Todos os dias começavam e terminavam de forma parecida. Talvez uma missão aqui outra acolá. Mas a vida de Kali era mais monótona do que o rapaz imaginava. Depois de alguns anos de extrema reclusão e tristeza, a decisão de voltar para a academia e concluir sua formação não fora motivada por poder tocar uma loja de flores ou faxinar uma biblioteca. Queria ser um ninja. Possivelmente integrar a ANBU e dar continuidade à missão de resgate do seu irmão mais novo que fora abandonada. Kali dificilmente se sentia ressentido ou culpado em relação ao que acontecera todos aqueles anos atrás, nos últimos meses. Mas esses dias sentia tudo isso com muita força.
Perguntava-se o que é que poderia estar o impedindo de alcançar missões mais desafiadoras. É claro que não esperava ser colocado na linha de frente da vila em poucos meses. Na verdade, nem o desejava. Mas acreditava que talvez pudesse desempenhar funções menos... domésticas. Sabia que no fundo, mesmo que demonstrasse uma aptidão excepcional para o ninjutsu, sempre seria malvisto por ter saído tão tardiamente da academia. Não conhecia pessoalmente ninguém que se formou tão velho quanto ele. Portanto, precisaria compensar o quanto pudesse com trabalho duro. Não que fosse parte dos seus ideais. Era mais pragmático do que qualquer coisa e sabia quem poderia o ajudar nesse sentido.

“Senhora Kaiane, por favor, sei que sempre designa tarefas paralelas para os jovens ninja.” Disse ele para uma líder comunitária do bairro em que residia. “Sei que deve ter algo que pode me designar.”

De tanto insistir conseguiu convencer a velha. Precisaria buscar um pergaminho num vilarejo próximo, rodeado por uma cadeia de montes rochosos. Não entendia exatamente porque a senhora Kaiane conduzia tantas missões alternativas para os jovens. Mas sabia que tinha contatos em todos os cantos. Tinha curiosidade, mas nem tanto. Havia sido instruído a não abrir o pergaminho. Talvez fosse um segredo, um plano de invasão ou até mesmo as instruções para dominar uma técnica antiga. Isso pouco importava. Sentia mais animação em finalmente poder fazer algo de diferente.
Sair da vila despercebido talvez fosse um desafio, mas Kaiane conhecia uma brecha pouco vigiada e longe do portão principal. O rapaz tentou ser o mais sorrateiro o possível, mas não seria difícil perceber que alguém esteve por ali. O rapaz correu o quanto pôde nesse primeiro momento, tentando ganhar alguma distância da vila. Apesar de ainda conseguir vê-la bem quando parou de correr, sentia-se seguro. Por um momento parou para considerar o que sua iria pensar se soubesse de sua empreitada. Ela se tornara superprotetora desde o sequestro. Apesar de reconsiderar por um instante, decidiu continuar.
O caminho até o vilarejo era denso e as habilidades de localização de Kali não eram das melhores. O rapaz teve sorte de sair tão cedo de Konoha, porque tivesse saído mais tarde talvez tivesse não tivesse saído de um bosque denso antes do entardecer. Lembrou-se de marcar com uma kunai o caminho a seguir para que conseguisse voltar tranquilamente a noite.
Era quase pôr-do-sol quando chegou aos pés do vilarejo. Não havia levado tão a sério a palavra de Kaiane sobre o difícil acesso. A vila era construída sobre uma alta e íngreme cadeia rochosa. Apesar de ser uma boa tática de segurança, o rapaz se perguntava como as pessoas conseguiam acesso a ela no dia a dia. Sabia que precisaria usar suas habilidades como ninja para subir o rochedo. Tentou utilizar a “TÉCNICADOSPÉSPRAESCALAR”, mas a rocha parecia lisa demais.

“Vamos lá, o meu controle de chakra não é tão ruim assim. Eu costumava dominar essa técnica já na academia.” Sussurrou a si mesmo.

Algumas tentativas falhas foram necessárias até que ele conseguiu aplicá-la com precisão. De vez em quando, sentia que ia escorregar e cair. Disse a si mesmo que não deveria olhar pra baixo, mas o fez em um instante e quase perdeu a concentração de chakra na palma dos pés. Teve que inclinar o corpo e se segurar a umas plantas que insistiam em brotar naquele rochedo. Quando finalmente subiu, começou a rir de si mesmo. Ria, talvez um pouco de orgulho, mas, sobretudo de nervoso. Se tivesse caído, provavelmente estaria morto. Ou no mínimo inconsciente e com alguns ossos quebrados. Mal podia acreditar que alguém vivesse num lugar assim.
A vila era pacata como ele imaginara ao vê-la do pé do morro. A maior parte das pessoas que via na rua era composta por idosos. Viu algumas poucas crianças correndo umas atrás das outras, como de costume. Apesar de ser um vilarejo tão próximo de Konohagakure, Kali não via ninguém usando uma bandana ali. Seguiu estritamente as orientações de Kaiane. Não falou com ninguém até encontrar a grande casa vermelha, onde recolheria a mensagem. Não foi difícil de encontrar. Era uma das maiores construções ali. Provavelmente pertencia à aristocracia do vilarejo. Kali simplesmente não conseguia imaginar como alguém poderia ficar rico vivendo num lugar daqueles.
Ao se posicionar na porta da casa vermelha, o menino deu três batida rítmicas na porta, conforme fora orientado. Apenas uma fresta da porta se abriu e ele pôde ver olhos escuros o observando do lado de dentro.

“Por que está aqui?” Perguntou uma voz masculina.
“Fui enviado por senhora Kaiane”. A menção ao nome fez com que tudo se agitasse. O homem abriu a porta e revelou ser também um idoso.
“Não diga esse nome em voz alta!”. Sussurrou o homem puxando Kali para dentro. “Veio buscar o pergaminho?”
“Isso mesmo.”

O homem largou o garoto no hall de entrada e desapareceu por alguns minutos. Quando voltou estava com o bendito pergaminho nas mãos. Kali observou como as mãos dele tremiam. Os olhos arregalados demonstravam apreensão.

“Tem certeza que Kaiane lhe confiou essa missão? Perguntou o idoso. ”Esse pergaminho contém uma maldição terrível. Quem o ler terá que enfrentar uma antiga fera.”
Kali não tinha certeza se acreditava nas palavras do homem. Achava que estava contando esse tipo de história para assustá-lo. Mas, ao mesmo tempo, temia que fosse verdade e preferia não arriscar. Era apenas um ninja iniciante, afinal. Essa era a sua primeira vez saindo da vila com algum outro objetivo do que apenas visitar sua avó.
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Pegou o pergaminho e o fechou com as duas mãos, com medo de vislumbrar o seu conteúdo por acidente. Se sentiu extremamente bravo consigo mesmo ao perceber que existia uma entrada de fácil acesso na cidade. Uma pequena estrada que se estendia por uma parte menos rochosa do morro. Mas segundo seus cálculos, gastaria menos tempo se descesse assim como subiu, com controle de chakra nas palmas dos pés. Afinal já começava a escurecer e teria que passar pelo bosque denso mais uma vez. Mesmo que ele tivesse marcado o caminho com cortes nas árvores com sua Kunai, poderia encontrar animais perigosos ou até mesmo fugitivos no seu caminho para casa.
No início, estava confiante de que tudo daria certo, mas no meio do caminho percebeu que manter o equilíbrio e a coluna ereta era mais difícil descendo do que subindo. Quando estava quase na base do morro, perdeu o controle e levou um pequeno tombo, ralando os joelhos e as mãos. O pior não era isso, e sim o fato de que o pergaminho caiu aberto no chão, se enchendo de poeira. Kali resolveu fechá-lo de olhos fechados para evitar ler o conteúdo. Contudo, se preocupava de que mesmo apenas um vislumbre na parte interior fosse o suficiente para ativar a dita maldição.
Se apressou e entrou no bosque que já estava muito mais escuro do que do lado de fora pela densidade das folhas. Kali mal podia ver os últimos raios de sol penetrando as copas das árvores. Tremia mais do que o senhor que entregara o pergaminho momentos atrás. Não conseguiu distinguir se seu medo era direcionado à maldição ou ao escuro. Quando estava quase chegando na outra extremidade do bosque começou a ouvir barulhos de passos em sua direção. Estava tão escuro que ele precisava se guiar pelas árvores com o tato, tentando encontrar onde é que ele havia feito um corte.
Conforme o som dos passos se tornava mais intenso, mais o coração do rapaz acelerava. Começou a correr desenfreadamente, sem se preocupar muito com a direção. Mas os passos pareciam segui-lo. “Eu devia ter tomado mais cuidado. Vou ser devorado pela fera!” Exclamava em seus próprios pensamentos. Acreditando que estava prestes a viver seus últimos momentos, lembrou dos mais felizes com seu irmão. De repente decidiu parar. “Eu não posso morrer. Estou com medo, mas alguém precisa salvar meu irmão.” Concluiu.

“Pode vir sua besta horrível!” Gritou para todos os cantos. “Faça o seu pior!”

Depois de seu surto de coragem, o coração do rapaz começou a desacelerar e os passos começaram a parecer muito mais suaves do que os de um monstro. Ele finalmente encontrou quem o seguia: um gato magrelo que precisava desesperadamente de ajuda. Ele estava com a língua pra fora em sinal de desidratação. Kali riu da situação e pegou o gato no colo. Decidiu levá-lo até Konoha onde o entregou para senhora Karina junto do pergaminho. A velha pareceu não gostar muito, mas aceitou alimentar o bichano de vez em quando. Pouco antes de chegar na porta da casa de Kaiane, resolveu matar a curiosidade e ler o pergaminho. Ele de fato era amaldiçoado, mas com palavras quentes. Os idosos estavam usando crianças pra trocar recados de conteúdo… adulto.