculpa para Kayaka. Ela não parece ouvi-lo; a sobriedade do álcool parece tê-la atingido. Ela olha para o homem amarrado e sangrando com uma expressão que não compreendo.

— Peço perdão de novo, Kayaka — o capitão insiste. — Esse aí é um maldito que costuma fazer uns acordos com uma galera barra pesada. Deve ter ouvido que você era importante para um missão e quis arranjar uns trocados...

Kayaka parece nervosa. Ela então me olha de soslaio e, para minha surpresa, sorri. Um sorriso leve que logo desaparece, mas ainda assim, fico incrédulo.

Em terra novamente, seguimos nosso caminho final para Tsukigakure.

— Meu marido era de Kiri — ela anuncia, sem rodeios. — Morreu em missão. Era um idiota...

— Sinto muito.

— Não sinta, vai ser seu futuro um dia — ela resmunga. Abaixo a cabeça. Mas, então, complementa com certo divertimento na voz. — Ou não, se continuar fazendo como fez hoje.

Ela me dá um empurrãozinho no ombro. Eu aceito que é o máximo de elogio que irei receber, e dou uma risadinha sem jeito. Por fim, a missão se completa ao chegarmos nos portões de Tsukigakure. Recebo uma marcação no meu documento que confirma nossa chegada e me despeço da mulher, enfim.

Chego nos arredores de onde os sumiços vêm acontecendo com uma natural inquietude. O documento que trago com as diretrizes daquela missão não me diz muita coisa: desaparecimentos esporádicos vem acontecendo entre aqueles que passam por aquela estrada; as vítimas são cidadãos comuns, transeuntes e mercadores de idades variadas, sem nenhuma distinção específica.

Circulo pelos arredores com precaução, buscando algum tipo de alteração suspeita no terreno, vestígios ou pegadas... nada aparente. A chuva recente deixou algumas poças lamacentas no caminho, mas era só. Trata-se de uma rota de terra batida com arvoredos de inverno ao redor, dando margem para uma vegetação mais densa em seu entorno. A primavera dava àquele lugar um clima ameno.

Talvez seja melhor esperar e assistir, decido. Escalo uma das árvores próximas e mantenho os olhos atentos. Não é uma estrada tão movimentada — um caminho alternativo ao principal, menos conhecido, e também mais propenso a ser palco de atividades suspeitas — então os passageiros vêm e vão com um bom espaço de tempo entre eles. A atividade rapidamente se torna tediosa... Mas persisto na tentativa de me manter focado. Se eu contar quem passa, talvez dê pra me distrair e prestar atenção ao mesmo tempo. Assim, tomo um gole de água do meu cantil para saciar a sede e me preparo para contar, como forma de de seguir dedicado na missão.

Isso é muito chato, é só o que consigo pensar. Minha contagem não chegou aos vinte quando decidi desistir de mantê-la — aquilo era um sofrimento mais entediante que a própria vigília. Absolutamente nada de suspeito ocorria. Horas já haviam se passado, o fluxo de pessoa havia diminuído e o movimento começava a se dissipar conforme a calmaria da manhã adentrava os primeiros horários de almoço.

Eu mesmo estou degustando de alguns bolinhos de arroz, gelados e secos depois de um dia para o outro, quando noto algo de estranho. Finalmente, me permito pensar. Tudo começa quanto noto que a neblina parece ficar um pouco mais espessa que o normal. A névoa, obviamente, não era novidade para Kiri — estávamos todos acostumados com sua presença. Mas naquela manhã de primavera, relativamente ensolarada, ela surge com pouca naturalidade e carrega certa quentura, era abafada — não lembrava de estar assim meia hora atrás.

Identifico apenas um único jovem rapaz viajante na estrada. Enquanto faz seu percurso, a névoa se torna mais densa ao seu redor. Ele mesmo parece surpreso e inquieto com aquilo. É quando noto a origem daquilo: as poças d'água da chuva do dia anterior. Estavam sendo dissolvidas, e isso estava gerando a névoa calorosa. Tão logo, o rapaz fica imóvel. Seus olhos se esvaziam. Como num transe, ele desvia mecanicamente da estrada e some entre os arbustos dos arredores.

Bingo. Aquilo tinha nome. Genjutsu. Era hora de investigar.

Apesar de ter identificado o problema, não pude seguir o rapaz enfeitiçado logo em seguida. Depois de esperar alguns instantes, notei a névoa se dissipando sorrateiramente, até aparentar nunca ter estado ali. Alguém está controlando isso, concluo. E pode estar por perto. Era melhor que eu não entregasse minha localização tão rapidamente.

