A Grey não estava acostumada com o poder e a fama. Recém-nomeada Tsuchikage, todas as manchetes e comentários do vilarejo giravam ao redor de sua persona. Ficar em seu Palácio tornou-se insuportável, diversos individuos se aglomeravam querendo audiências, grande parte sobre queixas diversas sobre o estado político e econômico do vilarejo. Muita oposição ainda era vista, pois a nomeação embora seja agradável e plausível para a alta cúpula do vilarejo, diversos poderosos e populares questionavam tal posição. “Nova demais”, “É uma mulher”, “Quem é essa aí? Nunca vi ela fazendo algo por nós” ou até mesmo “A vila virou um bordel, estão nomeando rameiras para comandar a gente”. Os protestos divergiam ao redor de tanto congratulações quanto súplicas, criando uma atmosfera caótica da qual não queria fazer parte.

Auxiliada por Rauros, sua leoa, conseguiu se esgueirar pelos fundos, saindo do alcance de tais curiosos e pedintes, uma ação nitidamente infantil de sua parte. Era incapaz de contornar os ânimos dos populares através de pronunciamento e ações diretas. Apesar de ter concordado em ocupar a posição se fosse o melhor para a nação, ainda era muito inexperiente e infantil. As ruas do vilarejo eram tão inseguras quanto a sua residência, precisando evadir tanto de populares quanto jornalistas, shinobis e outras parcelas do público, que corriam atrás da kunoichi incessantemente. Alguns, misturados na multidão, portavam facas e pedras, ansiosos por encerrar a curta carreira política da descendente de Silvermoon. “Queremos líderes humanos! Estamos sendo governador por uma demônio, uma aberração. Não é o caminho que Jashin reservou para a Pedra”, alguns fanáticos religiosos pregavam, cientes da participação da mesma na derrocada do Deus Caótico, da qual possuía inúmeros adeptos e seguidores ao redor do mundo. Mesmo com a queda do pastor e dos seus, era comum ver tais baderneiros se aproveitando de instabilidades para incitar o ódio.

Tiveram que correr até uma viela estreita, atravessando diversos becos antes de contornar a rua principal, que leva até a construção de grande porte mais próxima: o hospital. Esperançosa de que estaria segura por lá, e que dificilmente iriam procurar por ela no local, se aproveitou da situação para despistar a multidão. Mas quando entrou, os olhos ainda estavam postos em si.

O hospital estava movimentado. Diversos cidadãos feridos em um desastre ocorrido numa das montanhas do vilarejos eram aglomerados em diversas macas espalhadas pelo local. Alguns, sem leitos disponíveis, jaziam no chão e em camas improvisadas. Sentiu uma angústia profunda ao vislumbrar tal cena, contemplando os horrores e o sofrimento que seu povo enfrentava. De seu Palácio magnífico, dotado de dezenas de quartos e cômodos, não passava por situações do tipo. Quando residiu na rua por um período, despejada de seus aposentos, pôde presenciar e compreender um pouco de tal realidade desesperadora. Por mais que ela tenha sido capaz de recuperar o que era seu por direito, nem todos possuíam tanta sorte.

Alguns médicos se aproximaram, prestando reverências. “Tsuchikage-sama”, eles diziam, “É uma honra vê-la. És muito bela”, outros entoavam. “Pelas pedras e montanhas, olha como ela é nova”, outros se surpreendiam. Ocupados em seus afazeres, nem todos da classe médica puderam comparecer em sua cerimônia de posse, sendo o primeiro contato de muitos deles. Limitou-se a sorrir, ligeiramente constrangida. Acenos, algumas breves palavras de agradecimento e sorrisos, principalmente eles, livraram a Grey dos profissionais entusiasmados. A timidez não colaborava com sua receptividade, e a situação estressante enfrentada momentos atrás era o suficiente para querer evitar contatos mais duradouros.

Seguiu até uma sala no topo do hospital, pois algumas enfermeiras levaram a informação de sua presença até a diretoria, e a responsável pelo estabelecimento estava interessada em vê-la. Suspirou, o dia exaustivo havia acabado de começar e parecia que não haveria fim para o seu tormento. Passou por um corredor apertado, repleto por pacientes em espera por salas de cirurgia, seguindo até os andares superiores, passando por um lance de escadas extenso até alcançar o setor administrativo. Silencioso e desprovido da presença do público em geral, podia observar apenas funcionários do setor executivo, notando alguns poucos noviços e noviças, aspirantes a médicos que recebiam suas aulas em um departamento próximo.

