Não muito longe de onde Ethan estava, uma comoção tinha início. Ele podia ouvir claramente os sons dos passos apressados de algumas pessoas e o choro das mulheres e crianças que faziam parte do grupo. Quanto aos homens, com roupas rasgadas e cobertos pelo próprio sangue, esses carregavam pedaços de paus nas mãos enquanto cambaleavam de um lado para o outro, mantendo o passo, tentando manter a guarda alta. As crianças que podiam andar com as próprias pernas não ficavam para trás, já que tinham o privilégio de sentir o aperto de suas mães envolvendo os seus braços. Até aquele momento, o grupo não fazia outra coisa senão fugir da morte, com olhares assustados no rosto que entregavam todo o desespero vivenciado. Enquanto uns se entregavam as lágrimas, não dando espaço para a vergonha, outros tinham que ser forte para garantir a sobrevivência dos demais.

Quando eles finalmente se depararam com um lugar no qual poderiam descansar, um acampamento no meio do nada, um alívio momentâneo tomou os mais inexperientes. Em contrapartida, os mais velhos não se deixaram levar, na verdade, ficaram mais apreensivos. Por fim, ao verem um garoto sentado em um tronco de árvore que ficava em volta de uma pilha de cinzar, provavelmente uma fogueira apagada, tiveram a confirmação de que precisavam, não estavam sozinhos, quiçá seguros.

— Cuidado!! — Um jovem de pele clara, cabelos castanhos que caia até o seus ombros e olhar vibrante exclamou, alertando os outros. — Esses malditos já nos alcançaram — no auge da sua imprudência, ignorando o fato de não ter certeza do que falava, o jovem se preparava para investir contra o garoto de cabelos laranjas.

— Sosuke, espere! Não seja imprudente, ainda não temos certeza de nada — um ancião, na casa dos 70, tentava pará-lo.

— Como não? É só olhar para a cara dele, o miserável é quase um clone daqueles dois — não suportando mais a aflição que fazia o seu coração disparar, Sosuke começou a correr na direção do seu inimigo juramentado, almejando acertar um golpe preciso na sua nunca.

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Ethan havia presenciado toda a discussão, e os olhares de medo nos rostos de alguns também não passariam despercebido. Diante disso, sem ter detalhes o suficiente para tirar as próprias conclusões, ele esperaria, pacientemente, os viajantes se cansarem daquilo e seguirem o seu rumo. No entanto, o Jonin não contava que um deles partiria na sua direção, buscando realizar um ataque descuidado e cheio de falhas. Diferente de Ethan, que treinou a vida para ser um soldado, Sosuke não demonstrava qualquer traço de habilidade na forma como se movia, agindo puramente por instinto, em uma tentativa inútil de assegurar a segurança do seu grupo.

— Já chega disso — interceptando o ataque com o braço, Ethan era firme com as suas palavras. Ainda que o sujeito tentasse medir forças com o ninja, não existia nada que pudesse fazer diante de alguém tão forte. — Eu garanto que não tenho relação alguma com o que aconteceu com vocês, seja lá o que for. Então, se não se incomodam, me deixem em paz.

Quando os ânimos pareciam ter se acalmado, Sosuke voltaria a gritar. — Não acreditem nele! Esse desgraçado não passa de um mentiroso. Se acham mesmo que fiquei louco, olhem a sua bandana, é igual à do velho e a daquele outro cara. Quer saber, isso não importa mais, fujam o mais depressa possível, eu vou segura-lo aqui. Agora!! — Vendo que os outros não davam a devida importância para as suas palavras, voltava a insistir.

Até aquele momento, Ethan não tinha dado a devida atenção ao que eles diziam, mas depois de ouvir o sujeito mencionar um “velho”, não deu outra, Sosuke ganharia toda a atenção que desejava. — O que aconteceu com vocês? Por que estão fugindo? E mais importante, como esse tal “velho” se encaixa nessa história? — Sem tempo a perder, Ethan o seguraria pela gola da camisa e o ergueria, não permitindo que os seus pés tocassem o chão.

— Tá bom, tá bom. Só não machuca eles — implorava pela vida dos companheiros. — Nós moramos em um vilarejo que fica a algumas horas daqui. Lá levamos uma vida muito, muito simples, sendo que a nossa principal fonte de renda vem da agricultura e do artesanato. Até hoje, nunca tínhamos precisado pegar em armas para nos defender, mas tudo isso mudou quando um grupo de 20 homens, provavelmente saqueadores, invadiram a nossa casa. Eles ficavam dizendo coisas sem sentido, ordenando que entregássemos “O Rosto” que escondíamos. Então quando perceberam que ninguém sabia de nada, começaram a atear fogos nas casas e a destruir tudo o que viam pela frente — conforme se lembrava de tudo o que passaram, os seus olhos se encheram de lágrimas. Ethan, por sua vez, o soltaria, comovido com a história. — Por favor, eu te imploro, não machuque eles. Não vê que já sofremos demais?

— E quanto ao “velho” que você mencionou?! Ele estava ajudando os saqueadores?

— Não. Na verdade, foi ele que nos salvou. Sabe, nós até que tentamos lutar contra os saqueadores, mas não tivemos a menor chance, por isso estamos nesse estado. Foi então que aqueles dois senhores apareceram, acabando com 15 homens num piscar de olhos. Contudo, os outros 5 que restaram eram fortes demais, e não demorou muito para colocar a dupla em maus lençóis. Mas mesmo assim eles conseguiram algum tempo pra gente fugir. Deus... Se não fosse eles... estaríamos mortos a essa altura.

— Entendo... Então já sei pra onde devo ir — fitando o rosto daquelas pessoas, voltou a falar. — Quanto a vocês, podem ficar tranquilos. Agora todos estão sob a minha proteção. Lá dentro vão encontrar comida e alguns materiais de primeiro socorro, acho que por hora é o suficiente.

— Não! Você não pode ir lá, eles vão te trucidar — Sosuke alertava. — Não importa se pensa que é forte, eles devem ser mais.

— Não precisa se preocupar — um sorriso confiante escapou. — Se o meu avô está lá, é impossível perdemos. — Por fim, Ethan começou a correr na direção que o mais velho do grupo havia indicado.

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Durante todo o trajeto, Ethan tomaria o cuidado de não deixar a mente divagar. Estar envolto em uma neblina densa de incertezas e perguntas não respondidas não o ajudava, era verdade, mas ainda assim ele manteria a concentração, afinal a sua vida dependia disso. Desse modo, com toda a velocidade e uma pontada de preocupação no peito, continuou correndo, transpondo cada um dos obstáculos, ignorando todos os detalhes irrelevantes. Por fim, a sua resiliência o conduziria pelo vale do medo, permitindo que tivesse um vislumbre do que estava a sua espera. A fumaça que alcançava uma altura inimaginável e envolvia boa parte da floresta que cercava o vilarejo era o sinal de alerta, a partir daquele ponto Ethan estava em território inimigo.


Cerca de meia hora tinha se passado desde que ele começou a andar por entre as árvores que ficavam próximas do seu objetivo, onde ainda aprendia a lidar com o odor incômodo da fumaça. Contrariando todas as suas expectativas, não seria capaz de flagrar nada suspeito pelo trajeto. Se não fosse pela fumaça que insistia em tomar conta de tudo que os olhos podiam ver, jamais teria motivos para desconfiar que algo estava acontecendo ali. No entanto, o Jonin não mudaria a sua postura por causa disso, continuaria alerta, planejando cada passo dado e se atentando a qualquer sinal de perigo.

Quando Ethan finalmente tinha chegado na entrada daquele vilarejo, pôde presenciar as chamas se espalhando com violência. Além disso, via também os primeiros sinais de que uma batalha tinha acontecido no local; os corpos sem vida no chão não deixavam margens para interpretações. O choque inicial foi grande, e o cheiro fúnebre que pairava no ar não ajudava a aliviar a sensação de medo que era contida por uma fina camada de coragem. Então à medida que era tomada por essa coragem que poderia se despedaçar a qualquer momento, andaria sobre alguns corpos que impediam a sua passagem. Após isso, começou a percorrer as poucas ruas que encontrava.

Com a sua procura cuidadosa, Ethan percorreria cada milímetro do lugarzinho, até finalmente encontrar o seu avô. Oliver estava nos limites do vilarejo, em um espaço circular aberto com 50 metros de diâmetro, tendo diversas casas em volta. Diante da maior casa da vila, estava de joelhos, no entanto, o velho não estava sozinho. Do seu lado, dois brutamontes, cada um com os seus 2 metros de altura e corpos músculos, seguravam os seus braços, restringindo os seus movimentos. Já nos telhados das casas, 5 sombras olhavam o velho de cima, com desdém.

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— Quem seria capaz de imaginar que o grande Oliver Kato um dia estaria ajoelhado na minha frente? Hahaha! — O homem de cabelos azuis, sem camisa e com diversas cicatrizes pelo corpo, que estava sendo alvo do olhar do velho, provocou.

— É... Parece que todas as precauções que tomamos por causa dele, no fim, foram inúteis. Sinceramente, que decepção — um dos subordinados do azulado comentava.

— Olha quem fala... Se me lembro bem, ele quase acabou com você — rindo da situação, um dos bandidos respondia o companheiro.

— Vocês dois não mudam — outro comentou.

— Ben, acabe logo com isso — completamente entregue, sem esperança, a voz de Oliver ecoou. — Você ganhou, e eu perdi. Mesmo depois de tentar durante todos esses anos, os meus esforços foram em vão. Por isso, antes de você acabar comigo, saiba que... eu sinto muito, por tudo.

— O que?! Que tipo de pessoas eu seria se não aproveitasse a oportunidade para passar um tempo com o meu... pai. A propósito, não vai me apresentar o seu convidado? — Assim que a revelação foi feita, todos olharam para Oliver, mas logo em seguida, os olhares se voltaram para onde Ethan estava escondido.

— Ethan!!! Seu idiota, o que você tá fazendo aqui?! — vendo que o intruso era o seu neto, Oliver tentava colocar um pouco de juízo na cabeça do mais novo, que começava a andar na sua direção. — Escute com atenção, você não é páreo para eles. Quanto mais cedo aceitar isso, melhor pra você. Então vê se dá o fora daqui.

— Hm... Interessante. Então ele que é o meu substituto, o garoto de ouro da família? Quer saber, pai, vamos deixar ele se divertir um pouco — com um sorriso sádico no rosto, ele levantou a mão, erguendo o indicador logo em seguida. — Rapazes, onde estão os seus modos? Deem boas-vindas para o meu sobrinho.

Assim que a ordem foi dada, todos saltaram do telhado, não demorando muito para ficarem diante do Jonin. Quase como se os seus movimentos estivessem sincronizados, eles se posicionaram a exatos 40 metros do garoto, mantendo uma distância de 5 metros dos comparsas. Depois disso, o mais convencido do grupo saltou na direção dele. Os seus movimentos eram ágeis e sequer deixavam brechas para contra-ataques, fazendo com que o mesmo não enfrentasse resistência alguma na hora de envolver o rosto do Jonin com a destra, e posteriormente, quando o arremessasse contra a parede de uma casa que ficava à esquerda.

— Então é isso... — interrompendo o silêncio que insistia em manter, Ethan tossia um pouco de sangue no chão. — Parece que não tenho outra escolha — enquanto se levantava, deixando a pilha escombros para trás, discursava para o grupo. — Antes de começarmos, só uma correção: não! Eu não sou o garoto de ouro da família, e também não estou interessado em te substituir. Se quer mesmo saber, sou um mentiroso e uma desgraça para o nome Kato.

— Tá vendo, velho? Pelo visto você tem um dedo podre para alunos. — Ben continuava provocando o pai.

— Mas não me entenda errado, o meu único pecado foi tentar ser o que minha mãe e meus avôs precisavam. Posso ter falhado em alguns aspectos, no entanto, se essa farsa bastou para eles, se eles puderam sorrir por minha causa, então aceito a desgraça que vai recair sobre os meus ombros. E é por isso que acabei de tomar a minha decisão, vou lutar no lugar do seu pai e acabarei com você, aqui e agora.

— Sério? Jamais imaginei que a estupidez fosse hereditária. Já que é assim... Faça acontecer. Homens!!! — com um grito ensurdecedor, voltava a comandar os seus subordinados, que, por sua vez, partiram na direção do Jonin.

“Sem mais mentiras...”, não tendo mais motivos para se segurar, Ethan deixava que espirais cobrissem todo o seu corpo, anunciando a sua técnica. — Que estranho... Não me recordo de ter deixado vocês encostarem em mim, seus vermes — por fim, sem precisar mover um dedo sequer para se defender, Ethan deixava que todos fossem lançados para longe ao se aproximarem demais.

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Enquanto Ben se divertia com a cena, vendo os seus homens sendo arremessados de um lado para o outro pelo sobrinho, impressionado com as habilidades do garoto, Oliver continuava incrédulo com o que via. Acima de tudo, não entendia como o neto que vivia fugindo dos treinos e sempre tinha dificuldades nas lições mais básicas conseguiu realizar aquela proeza, ainda mais sem a sua ajuda. Na sua época, ainda inexperiente e sem conquistas memoráveis, Oliver havia sofrido nas mãos do pai, tendo que passar pela pior experiência da sua vida para dominar a habilidade em questão. Por um momento, o velho até que tentou encontrar uma explicação que justificasse todos as peças que não se encaixavam, mas depois de tanto esforço, só conseguia pensar que o impossível tinha se tornado realidade. Se até o momento não acreditava em milagres, começava a considerar a possibilidade.

— Ben, você tem alguma coisa haver com isso? — Olhando nos olhos do filho, perguntou.

— Não — com uma seriedade atípica e momentânea, o patife respondeu. — Mas então, velho, você ainda tem aquela sua biblioteca secreta? Bons tempos, não? Ainda lembro do dia em que me emancipei como se fosse ontem. Aposto que o garoto também deve se lembrar do dia em que ele roubou os segredos do clã que você guardava a sete chaves — enquanto se sentava no telhado para apreciar o embate, um riso voltava a cobrir a face do azulado.

— Isso é impossível, ele não é como você. Ethan é diferente. Mesmo tendo potencial para ser melhor do que nós dois já fomos um dia, ele não é um gênio.

— Discordo! Por acaso você ficou gagá, velho? Não vê que só o fato de estarmos discutindo isso já invalida todo o seu argumento. Olha como ele se move, veja aquele olhar no seu rosto. Entendo se não quiser aceitar a realidade, mas não me diga que esse olhar e essa sede de sangue são normais. No fim, o senhor só não quer admitir que falhou com ele também. Irônico, não? Ao mesmo tempo em que ele sempre foi aquilo que você desejou, ele, secretamente, também era aquilo que você mais temia, uma versão mais jovem minha, alguém fadado aos mesmos erros.

Enquanto pai e filho reabriam feridas antigas usando o menor como desculpa, Ethan seguia no encalço dos 4 bandidos. Embora a força eólica que cobria o seu corpo estivesse perdendo a efetividade, haja vista que agora o grupo conseguia resistir aos "empurrões", a velocidade do Jonin continuava a mesma. Se apoiando nisso e na força dos seus golpes, ele atacava, sucessivamente, initerruptamente, por todos os lados. Quando um golpe não acertava o alvo em cheio, ele não ficava abatido, ignorava o fato e corria até o próximo, tentando acertá-lo. Assim seguiu rodopiando e dando cambalhotas por todo o campo de batalha, abusando da sua velocidade estrondosa.

No fim, havia restado apenas duas pessoas de pé, Ethan e um outro jovem de cabelos azuis, assim como o pai. Os dois, separados por 20 metros, se encaravam, em uma provocação silenciosa, porém, efetiva. Ambos não faziam questão de esconder a exaustão e as mazelas que adquiriram durante o confronto, pelo contrário, a forma como moviam os ombros ao respirarem pesadamente evidenciava o fato. Sem poderem contar com qualquer tipo de técnica ou artimanhas, vivenciavam os últimos momentos da batalha, sentindo o suor correr pelas suas testas, deixando que o resto das suas forças fossem usadas para empunhar as espadas que tinham em mãos.

— Você até que lutou bem, mas a sua sorte termina aqui. Não precisa ficar triste, você honrou o nome do seu avô e provou o seu valor como guerreiro — anunciando o fim do combate, o garoto ajustava a postura antes de avançar.

— Já que é assim, posso saber o nome da pessoa que vai me matar? — com um sorriso confiante no rosto, Ethan também se preparava para dar o golpe final.

— Eu me chamo Bruce... Bruce Kato.

Imerso na batalha, Ethan não reagiu diante da descoberta, continuaria mantendo a guarda alta, reunindo forças para lançar o seu corpo na direção daquele garoto que compartilhava o mesmo sangue que o seu. Em paralelo, tanto Oliver quanto Ben assistiam o desfecho do confronto entre nova geração da família Kato, dos descendentes mais promissores da família Shihōin.

Quando os dois avançaram com as armas em punho, usando toda a força que ainda lhes restava, duas vozes abafaram o som das lâminas se encontrando. Ambos não se conheciam; não sabiam nada a respeito do outro; não entendiam os motivos que os levaram a ficar cara a cara em uma luta de vida ou morte. Mas depois de encararem os rostos um do outro, instantes antes dos golpes se chocarem, tudo estava claro. Eles eram apenas crianças que tiveram que provar o seu valor desde muito cedo, que mereciam um lugar à mesa, que a sua existência não era um erro. No fim, quando as espadas se encontraram e o som metálico ecoou pelo vilarejo anunciando o vencedor, existia apenas uma compreensão mútua entre os dois garotos.

— Pai... eu falhei... — com a boca cheia de sangue e percebendo que não conseguia mais sentir o braço direito, Bruce foi ao chão, amargando a desonra que aquela derrota traria.

— Agora... — Ethan recuperava o fôlego para não se embolar com as palavras. — Agora... é a sua vez — passava ao lado de Bruce, mirando o olhar na direção do outro azulado. Com as roupas rasgadas, deixando metade do torso exposto, e coberto de sangue, Ethan travava uma batalha contra si mesmo, tentando se manter de pé e consciente.

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