Depois de chegar tarde da noite no dia anterior, estava cansado e precisava de um descanso merecido. Meu corpo doía, mesmo que não tivesse tido grandes desafios, mas uma semana de missões tinha me causado uma exaustão física e meu corpo exigia, imperioso, por um ou dois dias aproveitando o tempo livre que viria junto da manhã seguinte. Diante da porta do pequeno apartamento em que vivia sozinho, tirei os sapatos, carregando-os para dentro e os guardando em meu armário junto dos outros pares — era um costume não entrar em casa com os calçados usados na rua. Entrei no banho, largando as roupas usadas pelo caminho da entrada que dava na sala até o chuveiro, sem me importar em deixar todas as peças jogadas. Eu só me preocuparia em arrumar e levá-las para a lavanderia no dia seguinte, depois de dormir pelo menos por doze horas. Erguendo o rosto em direção ao chuveiro, recebi o jato d'água gelada primeiro nos cabelos, relaxando cada parte do meu corpo à medida que sentia a temperatura fria tocar minha pele suada. Em seguida, continuei com o meu asseio e depois me enxuguei, ansiando pelo conforto do meu colchão e do travesseiro macio sob a minha cabeça, que vieram na conclusão da noite.


Desorientado, abri os olhos com a luz do meio-dia inundando meu quarto desorganizado com o clarão do dia. Meu corpo parecia ainda não ter recebido de volta minha consciência, que ainda estava perdida em algum canto da minha mente sonolenta. Alguns minutos depois, recobrei a noção de tempo e espaço, deduzindo que o dia já estava mais do que adiantado pela confusão de sons e vozes que vinha do lado de fora, indicando que os comércios e a vida já tinha começado naquela tarde ensolarada em Konohagakure — o que também me dizia que minha entrega já deveria estar esperando por mim na caixa de entregas que ficava no andar térreo do pequeno prédio em que eu morava. Levantei, despertando num rompante de ânimo, abrindo a porta bruscamente e descendo as escadas sem nem me preocupar em calçar os pés antes de sair pelos degraus abaixo vestindo apenas cuecas. Em menos de um minuto estava diante da parede repleta de pequenas gavetas etiquetadas com o número de cada apartamento, passando rapidamente os olhos por cada um das divisões enumeradas a procura da minha, que era uma das primeiras — eu morava no primeiro andar, apartamento doze —, e puxando a minha para verificar seu conteúdo. FINALMENTE, pensei, excitado. Minha encomenda tinha chegado depois de vários dias de espera, quando eu chegava todos os dias e ia direto conferir a entrega que nunca estava onde eu gostaria. Naquela manhã, ou melhor, naquele início de tarde, porém, minha edição de capa dura do Ninja-Morcego tinha sido entregue e eu não poderia estar mais feliz. Tinha me planejado para passar a tarde toda lendo a história do maior detetive do mundo dos quadrinhos em uma edição especial, incluindo os rascunhos dos desenhos em um encadernado prateado, embalado em plástico bolha e duas camadas de papelão grosso, etiquetado com a identificação de seu conteúdo — tudo para garantir que aquela edição comemorativa, limitada, chegasse até mim exatamente como deveria, sem nenhuma página amassada ou qualquer outro dano. Eu simplesmente odiava que meus livros ou quadrinhos ficassem amassados, principalmente uma edição tão especial como aquela, que se tivesse chegado já com algum dano eu seria capaz de ir pessoalmente até quem o entregara para tirar satisfação pelo prejuízo.
Mal podia me conter para começar a desembalar o especial comemorativo de 50 anos do herói e maior detetive dos quadrinhos, mas precisava respeitar meu ritual. Antes de ler, precisava pedir delivery e comer enquanto abria as primeiras páginas — com todo o cuidado, para, claro, não sujar as páginas com os dedos gordurosos. Ah… a magia do capitalismo. Em que outro contexto eu poderia pedir duas entregas como aquelas, tão simples mas tão valiosas para mim, e degustar de um almoço enquanto lia uma edição de colecionador de meu herói favorito? Só o dinheiro pode nos proporcionar esses pequenos grandes prazeres. Depois de pedir gyoza e um lamen tamanho grande, além, claro, de dois rolinhos primavera recheados de brigadeiro, uma ofensiva e deliciosa sobremesa. As várias camadas de massa oleosa e fina casavam perfeitamente com o chocolate em ponto de brigadeiro dentro da trouxa crocante.


