O bom filho a casa torna
O sol do meio dia iluminava aquela casa repleta de tradições. Localizada em um ponto mais afastado do vilarejo, a construção revelava detalhes de uma outra era. O casebre tinha a capacidade única de transportar todos que a admiravam para tempos longínquos. Era tão antigo que nem os atuais donos, já no fim da vida, conseguiam dizer com precisão quando fora construída. Apenas sabiam que era bela e imponente, assim como desejavam, sendo este um dos maiores orgulhos do casal. Podiam se gabar à vontade para os poucos vizinhos que tinham, ninguém seria capaz de fazer frente enquanto vangloriavam-se. Se fossem honestos consigo mesmo, admitiriam que se orgulhavam mais do monumento do que dos próprios filhos, agora mortos.
Uma figura se aproximou. Olhou de cima a baixo a faixada, como se refletisse seriamente sobre algo. Para proteger os olhos do sol escaldante, usava a canhota para cobrir a retina. Até ter a coragem suficiente para bater na porta, ficou cerca de 10 minutos encarando a casa. Estava com medo do aconteceria. Enxergava várias possibilidades passando pela sua mente fértil, mas nenhuma era favorável. Supreendentemente, ficaria constrangido em todos os cenários. Portanto, prorrogou o encontro o máximo que pôde. Quando o relógio marcou pontualmente 2:30 da tarde, três batidas na porta anunciaram sua chegada. Ethan estava agora a poucos momentos de reencontrar os avós.
Algumas gotículas de suor escorriam na testa do garoto. Se questionado, diria que era o calor. No entanto, se fosse sincero, confessaria o nervosismo. Afinal, desde que a mãe morrera, a cerca de 6 anos atrás, nunca mais pisou ali. Em parte, não queria visitar os avós. Não tinha nada contra os dois, apenas não gostava de como o avô agia, sempre com seus comentários desnecessários e cobranças exageradas. Se comparado com aquilo, o pior dos pesadelos era pouco. Em contrapartida, morria de amores pela avó. Ela sempre sabia o que dizer. Não importava se estava triste, perdido ou apenas precisando ouvir uma palavra de incentivo, independente do motivo, podia contar com a avó.
—
Oi... — Depois de todos estes anos longe de casa, aquilo foi a única coisa que conseguiu dizer. Ainda envergonhado, levou a mão até a cabeça. Não demorou muito até o rosto corar. Àquela altura, não sabia mais o que esperar. Depois de tudo, não os culparia se a recepção não fosse amistosa, cheia de risos e paparicos.
Antes que Ethan tivesse a chance de completar sua fala, um calor envolveu seu corpo. Num impulso que superava todas as suas capacidades físicas, Abigail envolveu o neto nos seus braços. Sua intuição a alertara que o mais novo precisava daquilo. Sem a necessidade de qualquer explicação, partiu ao resgate daquela figura atormentada. Sua cabeça, agora, estava recostada no peito dele, onde sentia perfeitamente as batidas desenfreadas do seu coração. Além disso, também notara o queixo do mais novo apoiado no topo da sua cabeça, amarrotando seus cabelos grisalhos.
Sem nada mais para temer, Ethan baixou a guarda. Ele não era mais um ninja, muito menos era um homem, com deveres e responsabilidades. Naquele momento, voltou no tempo; voltava para a época que podia recorrer aos braços da mãe, onde podia chorar e se queixar das coisas que davam errado. Os seus joelhos fraquejaram, junto das lagrimas que formaram uma fina camada em seus olhos. Já estava sofrendo a muito tempo, mas precisava ser forte. Para alguém como ele, fraqueza significava morte. No campo de batalha, não podia se dar esse luxo.
Enquanto desabava nos braços da avó, os olhos de Ethan encaravam a porta da casa. Reparava nos entalhes cravados na madeira e em como se lembraria daquele dia toda vez que voltasse a encara-la. Ainda sem conseguir dizer uma palavra sequer, segurava com todas as forças a vontade de se debulhar em lágrimas. E em meio as tentativas, começou a se desculpar. Ethan não se desculpava por algo em especifico, mas por tudo desde o seu nascimento, sendo esse o momento em que começaria a falhar com todos. Em toda a vida e em todos os aspectos dela, não se achava bom o bastante. Nada que fazia era bom o suficiente. Nunca conseguiu se ajustar em todos os moldes que construíram para si. Não foi o filho perfeito que a mãe merecia, muito menos era um neto atencioso, abandonado os avós por anos. Sua trajetória como ninja, por sua vez, era um amontoado de falhas e desvios de comportamento.
Mesmo desejando que aquele curto momento durasse para sempre, entendia que uma hora teriam que sair dali. Foi então que o velho Oliver apareceu diante dos dois. Sendo abandonado na cozinha pela mulher, queria entender o motivo da demora. Por um momento, pensou que teria que salva-la de algum vendedor que se negava a receber um “Não!”. Mas para sua surpresa, era o seu maior fracasso que havia retornado. Vendo aquela cena, ranzinza como sempre, questionou o motivo da demora, quase ignorando por completo a presença do neto. Já para o mais novo, reservou apenas um aceno com a cabeça, frio e indiferente, como de costume.
[...]
Ethan acordou às 10:15 da manhã ao som do aspirador de pó sendo forçado contra o chão e com o barulho de algumas crianças brincando na rua. Ainda com a cabeça apoiado no seu travesseiro empoeirado, encarou seu velho quarto. Se ver ali, o fazia pensar que todos os últimos anos não haviam passado de um sonho ruim. No entanto, a ilusão logo foi desfeita, era acometido por uma dor de cabeça severa e sentia os olhos arderem, fato esse que o lembrou do dia anterior, onde voltava para casa.
Ele rolou na cama algumas vezes, criando a coragem para se levantar. Assim que ficou de pé, foi até o banheiro nos seus shorts folgados e camiseta. Ethan se via diante do espelho, assustado com seu estado. Os olhos estavam em um vermelho irreconhecível, os cabelos mais desajeitados que o de costume e notara também uma expressão abatida no rosto, que conseguia superar, e muito, o seu mau-humor matina de sempre. Jogou um pouco de água no rosto e pegou algumas roupas que havia deixado para trás. As roupas cheiravam a mofo. Sem se importar com o cheiro ou a sua aparência, vestiu aquela blusa preta de mangas compridas. Junto dela, aproveitou para vestir uma calça da mesma cor.
Após descer as escadas, se deparou com um verdadeiro banquete. Era um café da manhã digno de um rei. Bem ao centro da mesa, uma tigela farta com o arroz mais branco que já havia visto. Bem ao lado, como acompanhamento, uma tigela igualmente farta de sopa de miso e alguns legumes frescos. Como se não bastasse, terminado de compor a refeição, sentia um cheiro agradável de peixe grelhado. Por último, mas igualmente importante, comia com os olhos uma omelete que estava mais afastada do restante dos outros pratos.
A fome do Chunin acompanhava perfeitamente a quantidade de comida a disposição. Ainda com o barulho estridente do aspirador de pó, juntou as mãos e agradeceu pela comida. E mesmo que estivesse faminto, manteve o respeito com os avós e com o alimento, usando a educação recebida a muito. Comia o café da manhã em pequenas porções e de maneira controlada, assim como um lorde faria. Por fim, um chá verde para acompanhar a digestão.
—
Vamos! — Uma voz surgiu da penumbra, ecoando pela sala de jantar. Olhando mais atentamente, veria o avô com os ombros apoiados no marco de uma das portas que davam acesso ao cômodo. Estranhamente, sabia exatamente o que aquele “vamos!” queria dizer. A seriedade que mantinha até então era interrompida, sem motivo aparente, por um pequeno sorriso. Ethan se lembrava de todas as vezes que fora chamado para treinar daquele modo. Assim, era tomado novamente por uma nostalgia reconfortante, seguindo o avô até o jardim.
Ethan morou naquela casa por mais de 15 anos, desde o seu nascimento, mas era a primeira vez que reparava no quão grande o lugar era. Foi graças a longa caminhada da sala de jantar até o jardim que tomou ciência do fato. Não só isto, também nunca parou parar pensar em como tivera uma vida confortável, se comparado as outras crianças da vila. Ethan estava em um eterno flashback, onde nele se dava conta de todos os seus privilégios. Pôde crescer sem nunca conhecer a fome, teve um teto para se proteger nas noites frias de inverno, sempre vestiu do melhor, foi tutorado pelos melhores professores do vilarejo. Pensando a respeito, concluiu que desde sempre esteve fadado ao sucesso.
Foi então que sentiu os primeiros raios de sol tocando a sua pele. A sensação, o calor, fazia com que se sentisse revigorado. Neste momento, aproveitava para admirar a paisagem. Encarou o horizonte, tentando achar o final daquele jardim imenso. Sua vegetação consistia quase que unicamente de um gramado baixo que se estendia por vários metros. Quebrando um pouco a ausência de formas de vida variadas, observava-se algumas poucas árvores espalhadas pelo lugar.
Encarando a paisagem com outros olhos, agora reconhecendo os exageros, via o desperdício escancarado bem na sua frente. Era assustador pensar que a família poderia ter cultivado uma variedade assustadora de espécies de plantas, abrigado um número ainda maior de animais e outras formas de vida com todo aquele espaço. No entanto, preferiam contratar uma equipe enorme de jardinagem para dar fim a tudo que achassem inconveniente.
—
Aluno do Hokage, hein? — Enquanto tirava os sapatos e a sua camiseta de mangas compridas, lançava o comentário ao vento. Diferente das outras vezes, suas palavras estavam livres do seu mal humor rotineiro ou de qualquer sinal claro de desaprovação. Se não conhecesse bem a figura do velho, diria que estava orgulhoso, e estava demonstrando aquilo à sua maneira. No entanto, não era tão ingênuo assim. Certamente estava zombando do fato dele ainda precisar de um professor. —
Um Chunin, sério? Francamente, você não cansa de me surpreender. — Lançou mais um de seus comentários ácidos ao vento.
Aquela nostalgia aconchegante que Ethan sentiu até o momento não resistiu. Oliver era implacável, não parava até destruir tudo no seu caminho. Ele não precisava usar a força, apenas suas palavras faziam o trabalho sujo. Nos dias em que estivesse inspirado, precisaria de um olhar para fazer um estrago daqueles. No entanto, como não tinha muitas pessoas à sua volta para atormentar, se contentava em usar o neto. O pobre coitado não tinha como se defender, aguentava seus golpes o máximo que podia, na esperança de conseguir alguns minutos de paz. Mas, no fim, percebia que aquela esperança não passava de ingenuidade, pois o velho nunca cessaria as investidas.
—
É... fazer o que? — Diante de todo o julgamento, Ethan preferiu não fazer frente as críticas, aceitava tudo calado, como sempre. Concordando com tudo dito a seu respeito, o que poderia fazer? Sabia que era uma falha ambulante e convivia com o fato.
Já sem a parte de cima das suas vestes, deixando todos os músculos e as cicatrizes à mostra, começava o seu exercício matinal. O Ex-shinobi deu um passo firme na grama, deformando o local. Sua postura era rígida, intransigente. Um passo, um soco e, por fim, liberava o ar dos pulmões, reiniciando a sequência. Os joelhos estavam flexionados e as pernas afastadas, cada pé apontava para uma direção. Ainda no processo, forçava o abdome.
—
Você não vem? — encarou Ethan. O Chunin, por sua vez, continuava sentado no gramado. Ele encarava o horizonte com um olhar perdido, refletindo sobre a vida.
—
Claro. Só um momento. — respondeu, assumindo a mesma postura do parceiro de treino. Seus passos não eram tão fortes e também não tinha a mesma disciplina, no entanto, os movimentos eram mais precisos e controlados.
—
Sabe... — respirou —
Mesmo que você ainda seja um zero à esquerda, eu continuo acreditando em você. Está no seu sangue. O seu sucesso já foi decretado antes mesmo do seu nascimento. Mas, ainda assim você precisa aceitar os seus dons. Por que você continua negando o seu sangue, o chamado. Deixe-o ferver. Esse é o seu legado.—
Nós sabemos muito bem o porquê. Eu não quero alcançar algo que nunca poderia ter. É tolice! — bradou. —
Não é a primeira vez que você me fala isso, e volto a te responder: Eu não quero. Não quero recorrer ao poder que matou minha mãe. Ao invés disso, prefiro a morte.Uma ventania inesperada começava. Acompanhando a súbita mudança, a grama chacoalhava de um lado para o outro. No meio daquele caos, avô e neto se encaravam. Eles apenas se olhavam nos olhos, em um silencio mortal. O mais velho esperava ver o neto aceitar o seu destino. Já Ethan, se mantinha fiel as suas convicções, sem ceder a incrível pressão exercida pelo olhar do avô.
—
Já que é assim, vamos prosseguir. — Com um tom sereno, mas carregado de ressentimentos, tiraria os olhos do neto por um momento. Nesse curto espaço de tempo, massageava a testa. Ele se manteve misterioso, preso nos próprios pensamentos. No fim, não precisou de muito tempo para encontrar a solução para fazer Ethan entender o seu ponto. Como toda a criança, o neto não era diferente, precisava ser disciplinado, colocado nos eixos, nem que por meios radicais. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, assumiu prontamente uma postura corpórea diferente, como se estivesse se preparando para uma luta. Começou, a princípio, alongando as pernas. —
Você já sabe o que vem a seguir, não é? Assim como nos velhos tempos. — Sussurrou, não fazendo questão da resposta.
Oliver deu o seu último suspiro, franzindo o cenho no processo. Apesar de não expressar abertamente, estava furioso. Para ele, a ideia de o garoto desperdiçar os dons daquela maneira era um insulto, principalmente levando em conta que o mais novo era mais forte do ele. Ethan tinha algo único. De alguma forma, o garoto conseguia ver coisas que o shinobi, nem mesmo com todos os anos de experiencia, jamais seria capaz.
Então, utilizando toda a raiva como combustível, partiu a toda velocidade na direção do neto, acertando o seu rosto em cheio. —
Vamos!! Eu sei que você é capaz de me impedir!!!! — vociferou, observando o neto caído no chão. Sem dizer nada, Ethan apenas limpou o sangue escorrendo no canto da boca.
—
Me recuso. A minha resposta ainda é a mesma — por fim, respondeu.
Com o gosto de sangue infestando a sua boca, foi impossível não se lembrar da infância, onde era o saco de pancadas do avô. Mesmo que o seu colega de treino encarasse as suas ações de forma diferente, Ethan não tinha dúvida quanto as suas intenções. Sabia muito bem do rancor que o avô nutria por ele, e tampouco podia ignorar a cara de satisfação que sempre observou na cara do velho durantes as seções de treino. Até a forma como limpava o sangue das mãos entregava o fato.
—
Você é uma vergonha para o Clã Uzumaki — antes de ficar inconsciente, aquelas foram as últimas palavras que Ethan ouviu.
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HP: 1425/1425 | CH: 3425/3425 | ST 00/05 | Sakki: 00/50
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Objetivo: Filler de troca de clã - Akagan para Uzumaki
ModAg: aquiNúmero de Palavras: 2490