Decido aguardar mais um pouco. Assisto mais alguns transeuntes seguirem pela estrada, mas desta vez não há nenhum feitiço que os captura. Talvez tenha ido embora... Assim, decido saltar por entre as árvores, fazendo uma pequena volta para ocultar meu caminho. Eu precisaria avançar com certa cautela — a névoa havia sido o método de entrada na técnica ilusória, mas podia não ser a única — e me manter de olho no caminho feito pelo rapaz. Será que já sumiu ou foi capturado?

Desço em uma clareira em busca de pegadas ou alguma rota que me mostrasse para onde o homem havia seguido, mas não demora para que me perca entre os arvoredos. Algum sensoriamento viria a calhar aqui, penso, e minha mente me leva ao pequeno Nanami. Mas balanço a cabeça — aquela era a minha missão. Eu devia ser capaz de realizá-la sozinho. Continuo procurando, então, floresta adentro, por alguma pista que me levasse ao cerne daquele mistério.

Cadê você? Minha busca é mais complicada do que eu esperava. Paro diante de uma árvore de salgueiro que posso jurar já ter visto antes. Suspiro. Tiro o cantil de água da bolsa e bebo um gole generoso. Estou andando em círculos.

É então que paro e me questiono: estou? Aquilo parecia suspeito — e para aquela suspeita, só havia um jeito de verificar a veracidade. Trêmulo, levo minha mão à bolsa novamente, desta vez armando-me de uma kunai. Aproximo a faca das costas da minha outra mão. Você consegue fazer isso, incentivo-me. Seja rápido. Assim, num passar ágil, faço um corte pequeno na superfície da pele. Um filete de sangue escorre e eu arfo de dor. Cubro o ferimento para estancá-lo enquanto respiro fundo.

Porém... era verdade. Percebo o ambiente ao meu redor oscilar, como se a própria realidade flutuasse sobre si mesma. O salgueiro que reconheci, de fato, não estava na minha frente. Ele é substituído por troncos de madeira e cinzas — uma fogueira recém-aquecida, pelo que parece. Está perto, assumo com nervosismo. Esse é o caminho.

Não posso recuar agora. Com os resquícios de coragem que sou capaz de reunir, preciso por um fim no que quer que esteja rolando. Sigo minha busca, identificando pegadas em uma trilha que aparenta levar até uma caverna escondida por folhagens.

Há luz e sons vindo de dentro. É aqui. Respiro fundo e adentro o local.

Um homem velho e de vestes rasgadas balbucia qualquer coisa incompreensível. Enquanto me esgueiro pela entrada da caverna, passo por várias de suas vítimas: adultos, idosos, crianças — todos olhando para um vazio inexistente, atônitos e imóveis. Estão presos.

— Rendam-se... à ele... somente à ele... — o homem murmura, quase que como numa prece. Suas mãos formam o símbolo do Pássaro, percebo. Não parece me notar, então sigo me esgueirando sorrateiramente. — Precisam... se render...

Exige muita concentração e Chakra para manter todos presos assim. Quando atinjo uma distância próxima o bastante, é minha hora de agir. Com um salto, lanço quatro senbon num disparate à uma distância de aproximadamente 5m. Como esperado, ele não me nota rápido o suficiente para reagir; as agulhas o perfuram e ele solta um berro de dor. O símbolo se desfaz de sua mãos e, num efeito em cadeia, as pessoas começam a sair do transe.

Ainda próximo, faço questão de dar-lhe um chute forte no rosto para atordoá-lo. O que se segue é um alvoroço com todas aquelas pessoas recém-acordadas. Com algum esforço, imobilizamos o velho e logo o resto da força militar de Kiri é acionada.

Depois de todo o embrólio ser explicado, a missão pode ser dada concluída. Que esquisitice, é só o que penso com um calafrio na espinha. Enquanto é carregado, o homem continua balbuciando suas loucuras, deixando-me ali com um corte na mão e um mar de pensamentos confusos.

Durante o percurso de barco, em meio ao meu medo, me permito me distrair admirando a expansão do arquipélago de Kiri. Algumas dessas ilhas eu nunca visitei, penso. Lembro de algumas raríssimas viagens que fiz com minha mãe quando eu era muito pequeno, numa época aonde ela era mais gentil. Eu a ajudei a entregar mercadorias ao mesmo tempo que a mudança de cenário me deixava completamente entusiasmado.