Menos de uma hora depois o pedido chegava até mim, que desci para receber a entrega e pagar pelo pedido, que veio em uma bicicleta. O restaurante que preparou a refeição não ficava muito longe, então a fumaça ainda rodopiava pelo ar ao redor da embalagem de papel alumínio grosso, que conservava a temperatura. Ao subir pela escadaria de volta ao meu apartamento, preparei o sofá, puxando pela parte debaixo do estofado e abrindo a mobília que se esticava até parecer uma enorme cama de espuma de tecido. Quase tudo estava pronto, exceto pegar os pratos e talheres que usaria para colocar a comida, além de tirar o encadernado da embalagem de papelão, e eu tratei de começar por este último.
Peguei um estilete velho e enferrujado que eu mantinha em uma caixa de utilidades e usava só para abrir embalagens de plásticos e cortar algum papel de vez em quando, abri pouco mais de dois centímetros da lâmina e a passei pela etiqueta que lacrava a caixa. Em seguida, levantei a abertura e ergui a tampa da embalagem, revelando uma confusão de plástico por cima de uma forma retangular em preto e prateado. Com cuidado, retirei a revista do espaço em que estava contida e dei a primeira olhada. As quase quatrocentas páginas eram pesadas e a capa, grossa e rija. Retirei o plástico que a envolvia e finalmente pude ter em mãos meu item mais valioso. Podia ler Batoman: O Cavaleiro Ninja das Trevas na capa, preto sobre cinza e vários detalhes reluzentes. A comida vai esfriar, pensei, de súbito retornando a mim depois do encanto de ver cada detalhe que tornava a capa daquela edição tão especial. Dobrei o plástico que tinha vindo dentro da revista e guardei para me distrair em outro momento estourando as bolhas, como qualquer um faria. Em seguida preparei o sofá com todas as almofadas que pude encontrar e me joguei com o meu exemplar do ninja-morcego no colo e meu almoço do meu lado. Tudo estava pronto para minha tarde perfeita de descanso.

Considerações:

Era noite e chovia forte em Konohagakure, o tipo de clima típico do fim de um dia de verão. Tinha feito algumas várias missões naquele dia, todas bastante simples, como ajudar senhoras a carregar suas compras do mercado até suas casas cheias de gatos e móveis cobertos por peças de crochê, ajudar animais a descer de árvores ou trocar o chuveiro ou lâmpadas de mulheres solteiras. Apesar de ter tido um dia tão cheio e interagindo com várias pessoas, não tinha tido sequer uma refeição decente. Meu estômago roncava alto, denunciando o tempo desde que tinha comido um pão com manteiga e um copo de café preto, bem amargo, pela manhã. Não sabia bem o que me esperava na geladeira, mas torcia para que pudesse fazer pelo menos uma boa refeição antes de finalizar meu dia. Tal não foi minha surpresa — e decepção — quando não encontrei nada além de uma cebola pela metade, um limão ressecado, alguns dentes de alho e uma jarra de água quase no fim. Não teria escolha a não ser ir à mercearia a duas quadras dali nos últimos minutos antes que fechasse.
Peguei um guarda-chuva minúsculo que não cobria meu corpo todo e saí tempestade afora, andando rapidamente e sentindo o respingo da poças d'água pela perna, desgostoso pela sensação de ter os pés e o tornozelo molhados. Respirei fundo mais uma vez naquela noite, parando diante da porta de empurrar da loja onde eu costumava comprar um pouco de tudo — arroz, pão, macarrão, legumes. Não era surpreendente que tão tarde da noite não encontrasse muita diversidade de alimentos frescos, que só seriam recolocados depois da entrega na manhã seguinte. Comprei ovos, óleo, algumas ervas secas, molho de tomate pronto, queijo e uma garrafa de suco de caju concentrado, do tipo que só precisava ser misturada com água para estar pronto. Pretendia preparar algumas panquecas e me jogar na cama.
De volta ao apartamento, tomei um banho rápido e me coloquei em roupas secas. Fui em direção a cozinha e logo preparei o frango descongelado na parte debaixo da geladeira, acendi o fogão e coloquei o peito desossado na panela de pressão com um pouco de água e os temperos secos que tinha comprado minutos antes. Adicionei sal e pimenta do reino preta, que já tinha no armário, e tampei. Abri a geladeira, peguei o pedaço ressecado de cebola e três dentes de algo, que descasquei com cuidado sob a água da torneira aberta. Em seguida puxei a tábua de corte e uma faca de corte, embora não tivesse muitas cujo fio da lâmina estivesse bem amolado. Coloquei os pedaços de alho em fileira e cortei, sem muita prática, e depois a cebola em cubinhos. De dentro do armário, puxei uma frigideira e coloquei em outra das bocas desocupadas do fogão, adicionando óleo. Enquanto esperava esquentar a ponto de fritar o restante dos temperos, a panela com o frango começava a apitar, sinalizando que o ponto de pressão já tinha sido atingido. Mais vinte minutos , registrei mentalmente. Mirei o relógio, calculando o horário em que deveria tirar a panela da quentura do fogo. Na sequência joguei primeiro a cebola picada, e quando os cubos grosseiros começaram a dourar, joguei o alho picado. Com a mistura, o óleo começava com estalidos cada vez mais audíveis e o cheiro subia em um cheiro maravilhoso, que muitos diriam ser um dos melhores a serem sentidos durante o preparo de uma refeição: alho e cebola sendo preparados na frigideira. Lembrei de um pedaço de bacon que tinha ficado perdido no congelador, e tentei cortá-lo em pedaços menores. Tirei o tempero da frigideira e joguei os cubos de bacon, fazendo com que o óleo espirrasse pela cozinha toda com a água que vertia da carne de porco. Corri para colocar uma tampa e evitar queimaduras ou mais sujeira pelo chão. De súbito, lembrei do tempo que o frango estava na pressão e coloquei a panela embaixo da água corrente, puxando o pino para que a pressão escapasse pela abertura que se abria, e, uma vez que pudesse retirar a tampa, era hora de abrir e escorrer a água. Em seguida, fechei mais uma vez a panela e sacudi vigorosamente com a ajuda de um pano nas duas mãos para suportar a temperatura do metal ao toque. O truque era sacudir por alguns minutos antes de abrir a panela e encontrar todo o frango desfiado sem o menor esforço — um milagre da física que eu não tinha a menor vontade de decifrar, apenas aproveitar. Assim, sorrindo vendo que a manha tinha dado certo, o frango estava totalmente em fiapos. Joguei todo o tempero reservado, misturando a cebola, o alho e o bacon que acabava de chegar no ponto com o frango e com uma colher, coloquei todo o conteúdo da embalagem de requeijão formando uma massa de frango cremosa. Só aquela visão estava me deixando com água na boca, mas ainda faltava preparar a massa da panqueca. Limpei a frigideira e untei com óleo, aproveitando para colocar duas medidas do mesmo em uma vasilha, misturando em seguida um ovo e uma xícara de farinha, além de uma pitada de sal. Com a ajuda de um batedor de arame, girei avidamente o objeto até obter uma mistura homogênea. Acendi mais uma vez o fogo e esperei que a frigideira ficasse aquecida, e coloquei uma concha da mistura que se tornava uma massa de cor ligeiramente dourada dos dois lados. Repeti o mesmo processo mais seis vezes, reservando a massa em uma amontoado delas. Desliguei o fogo e peguei uma por uma, colocando em um prato bem grande, raso. Uma por uma eu preenchia com o frango cremoso e enrolava em seis panquecas perfeitas. Faltava pouco. Abri a embalagem do molho pronto e derramei o líquido vermelho com pedaços de tomate sobre as massas enroladas e depois cobri com o queijo falado. Tirei de dentro da geladeira a jarra de água gelada e misturei com cerca de um quarto do conteúdo da garrafa do concentrado de caju, adoçado com três colheres de açúcar em seguida. Nem me preocupei em procurar um copo limpo, estava faminto. Me sentei à mesa e amassei o jantar em minutos, sobrando nada mais que a bagunça na cozinha para arrumar. Não faria colocaria nada em ordem naquela noite — iria dormir imediatamente.

Considerações: