Allannia permanecia com as mesmas roupas desde o ocorrido, evitando banhos há seis dias. Disfarçava o odor desagradável com perfumes fortes, e a face desgastada da Kage indicava noites mal-dormidas e desagradáveis. A sala magnifica, tal como o assento em formato de trono em que se sentava, não combinavam com a postura desleixada de sua governante. Embora esteja empenhada em cuidar do vilarejo e decidir os trâmites em relação ao seu povo, não teve tempo de resolver suas próprias pendências. O peso de todas as montanhas remanesciam em suas costas.

Os brasões de seu Clã, a Fênix carmesim dos Grey, enfeitavam a sala por completo, sendo mais abundantes que o símbolo de mesma cor de Iwagakure. A presença da prateada no fundo da sala era de uma mulher enigmática, praticamente quebrada por dentro, vislumbrando o jovem Genin em sua frente com um olhar profundo. O sorriso amigável, tal como a postura relaxada, tentava deixar o visitante tranquilo diante de sua presença. Os armários no canto da sala estavam todos abertos, e inúmeros papéis e pergaminhos estavam espalhados, numa tremenda bagunça. Poucos visitantes entravam em seus aposentos, seja pela desordem ou por encontrar a Tsuchikage completamente focada em seus afazeres. Jovem demais para governar, e nitidamente inexperiente para fazê-lo sozinha, estava cada vez tomada por um tormento introspectivo desagradável. A mesa redonda exibia um mapa esculpido de todas as nações, sendo que duas em específico estavam consumidas pela papelada: Kirigakure e Konohagakure.

A carta escrita por Nate estava em seu colo, recém-lida, questionando-se sobre o estado atual dos demais vilarejos. Em sua mão mantinha o jornal lançado em 18DG, num verão, sendo um marco de mais um ano novo. Não havia muito o que ser comemorado, devido aos ocorridos recentes. Analisou Tentsu, um novato, memorizando cada um de seus movimentos. Gostava de testemunhar os hábitos de seus ninjas, tal como se interessava em conhecer suas culturas e modos de viver. Descendente de um povo distante, completamente atípico, Allannia Grey ainda não compreendia muitas coisas.

— Pode me chamar apenas de Allannia, por favor. Não precisa de formalidades comigo — sorriu, ignorando o fato cômico deste ter utilizado do nome incorreto ao se referir a sua persona — Deseja comer alguma coisa? Tenho queijo, leite, algumas uvas e um saboroso suco de abacaxi. Há bastante, e estão uma delícia — indicou o local onde os alimentos estavam dispostos, no canto da sala.

Escutou atentamente as palavras do mais jovem, sentindo-se satisfeita ao vê-lo consumir os petiscos oferecidos. Se o vilarejo fosse mais rico, as iguarias que consumia não seria um privilégio para poucos, mas era uma realidade distante para os seus no momento. O rapaz era eloquente para sua idade, além de possuir certa elegância para um indivíduo vindo da periferia. Conhecia a história da maior parte de seus ninjas, consultando em seus arquivos informações pertinentes destes. Haviam dados nebulosos em seu acervo, destacando certos preceitos contraditórios em muitas das alegações. No fim, apenas conhecia de fato os shinobi quando confrontava seus olhos diretamente.

— Não temos atualmente muitos ninjas disponíveis para proporcionar um treinamento de qualidade para você, mas talvez eu possa fazer algo a respeito disso — levou os dedos aos lábios, recordando dos dados tristes recebidos. Soube que Brakios Sarutobi saiu em uma missão, desaparecendo em seguida, ocorrendo o mesmo destino à sua outra aluna, Utahime Hōki. A equipe estava fora de circulação, e logo precisaria ser dissolvida por ausência de integrantes — Já fui responsável por tutelar um trio, mas creio que não pude fazer um bom trabalho com eles. Quase matei uma delas, que eventualmente faleceu de todo modo. E os demais integrantes, sumiram. Não ensinei absolutamente nada que fosse útil, e nem tenho comigo alguns dos conhecimentos que seriam fundamentais em suas infiltrações e sabotagens. Sou uma Kage, e como bem sabe, excessivamente ocupada — pensou no que diria por alguns segundos antes de decidir, fitando os olhos do menino antes de decidir — Posso ser sua tutora. Quero formar uma geração forte em nosso vilarejo, e não irei desistir desse sonho facilmente. Caso queira, estarei disposta a ajudar. Mas sobre o que disse acerca de colônias e rotas de comércio, temo que nada possa ser feito. Veja bem, não entendo absolutamente nada disso. Chega a ser irônico, não acha? Uma Kage que não sabe diplomacia — forçou-se a rir, com as bochechas coradas. Sua tentativa de acordar um pacto fora deixada para uma data oportuna, e tampouco pôde ser estipulada com melhores detalhes. Na condição de pedinte, caso soubessem, poderia envergonhar o orgulho da Pedra — Somos uma vila adepta ao isolacionismo, e durante toda a nossa história recente fomos irrelevantes. Apenas um de nós fez alguma história, e mesmo ele teve seus problemas — indicou com a mão a estátua do Nidaime Tsuchikage, um homem poderoso que outrora viveu em seus domínios. Seu antecessor — Darkon Hyūga, o nome dele. Um homem poderoso, capaz de intimidar seus inimigos. Famoso pela Alcunha de “O Cruel”. Não tínhamos com o que se preocupar quando ele governava, no que condizia bandoleiros e outros problemas. Mas ele era um homem, e eu sou uma mulher. E jovem. Olhando para meu rosto, você sentiria medo? — sorriu, curiosa. Os olhos marcados pelas noites terríveis, e o corpo magricelo denunciavam maioria de seus problemas. As feições delicadas, mesmo afetadas, não proporcionariam uma visão além de alguém digna de pena.

Allannia não compreendeu a mudança súbita de comportamento do Genin. Tentando se esquivar de qualquer assunto, como se ele não fosse de seu conhecimento, o rapaz anunciou que precisaria sair imediatamente. Era uma informação presente nos arquivos, mas nenhum médico, psiquiatra ou sociólogo conseguiria definir apropriadamente o que poderia ser tal comportamento. Era uma patologia ou distúrbio raro, embora não soubesse bem se poderia ser considerado tal. Sensibilizando-se com a situação do mesmo, apenas assentiu.

— Pode levar quantos precisar, Tentsu-kun. Não há muitos exemplares úteis para shinobis, pois minhas preferências particulares são bem banais. Gosto de ficção, e os demais são artigos sobre liderar, mas não nasci com uma predisposição natural para liderança. Sou apenas uma kunoichi que viu muita gente morta — o seu sorriso era melancólico, como se preferisse jamais ter visto o que viu — Eventualmente, encontrarei você de novo. Eu prometo. Antes de sair, lembre de trancar a porta, por favor. Também estou cansada, acho que irei cochilar após sua partida — confessou, recordando do nível considerável de exaustão em que se encontrava.

Pensou em quais outros integrantes poderiam compôr uma nova equipe, mas não conseguia raciocinar apropriadamente. Ciente das inúmeras possibilidades, preferiu deixar para uma ocasião oportuna. Assistiria os últimos atos do rapaz, aguardando quaisquer palavras utilizadas em sua despedida definitiva. Não sabia quem de fato era Tentsu Hatso, mas aparentou ser um bom rapaz, em sua concepção.