Não é como me sinto agora. Minha memória flutua até o senhor e a senhora em desespero de alguns momentos atrás. "Nossas crianças, nossos bebês". Um casal de irmãos de oito e cinco anos sendo usados como moeda de troca naquela disputa ingrata. Fiz uma promessa de trazê-los de volta são e salvos, mas não pude deixar de notar a incredulidade naqueles olhares; eu sou apenas outra criança, afinal.

É difícil deixar de pensar na ironia do destino que aquilo representava. O Clã Hōzuki era famoso por seu histórico de pirataria, apesar daqueles que se refugiaram em Kiri sem vistos com maus olhos — "cães do governo". E aqui estou eu, um cão do governo — um filhote, ainda —, indo impedir outros piratas. Que meu legado seja útil agora.

O barco que me leva à ilha se aproxima da enseada e só posso desejar por coragem.

Sinto uma ardência na mão onde está o corte de outrora assim que ponho os pés em terra. Não é nada, me confirmo. Naritoshi é quem está com a mão cortada e eu não sou Naritoshi. Naquele momento, eu de fato não era. Para evitar suspeitas, utilizei o Henge no Jutsu para assumir a aparência de um dos pescadores da ilha anterior, de forma a evitar suspeitas. Uma bandana de vilarejo pode chamar muita atenção, penso, tal qual na missão de Uzushiogakure.

Pensar em Hakari-sensei e Nanami me trás memórias agradáveis, mas não posso me permitir demorar naquilo; bebo um gole de água do cantil que faço questão de trazer comigo antes de prosseguir. Os barcos pesqueiros eram o único resquício de civilização naquele lugar, e ainda assim eram bem escassos. Sigo com um caixote de mariscos tentando não chamar a atenção enquanto já noto a presença de um dos piratas fazendo uma ronda. Só um ou há outros escondidos? Uma pequena vegetação alta circundava uma elevação com construções rudimentares, de onde saia fumaça — a base onde os piratas estão com os reféns.

Eu tinha duas opções: ou dou cabo desse pirata aqui e agora para fazer uma entrada agressiva na base... ou dou um jeito de seguir escondido pelos arvoredos até a base de forma furtiva. Enquanto pondero, o cheiro de mariscos me sobe às narinas.

A oportunidade perfeita surge rapidamente, e preciso ser ágil para usufruir dela. Noto um marinheiro arrastando vários caixotes de mercadoria com um carrinho frouxo pela praia, próximo da vegetação, com um balançar perigoso. É isso. Ainda sob o olhar ardiloso do pirata que nos vigia, deixo meu próprio caixote no chão e me aproximo do marinheiro.

— Opa, amigo, quer ajuda? — tento soar natural. Não sou Naritoshi, sou um marinheiro gentil. Porém, minha próxima atitude não é nada gentil. Com um chute leve e sorrateiro, faço os caixotes empilhados se balançarem perigosamente até cederem ao equilíbrio, caindo no chão com um barulho que levanta areia, água e mariscos para todo lado.

Aí está minha deixa. Rapidamente, faço o selo do Carneiro e canalizo o Shunshin no Jutsu, desprendendo-me de um adicional de Chakra para causar a impressão de visual de me envolver em areia — para o pirada, é apenas a poeira levantada pela bagunça dos caixotes, nada mais — e corro por aqueles aproximados 20m numa velocidade de 6m/s, sumindo em direção à vegetação. O barulho vai chamar a atenção mais que um punhado de areia voando, torço enquanto sigo pelos arbustos, já me desfazendo das técnicas ilusórias.

Agora, preciso me aproximar de forma sutil pela vegetação que circula a base dos piratas de forma a não chamar atenção.

Sigo com cautela até chegar no assentamento pirata. Uma olhada rápida me indica três guardas de vigia e uma construção principal aonde os restantes devem estar — e também os reféns. Preciso ser rápido naquela entrada... talvez a furtividade não seja a melhor das opções, mas uma mistura destas.

Me aproximo da amurada com cuidado para não ser visto e retiro duas esferas da bolsa de itens: uma kemuridama e uma hikaridama. Isso basta para causar um alvoroço. Preparo o local ideal para lançar o primeiro objeto, de maneira que atordoe os três vigias. Lanço a bomba de fumaça numa velocidade de 4m/s e assisto-a expelir um gás denso que logo se expande. Aproveito a deixa para invadir o local sob os uivos de reclamação dos piratas. Enquanto me direciono ao prédio principal, lanço a outra esfera sob a mesma velocidade: agora a hikaridama explode num feixe iluminado, causando ainda mais tumulto.

Envolto pela fumaça e pólvora, me posiciono estrategicamente na entrada da base. Quando aquele que aparenta ser o líder dos piratas surge, atônito, querendo descobrir o motivo da balbúrdia, lanço-lhe dois kibaku fūda nas costas e ativo a explosão. Com um urro, o homem cai. Adentro a base e, para meu alívio, lá estão as duas crianças encolhidas e chorosas. Certifico-me de acalmá-las ao mesmo tempo que as apresso: precisamos sair dali logo.

Sigo rapidamente com as crianças pela base dos piratas, ainda envolta em fumaça e bagunça — mas se dissipando. Corro com elas até a amurada por onde entrei e partimos para a vegetação. O casal de irmãos está assustado e choramingando, e levo alguns instantes para tranquilizá-los com um tom de voz gentil; que não engana tanto, afinal minha voz também está trêmula e medrosa. Preciso ser a segurança deles.

Chegando de volta à enseada, somos recebidos pelo primeiro vigia. Um rápido olhar é o suficiente para que ele identifique o que está acontecendo, e logo saca um tantō. Posiciono as duas crianças atrás de mim e, com os papéis-bomba em mãos, lanço-os no homem — na medida em que o papel sai de minhas mãos, me viro para cobrir os pequenos durante a explosão. Ao me virar lentamente, o que sobra é outro homem caído.

Corremos então para o barco de onde vim. Numa estancada rápida e uma nuvem de fumaça ainda maior se formando na ilha que deixamos para trás, seguimos o nosso percurso, finalmente, de volta para casa. As crianças são acalmadas e cuidadas pela tripulação enquanto me sento no convés, sem fôlego, mas com o alívio daquela conclusão. Tá todo mundo vivo. Suspiro. Isso basta.

O caminho de retorno que faço, no intervalo entre uma e outra missão de minha peregrinação de missões, me leva para uma humilde ilhota de marisqueiros. Uma pequena parada aqui não é de todo mal. Caminho pela orla deixando a tranquilidade daquela paisagem me conquistar: crianças brincando na água, senhoras andando com bacias repletas de ostras, uma civilização pesqueira seguindo com seu dia-a-dia habitual. Uma névoa sutil envolvia o cenário.

Eu poderia me acostumar com isso. Aquela vida pacífica era muito atrativa, capaz de me fazer respirar com um pouco mais de tranquilidade depois de toda aquela jornada. Mas ainda é cedo para desacelerar. Apesar do avanço que eu estava fazendo em relação ao meu contador de missões concluídas, isso não era proporcional ao aumento no meu arsenal de técnicas.

Vou perambulando pela pequena ilha sem me preocupar com um caminho definido, apenas uma exploração casual. Minha mente devaneia com os desejos de me aprimorar, de canalizar o máximo que posso naquele corpo frágil. Não sou mais só eu. Penso inevitavelmente no Time 2. Preciso melhorar por eles também, e por todos os desafios que teremos no futuro.

Perdido em meus próprios conflitos internos, acabo adentrando um espaço florestal delimitado naquela ilha. Sigo a pequena estrada de terra batida, sendo envolvido pelos altos arvoredos.

Meu percurso desatento pela floresta enevoada me leva até um jardim de flores selvagens. Lindo. Me abaixo para passar a ponta dos dedos delicadamente em suas pétalas, agarrando-me ao aroma delicado que elas exalam. Peônia, carmélia, gardênia. Minha mente cataloga e vasculha meu acervo de conhecimento em floricultura, tentando identificar quais seriam aquelas.

Depois do meu estudo silencioso, decido me recostar em uma árvore e absorver aquela atmosfera. Ouço o farfalhar das árvores com a brisa e a cantiga dos pássaros. Aquela serenidade seria capaz de me fazer cair em um sono profundo, mas, quando percebo, estou meditando. Fazia tempo. Em uma jornada como aquela, não faria nada mal espairecer a mente das preocupações. Visualizo o vazio, abro a mente e deixo a solitude me encobrir.

Naturalmente, noto que o Chakra em meu interior está sendo canalizado. Concentro-me no keirakukei, os caminhos daquela energia que interliga todos os pontos de pressão do meu corpo. Concentro-me um pouco mais, e ainda além; mais um pouco e... algo desperta. Franzo a testa, ainda de olhos fechados. Não sei o que é aquilo, mas é estranho; nunca senti nada assim antes.

Continuo canalizando mais um pouco, até finalmente cessar. Quando abro os olhos, estou em um cemitério de flores mortas.

O que eu fiz? Aquilo parecia muito errado. Me ponho de pé assustado, tentando entender o que havia acontecido. As flores selvagens, outrora vívidas e multicoloridas, agora estava murchas e com o caule escurecido. Isso fui eu? Não podia ser. Jamais tinha demonstrado uma habilidade como aquela.

Mas, apesar disso, sei que algo está diferente em meu interior. E ao mesmo tempo, sempre esteve aqui. Era um instinto dominante que não condizia comigo. Uma espécie de fome, uma busca por saciedade. A única outra demonstração parecida com aquilo vinha daquele aniversário solene em meio ao campo de crisântemos amarelos, com o ataque dos lobos. A fúria estrangeira que senti.

Me sinto sujo. O que quer que fosse aquela habilidade, era imoral e traiçoeira. Alimentar-se de outros seres vivos era... parasítico. Me serve bem, não? Penso com amargura. Preso nesse corpo frágil e fracote...

Percebo um pequeno esquilo se aproximar daquele cemitério de flores, com uma carinha curiosa. Sinto um tique súbito em uma das mãos; um desejo de testar aquilo de novo... Não, rejeito a ideia. Era cruel demais. Levo a mão até o cantil d'água na bolsa e bebo água desajeitadamente. Em seguida, marcho logo para fora daquela floresta antes que fosse tentado por mais pensamentos intrusivos.

Meu retorno à área residencial da ilha é o suficiente para que tudo pareça apenas um devaneio causado pela solidão daquela vegetação. Minha paz, entretanto, é cessada por um berro. Sou guiado por sua origem, aonde me deparo com um homem corpulento agarrando o braço de uma mulher com rispidez.

— Já falei pra tu parar de gritar — ele sibila. — Quer apanhar? — Uma mão se ergue ameaçadoramente; algumas pessoas estão ao redor apreensivas. O olhar do homem, entretanto, decide parar em mim. Noto a fixação na bandana em meu pescoço. Ali estou eu, um shinobi se metendo no que não foi chamado. — Que foi, hein, pirralho? Tá afim de levar uma também?

Minha única resposta é o silêncio. Estou assustado demais para reagir, e tudo acontece rápido demais: o homem solta o braço da mulher e marcha rapidamente na minha direção. Não visualizo seu golpe até ser atingido — um soco forte no rosto que me faz levantar alguns centímetros do chão, sendo içado para trás em alguns metros. Colido no chão. O homem ri.

— Cuida da sua vida, escória da Névoa — ele resmunga.

— Você é a escória — eu rosno.

As palavras saem antes de mim. Só percebo quando ouço o som da minha própria voz. Aquele não era meu habitual; e se eu queria irritá-lo, consegui. Ainda estou caído no chão quando ele marcha para mim novamente.

Desta vez, eu me rendo ao instinto que contive na floresta.

A montanha corpulenta que se move em minha direção tem espaço o suficiente para ser atingida, e é isso que faço. Ergo a mão em uma palma, tocando-o no tórax. Deixo aquela voracidade fluir. Outro soco que vinha para meu rosto é interrompido no meio do percurso. Desta vez, consigo visualizar claramente o que está acontecendo: sinto o keirakukei do homem sendo percorrido, seus caminhos de Chakra fluindo de seu corpo até a ponta dos meus dedos — sinto aquela enxurrada de energia vital escorrendo para o meu próprio sistema; alimento-me dela, sinto minhas próprias reservas sendo revigoradas. Era uma prática tão imoral, tão parasítico e aproveitador, ao mesmo tempo que viciante. Supria um desejo oculto.

Preciso parar, penso. Chega. Removo nosso contato. O rosto do homem agora tinha uma palidez anêmica. Noto seu tremular e, com agilidade, rolo para o lado antes que todo o seu peso cai em mim. Ele agora jaz estirado ali — vivo, mas atônito.

Todos os olhares me cercam. Penso em gaguejar alguma coisa, mas as palavras me faltam. Nem eu sou capaz de explicar o que aconteceu ali. Dou um aceno para a mulher vítima daquele cara — um gesto que não significa nada em particular — e corro dali.

Minha mente é um turbilhão confuso. Uma palavra, em especial, flutua acima de todo o resto — um termo que me assombra terrivelmente, fruto dos meus pesadelos envolvendo o cruel deserto de Suna. Vampiro.