Passou por todos até a sala mais afastada, tendo que lidar com novos comentários. A vida de celebridade não seria fácil, conforme percebeu. Precisaria compartilhar a sua atenção com mais pessoas do que seria capaz de contar, e caso não fizesse desse modo a recepção seria no mínimo terrível. Girou a maçaneta, abrindo a porta tão vagarosamente quanto entrou.

O escritório da diretora era minuciosamente organizado. A papelada em ordem, organizada numa mesa de madeira escura. Os quadros, vasos, tapeçarias e estátuas eram alocadas de maneira harmônica no ambiente, grande parte remetendo ao vilarejo e seus heróis. Olhando brevemente para algumas das esculturas, pôde notar nomes gravados em letras diminutas, indicando suas referências. Era como uma viagem no tempo, e todo o cenário não era nada parecido com o que havia visto até então. A diretora era loura e esbelta, trajando uma camisa branca de botões refinada, bordada em seda. A saia, escura, contrastava de maneira elegante com a parte superior, aos moldes do mesmo tecido valioso. Se o resto da população sequer parecia ter condições de obter um leito, apenas pelas roupas poderia elencar o grau de riqueza da mulher.

Ela abaixou o óculos, dando-lhe um olhar demorado, de cima para baixo. O cenho desta estava franzido, o semblante dela era praticamente inexpressivo. Ela gesticulou para que a mais jovem se aproximasse, sem mais delongas. Dispersa em seus pensamentos, Allannia demorou para perceber o quão estática estava antes de retomar o movimento. Sentou-se com delicadeza no assento de convidada, repousando as mãos no colo, apreensiva. Era a primeira pessoa que não parecia se importar com a posição dela.

— Você é estranha, o que estava fazendo parada alí? Eu a chamei para falar comigo, não com minha decoração — a voz da mulher era cortante e azeda, ressoando num tom tão baixo que se não fosse o silêncio, seria impossível escutar.

— Eu fiquei distraída. É tudo tão bonito, tão organizado, tão... — A Grey dizia, nervosa, antes de ser interrompida.

— Você não se porta como uma líder. Não ainda — ela afirmou, falando num tom tão baixo que parecia um murmúrio, desta vez — Suas roupas, seu modo de agir e pensar, estão todos errados. Você será um fracasso se continuar assim. Viu todas aquelas pessoas? Elas precisam de alguém forte, algo que você não é.

— Eu sei, mas... — Allannia tentou erguer a voz para retrucar, antes de ser interrompida.

— Tire essa palavra do seu vocabulário. Sem mas, sem respostas vagas e muito menos desculpas esfarrapadas. Qualquer coisa que você diga, a partir de agora, é um erro — ela suspirou, assinando um último documento antes de colocar os papéis envolvidos em uma gaveta, abaixo de sua mesa.

Pensou em algo que pudesse dizer, sem sucesso. Era uma experiência nova receber reprimendas deste porte, e todo o tom da mulher recordava uma pessoa em específico que lhe gerava calafrios. Abaixou os olhos, reflexiva. Era uma responsabilidade imensa em suas mãos, e não sabia sequer por onde começar. Mordeu os lábios e cerrou os punhos, contendo a avalanche de sensações negativas que tentavam tomar conta de si. Sabia que, se perdesse o controle, estaria perdida. Aguardou que a mulher terminasse suas ocupações momentâneas, ciente de que o diálogo não havia sido encerrado ainda.

— Você aprende rápido, achei que fosse tentar abrir a matraca — ela levou o dedo indicador aos lábios, pensativa — Talvez você ainda tenha jeito, afinal. Bem, tomei minha decisão. Eu irei tirar um recesso, preciso cuidar do meu marido. Temo que o tempo dele neste plano esteja quase no fim, tenho que postergar o máximo que posso esse desfecho — a forma como ela dizia tais palavras, e a naturalidade, eram assustadoras — Você virá comigo, Tsuchikage-sama. Eu preciso de uma auxiliar, e será uma honra hospedar uma autoridade. Eu normalmente levaria uma das noviças, mas creio que a nossa troca de culturas seja mais interessante para nós duas. Você ainda é nova, só precisa de um corretivo. Está de acordo?

— Estou, sim — sequer pensou em uma resposta que fosse mais adequada, deixou que a timidez e a insegurança dominassem seu âmago,  mais uma vez. A resposta automática era apenas uma projeção de seus desejos e expectativas. Allannia estava acostumada em receber comandos, não em comandar.

A Tsuchikage e a mulher saíram pelos fundos, evitando correr o risco de lidar com algazarras. A nomeação ainda estava fresca na memória do público, e a kunoichi desejava evitar os populares até organizar melhor seus pensamentos. Precisariam fazer uma breve viagem até uma residência familiar no interior do País da Terra, da qual a família que visitaria residia desde que o marido dela, um famoso ferreiro de Iwagakure, adoeceu. A oficina dele estava em funcionamento até dois anos atrás, quando uma doença grave passou a ser mais acentuada. Ela teve de ser fechada, e a partir daquele ponto não fazia mais sentido para eles permanecerem nas dependências da vila, próximos de uma atmosfera negativa que se formava. Toda o prestígio, aos poucos desaparecendo.

Apesar de diretora de um hospital, ela contou, o padrão de vida da família era muito elevada para o que eram capazes de arrecadar. Manter uma residência com os mesmos privilégios que tinham antes dentro dos arredores da vila, era mais dispendioso do que simplesmente construir uma nova nas proximidades, relativamente distantes do grande centro econômico, mas mais confortável em questão financeira para eles. Não julgou inicialmente a premissa utilizada, por mais estranha que fosse, seguindo a veterana silenciosamente.

Atravessou o portão, mesmo com o estranhamento dos guardas, que acharam no mínimo duvidoso a jovem saindo acompanhada após o recebimento de seus novos encargos. Simplesmente permitiram passagem, mesmo com os pesares. Os ventos frios de outono eram severos quando a noite estava mais próxima, percebeu quando esteve seguindo rumo. A mulher diariamente fazia tal trajeto, sozinha, no mesmo horário, ela revelou. A dose elevada de orgulho desta dizia muito sobre as suas capacidades, provavelmente sendo mais forte do que aparentava.

— Se tentarem fazer alguma coisa comigo — uma corrente de ar intensa interrompeu momentaneamente a mulher — Vão se arrepender amargamente.

— Mesmo se forem muitos? — Allannia indagou, sentindo um frio na espinha.

— Mesmo se forem uma centena — e então seguiram, com a declaração hiperbólica da mesma ressoando em sua cabeça constantemente.

“Será mesmo?”, Allannia pensou, mas guardou o questionamento para si.

A residência da doutora Fumiko Ito era exuberante, uma autêntica mansão. As apresentações devidas foram feitas assim que estiveram perto de chegar, embora a mais velha já soubesse o nome da Tsuchikage. Era irônico que todos a conhecessem, mas ela não fizesse o mesmo. A situação gerava uma sensação diferente, difícil de descrever. “Será que por isso que tantos perdem a cabeça? É privilégio demais, sucesso demais. É quase impossível não inflar o ego”, Allannia refletia, mantendo os comentários perigosos apenas em pensamento. Caso revelasse alguma coisa do tipo, poderia ter problemas com os populares.

Sempre batalhou contra sensações de superioridade típicas entre os seus. A linhagem de seu ramo familiar era voltado para uma descendência de nobres subordinados de autoridades, sempre os segundos nomes no poder. Allannia era um raro caso, praticamente inédito, de alguém no topo. Embora, se reparasse melhor, a força principal política ainda não era ela. O daimyō permanecia sendo o governante supremo de tais terras, e devia sua obediência ao homem.
Sempre batalhou contra sensações de superioridade típicas entre os seus. A linhagem de seu ramo familiar era voltado para uma descendência de nobres subordinados de autoridades, sempre os segundos nomes no poder. Allannia era um raro caso, praticamente inédito, de alguém no topo. Embora, se reparasse melhor, a força principal política ainda não era ela. O daimyō permanecia sendo o governante supremo de tais terras, e devia sua obediência ao homem, por mais que a aldeia possuísse certo grau de autonomia. Seus devaneios foram tão longe que permaneceu estática por um longo período, antes de ser convocada para a realidade com um beliscão.

— Não me faça perder mais tempo do que já fez, venha de uma vez — ela disse, em tom nitidamente agressivo. A forma como ela agia diante da Grey era como se as posições estivessem invertidas, um claro indício de insubordinação. Allannia, insegura demais, apenas consentiu, seguindo até o que seria o seu quarto.

A residência era praticamente quase que toda feita de madeira nobre, e enquanto passava pelas imediações rumo aos seus aposentos de hóspede, percebia que os detalhes de decoração vistos na sala da diretoria eram triviais perto do que era seu entorno. Esculturas, quadros, aquários, mobílias finas e diversos artigos de luxo se espalhavam por todo o local. Quase se perdeu em meio a tanta diversidade. Foi quando percebeu. Via de tudo, mas onde estaria o marido da mulher?

A dúvida da Grey era a mesma da anfitriã, que procurou incessantemente pelo marido, sem sucesso. Os poucos funcionários responsáveis pelos cuidados do local e o homem enfermo estavam ausentes, e a filha do casal, que deveria estar nas proximidades, se fazia ausente. A matriarca falou pouco dela, breves menções e grande parte resumidas e simplistas em demasiado. Pelo tom que ela dizia, e a forma como ela não parecia se importar com a existência dela, dizia muito sobre a relação das duas. Ela ordenou que Allannia permanecesse em seu quarto até que ela conseguisse encontrar o marido, e caso não conseguisse, partiria em busca de ajuda.

Não resistiu a curiosidade. Aproveitando uma brecha de Fumiko, simplesmente se esgueirou por entre os aposentos mais internos da casa. No trajeto, após o que parecia ser a cozinha, havia uma escadaria que levava para os aposentos mais internos da mansão, provavelmente o sótão, segundo suas deduções. Desceu um lance de escadas considerável, até chegar numa localidade escura e abandonada, exceto por um cômodo afastado parcialmente iluminado. Normalmente utilizaria um de seus jutsu para resolver tal empecilho, mas não queria atrair atenções indesejada. Vagarosamente, tentou se aproximar da fonte luminosa, curiosa para saber o que estaria lhe aguardando. No meio do trajeto, mesmo com todo o seu cuidado, os pés esbarraram em alguma coisa metálica que estava pelo chão, provocando um ruído agudo emanado por todo local. O eco se propagou, e por um instante, parou de respirar quando a voz do homem chegou até ela.

— Ajuda. Fumiko, ajuda. Eu estou aqui — a voz chamava pela diretora, e em instantes Allannia pôde contemplar a cena deplorável que viria em seguida.

O homem estava caído num amontoado de sangue, vômito e urina, e o odor que vinha do local dava-lhe ânsia de vômito. A área parecia com uma oficina improvisada, com uma estante repleta de bugigangas antigas nos arredores. A mesa metálica possuía o que aparentava ser algum dos projetos do Ferreiro, mas os montes de sucata tornavam irreconhecível qualquer ideia que estivesse passando pela cabeça do homem. Levantou o homem, puxando-o com certa força, o suficiente para que fosse erguido sem dificuldades.

— Quem é você? Onde está minha esposa? Para onde você está me levando? Filha da puta.

— Estou ajudando — ignorou a ofensa, por mais que uma dose de fúria houvesse rompido em seu âmago, desejando retrucar em mesmo tom — Fumiko-sama está procurando pelo senhor, estarei levando você até ela — e então, a Grey carregou o ex-ferreiro até as escadarias, cuidadosamente.

Alannia levou o enfermo até a sala de estar, alocando o homem com delicadeza em um dos diversos sofás espalhados pelo local. A esposa dele chegou pouco tempo depois, visivelmente alterada. Ambas se olharam longamente, em silêncio. Não sabia como explicar a sua desobediência, por mais positiva que fosse e tampouco a mulher parecia saber como reagir diante uma afronta. Agradecer ou reprimir? Intimidar ou abraçar? O misto de emoções da mulher naquele instante era notório em sua faceta, pelo que havia visto da mulher até o momento, era o primeiro traço evidente de que ela não era apenas mais uma mulher desalmada.

— Ele precisa ser tratado. Note as expressões faciais, ele está pálido. Irei trazer a medicação — Fumiko disse, sem rodeios. Não parecia interessada em descobrir onde o marido foi encontrado, no momento — Aguarde aqui dessa vez, precisarei de ajuda — ela disse em tom ácido, retornando para a normalidade.

O homem não falou mais nenhuma palavra desde que houve o resgate. Cansado em demasiado, e com claros indícios de desidratação, ele perdeu a consciência. Se Allannia tivesse demorado mais, ou simplesmente decidido permanecer alheia aos acontecimentos, talvez ele fosse encontrado tarde demais. Diferentemente da esposa, o homem possuía feições rudes e pouco atraentes, com uma face quadrada, dentes tortos e cabelos grisalhos quebradiços. Se um dia ele havia sido belo, esses tempos se esfarelaram ao vento, pois estavam distantes. Quando a médica retornou, teve a sua primeira aula de iryoninjutsu de fato.

Após medicado com um antibiótico injetável e um anti-inflamatório, com o intuito de amenizar a febre e as dores do homem ao inibir a enzima ciclooxigenase. Em seguida, seu foco voltou-se para resolver o problema com as fraturas recebidas pela queda, evidentes no ferimento da cabeça e braço direito, supostamente utilizado para aparar o desequilíbrio. Estava quebrado de tal modo que o osso deste se projetava em uma protuberância feia de se reparar, embrulhando seu estômago. Uma luz esverdeada foi emitida pela veterana, passando pelas áreas afetada suavemente com tal jutsu peculiar. O chakra parecia ter um caráter purificador, e aos poucos os ferimentos que antes eram nítidos, deixavam de existir como se não tivessem acontecido. Parecia um milagre, mas já tinha presenciado tais efeitos outrora, principalmente consigo mesma.

— Uau. Sempre quis saber como isso funcionava — Allannia parecia encantada, abrindo a boca numa expressão de empolgação.

— Você terá bastante tempo para aprender. Agora vá e durma, eu posso cuidar do meu marido a partir de agora — apesar de magoada com a forma como a situação havia sido ocasionada, a Grey realizou seu pedido.

Alannia não conseguiu dormir. Apesar de ter sido tratado com naturalidade, o desaparecimento da suposta terceira integrante da família era no mínimo duvidoso. As roupas, parcialmente imundas tanto pelo decorrer do dia quanto o contato com o homem adoecido eram desconfortáveis em demasiado, e não tinha em sua disposição nenhuma roupa para reposição. Com a mente abarrotada de pensamentos negativos, decidiu que iria arrumar algo para se distrair.

Nas estantes de seu quarto de hóspedes, inúmeros livros era dispostos em fileiras minuciosamente organizadas, destacando ainda mais o zelo da anfitriã em pôr as coisas em ordens. Por algum motivo, parecia ser satisfatório atingir a perfeição. A iluminação não estava presente naquele ponto da noite, e acendeu a iluminação apenas traria atenção indesejada. Discretamente, realizou o uso de seu Ninjutsu “Ball of Light Technique”, criando uma pequena bola de chakra capaz de iluminar as proximidades. Controlou a intensidade da luminosidade através de seu elevado controle de chakra, para que a luz não se espalhasse para fora do quarto ou nas proximidades da saída deste, por mais amplo que ele fosse. Não queria atrair atenções indesejadas da matriarca.

Com a esfera reluzente em sua destra, tomou a posse de um dos livros através da canhota, lendo o seu título antes de decidir. “Iryoninjutsu, fundamentos do controle e condução do chakra. Módulo I”, mentalizou, levando o exemplar até a cama. Extremamente confortável, e dotada de um belíssimo travesseiro de plumas de cisne, pegaria no sono facilmente se houvesse disposição o suficiente para dormir. Deitou-se em decúbito ventral, folheando as páginas em busca de conteúdos que fossem minimamente interessantes.

Os primeiros capítulos eram exclusivamente sobre definições de chakra, utilidade e os fundamentos básicos sobre Iryoninjutsu, artigos que já eram de seu conhecimento. A partir do desenvolvimento até a sua conclusão, o enfoque foi modulado para que pudesse compreender a importância de controlar o seu chakra para o uso de técnicas médicas. “Sem o controle de chakra necessário, o paciente pode ser vítima de uma sobrecarga em seu sistema circulatório de chakra e o nervoso central, ocasionando em um estado profundo de coma”, arrepiou-se com a ideia de que mesmo jutsu medicinais poderiam ser danosos, e indagou a si mesma se outros indivíduos eram capazes de utilizar tais capacidades de má fé.

Permaneceu em leitura por horas a fio, adquirindo conhecimentos teóricos fundamentais para a sua compreensão da medicina ninja. Aos poucos, o sono tocava suas pálpebras, mantendo com dificuldades a consciência. Sequer soube definir se concluiu ou não o restante do texto. Allannia adormeceu antes de constatar, exausta.

A Tsuchikage despertou com a sensação de líquido escorrendo por seus cabelos. Excessivamente fria, a água provocou um calafrio intenso em seu corpo, pondo-se de pé de prontidão. Entorpecida pelo cansaço, devido uma noite mal aproveitada, fitou Fumiko com um olhar de profunda exaustão. O semblante da mulher evidenciava uma profunda reprovação, e suas mãos recaíram na direção do livro lido na noite passada, acerca do uso de Iryoninjutsu.

— Um bom livro, ao menos. Durma mais, e de preferência cedo. Vai arruinar a sua pele — a mais velha disse, olhando para a Grey de cima pra baixo — Você está imunda. Tome um banho, imediatamente. Aqui está a toalha — atirou-lhe o tecido macio na direção do rosto, forçando um arquejo da Tsuchikage. Chegava a ser revoltante ser tratada como uma criança, mas apenas aceitou, em silêncio — Deixarei as suas novas roupas na cama, para quando retornar.

Allannia teria indagado onde ficava o banheiro, se não tivesse reparado na porta dos fundos, no canto direito do quarto. Era o banheiro de hóspedes. Surpreendeu-se com o zelo da anfitriã em dar o máximo de conforto e privacidade aos seus convidados, por mais que suas ações reflitam numa rispidez exagerada. Entrou no local, percebendo uma banheira esbelta folheada em ouro. Desconhecia se todos os quartos eram tão luxuosos quanto o que lhe foi disposto, mas o seu palpite era que não. Por mais ricos que fossem, um cuidado tão extremo para com seus hóspedes era no mínimo um exagero descabido. Aproveitou seu banho, embora evitasse ficar submersa. Ainda guardava consigo traumas de seu quase afogamento em Iwagakure, uma experiência da qual jamais esqueceria.

(...)

Encerrada a limpeza, envolveu o corpo com a toalha, embora preferisse que possuísse duas, para que a extra fosse utilizada ao redor dos cabelos úmidos. Abandonou as suas preferências particulares, retornando para o ponto inicial. Disposta na cama, havia um vestido longo e elegante, mas aparentemente quente demais para o outono de Iwagakure. Pôs o exemplar em mãos, avaliando as medidas. Questionou se ele serviria realmente em seu corpo, quando a porta abriu repentinamente. O susto quase a fez gritar, abafando o som com a mão livre. A face corada encarou a mulher, que pareceu notar certa estranheza na atitude da garota.

— Estamos apenas entre mulheres, poupe-me de constrangimento medíocre — ela carregava um cinto e uma obi, uma em cada mão — É como eu suspeitava, em você não serve. Esse vestido era meu, quando eu era mais nova. Pensei que em você fosse cair bem, mas é um pouco mais magra do que eu — ela sorriu, era a primeira vez que via o sorriso inteiro dela.

A mais velha ajudou a Grey com o traje complexo. Exigiu alguns bons minutos de seu tempo, até que fosse ajustado de forma satisfatória em seu corpo. Excessivamente desconfortável, e luxuoso em demasiado. Feito em seda pura, da mais alta qualidade, era no mínimo tão valioso quanto a banheira em que se banhou. Não compreendia as atitudes de Fumiko Ito, que parecia tratar a Kage com um senso maternal exacerbado.

— Fumiko-sama, onde está a sua filha? — Indagou, após reunir coragem o suficiente para tal.

— Sarah é um caso perdido. Ontem passou a noite inteira numa festa, provavelmente rodeada de gente da pior índole. Voltou hoje, pela manhã, bêbada — era nítido o ódio em sua voz — Não parece ser minha filha. Talvez, se ela fosse você, houvesse alguma esperança — a partir desse ponto, ela percebeu parte do que estava acontecendo.

Alannia ficou desconfortável, e era evidente em sua face. O temperamento da mulher e a forma como ela tratava a Tsuchikage como se fosse uma filha, era no mínimo duvidoso. Sentiu a mão esquerda da mais velha tocar seu ombro, pressionando-o. A restante afagou os cabelos úmidos com a toalha, secando gentilmente os fios. A forma como ela divergia entre uma postura agressiva e outra amável causava calafrios. Num dado momento ela aproximou a cabeça da Tsuchikage de seu corpo, num abraço improvisado e afetuoso.

Allannia inicialmente foi incapaz de se soltar da mulher, permanecendo na situação constrangedora por dois longos minutos, que pareceram uma eternidade. Pôde notar uma lágrima caindo em seu rosto, e o semblante emocionado da médica. Ela parecia tão feliz quanto triste, e esse misto de emoções para a Grey pareciam incompreensível. “Eu conheci ela em apenas uma volta de lua e parece que foram anos na cabeça dela”, pensou consigo mesma, incapaz de raciocinar como poderia sair dessa situação.

— Eu espero que nossa convivência seja boa. De uma forma que eu e a Sarah nunca conseguimos tornar possível.

As duas se dirigiram até a mesa, na qual os outros dois integrantes da família se reuniam. O marido dela parecia estar melhor, mas a filha, nem tanto. A marca do que seria um tapa ainda estava em sua face, e os olhos com olheiras indicavam várias noites que não foram bem dormidas, provavelmente em várias noitadas. Era tão esbelta quanto a mãe, com os mesmos cabelos louros de textura lisa, embora mais longos e rebeldes, olhos azuis e profundos. Pelas formas de seu corpo, aparentava fazer sucesso entre os rapazes, e ela parecia saber disso. Enquanto Allannia estava vestindo roupas demais, Sarah vestia roupas de menos, e a mãe reprovava a atitude com o olhar.

— Quem é essa aí? Olha as orelhas dela, parecem duas antenas — Sarah riu, apontando para as duas aurículas sem nenhuma dosagem de pudor — Parabéns, está conseguindo transformar esse lugar num verdadeiro mausoléu. Qual vai ser o próximo passo depois de colocar uma elfa aqui? Chamar os sete anões? — a ironia e cinismo mascarava uma dose implícita de ciúmes.

— Essa “aí” a quem você se refere é a Sandaime Tsuchikage, e você não apenas deve a ela  respeito, como também um pedido de desculpas — o tom severo da veterana indicava que não estava disposta a ouvir nenhuma troça a mais da parte dela — É nossa hóspede de honra, ajudará com Ryotaro e aprenderá comigo as artes do Iryoninjutsu. Talvez, quando estiver preparada, seja uma médica tão boa quanto eu fui — Fumiko-sama gesticulou para que Allannia sentasse, ocupando o seu lugar devido, ao lado dela, timidamente.

O marido da Senhora Ito, após ser limpo e bem cuidado, tinha uma aparência ligeiramente melhor do que o seu primeiro contato, embora os anos passados e as suas feições não colaborarem com dotes mais simbólicos. Ryotaro, como ele havia sido chamado, olhou profundamente para a Grey, analisando-lhe. Desviou o olhar, timidamente, mas era uma atitude comum a ser feita diante de uma desconhecida, partilhando de seu teto e a mesma refeição.

O mordomo, desta vez presente no recinto, dispôs os pratos na mesa, cuidadosamente. Eram sushis, saboreados pela Grey com prazer. Eram bons, jamais havia comido algo parecido. Nenhuma palavra foi trocada durante o decorrer da alimentação conjunta, e o silêncio perpetuou até que fosse interrompido pelo patriarca.

— Fumiko, li nos jornais sobre uma saída repentina da Tsuchikage. Você raptou a garota? Ela é... estranha — as sobrancelhas arqueadas do homem enfatizaram a sua desconfiança, e alimentaram a que jazia no âmago da própria Allannia. Tudo havia ocorrido tão rápido que sequer havia tido tempo de pensar no que estava fazendo e acontecendo. Apenas queria se afastar um pouco do excesso de holofotes, mas causou mais problemas do que os que já tinha, ao fazer isso.

— Trataremos disso, eventualmente. A Kage precisa de um período de instrução, justamente pelo perfil dela. Olhando para ela, pode-se perceber o quão manipulável ela pode ser. Temos que nos certificar que ela esteja em boas mãos. E somos boas mãos — ela deu o assunto por encerrado, conduzindo a Tsuchikage para a cozinha em seguida, sem dar oportunidade para mais comentários.

Diversos peixes estavam dispostos num balcão, conforme ordenado anteriormente pela matriarca. Duas cozinheiras estavam presentes, preparando o que seria o almoço, após algumas horas. Estranhou o motivo pelo qual os exemplares não haviam sido guardados, após a refeição ter sido preparada devidamente para os presentes.

— A sua primeira aula prática começará aqui, e agora — a mulher estendeu as mãos para um dos animais, aparentemente morto — Preste atenção, e não tire os olhos de mim. Veja — as mãos da mulher brilharam no mesmo tom esverdeado responsável por tocar o marido dela. E em instantes, o animal começou a se debater.

Observou que após aplicado o chakra no peixe por um determinado período de tempo, ele começava a se mover. A mulher em seus diversos anos de experiência fazer parecer fácil, mas Allannia não sabia sequer por onde começar. Encostou no animal com o dedo indicador, para que pudesse certificar de que ele realmente havia sido reanimado, após o seu organismo ter cessado o funcionamento após tanto tempo fora d’água. Em instantes, ele morria novamente, mas o propósito dela havia sido concluído.

— Agora, tente realizar o jutsu, equilibrando o seu chakra efetivamente de tal modo que possa alcançar o organismo do peixe. Controle suas emoções, mantenha o seu foco no objetivo e seja paciente — Fumiko explicou, conduzindo a mão da aluna até o peixe ao lado.

Allannia tentou repetir o feito da médica, mas a sua primeira tentativa foi um fracasso completo. Invés de esverdeado, o seu chakra era da mesma cor habitual, de um azul profundo, como se estivesse utilizando um ninjutsu comum. Apesar de possuir um controle de chakra naturalmente impecável, era mais difícil do que aparentava concluir o uso da técnica.

O peixe, após tanta exposição ao chakra de maneira danosa, fritou a tal ponto que a cartilagem carbonizou, desprendendo alguns pedaços deste em forma de cinzas. A mais velha balançou a cabeça, em reprovação, mas parecia estar esperando pelo fracasso da Tsuchikage.

— Eu consegui em minha primeira tentativa, mas vejo que com você não será possível — ela refletiu por alguns segundos, selecionando a próxima alternativa para a situação — De todo modo, o seu controle de chakra não é ruim, portanto há como solucionar esse problema. Aguarde aqui, já sei o que farei — a Senhora Ito partiu, mantendo o passo apressado rumo ao desconhecido.

Enquanto aguardava a matriarca, Allannia viu Sarah aproximando-se em passos leves, silenciosa. As duas trocaram olhares por alguns segundos, enquanto ambas funcionárias questionavam a si mesmas em murmúrios se estavam prestes a ver “baixaria da pior espécie” nos próximos instantes. A loura encarou o peixe carbonizado pela Grey, dando um longo suspiro em seguida.

— Eu também não consegui quando tentei. Minha mãe sempre quis que eu fosse uma médica, assim como ela foi, mas nunca levei jeito pra coisa — ela estendeu as mãos para um dos peixes restantes, emitindo o mesmo brilho de chakra esverdeado, mas o descontrole desta era tão intenso que invés de apenas esquentar a criatura, ele despedaçou em inúmeros pedaços — Meu chakra é muito agressivo, caótico. Não tenho controle algum dele. Talvez você tenha mais sorte que eu, e seja a filha que a minha mãe nunca teve. É o que ela mais quer, alguém pra passar o legado dela. Ser filha da melhor médica do País não é fácil. Orgulha ela por mim, esquisita. É tudo que eu tenho pra falar agora — viu a garota partir em passos apressados, escondendo as lágrimas com os punhos. Uma sensação estranha atravessou Allannia ao presenciar a cena, um misto de culpa e consternação.

Fumiko-sama retornou com um boneco de pano peculiar, repleto de retalhos e botões no que seriam seus olhos. Parecia ser antigo, da mesma idade que Sarah. Ela encarou o peixe despedaçado com certa frieza, mas limitou-se a gesticular para que as serviçais limpassem a bagunça. Entregou a pelúcia para a Grey, conduzindo ela com as mãos até o que seria a sala de estar. Após requisitar o brinquedo depositado no centro da mesa de mármore, ela começou:

— Para melhorar as suas capacidades com o controle apropriado das artes medicinais, você precisará praticar o controle de chakra específico para sua função. É admirável que seja capaz de concentrar suas forças no peixe sem desfazer por completo a sua estrutura, tal como minha abjeta filha, mas não é o suficiente para ser uma Iryō-nin. Se quiser evoluir, precisará seguir exatamente o que eu disser — Fumiko aproximou ambas as mãos do bichano de pelúcia, emitindo o brilho em esmeralda típico para a conjectura das artes médicas ninja. Viu este se mover ligeiramente, após instantes. O conteúdo de seu interior inflou por alguns instantes, e quase acreditou que ele estava vivo de fato, lutando por sua vida, mas era apenas um efeito do treinamento — Tudo o que você precisa é repetir. Vá, e faça.

Allannia concentrou o chakra nas mãos, aproximando os dedos do centro contido no boneco, implicando nele o seu fluxo de chakra de modo corrente. O mesmo não se moveu, tampouco expandiu, implicando uma suposta debilidade em sua conclusão. Permaneceu em ritmo constante, mantendo o seu enfoque na tarefa, determinada. Fumiko Ito observava atentamente, com uma face de estranheza, pois a sua pupila por mais promissora que fosse possuía alguma espécie de bloqueio decisivo em concluir sua tarefa.

Repentinamente, a insegurança dominou o âmago da Grey. Suas palmas passaram a liberar um brilho que aos poucos mudava de coloração, tomando uma forma brilhante e dourada. Algo dentro de si a fez perder o controle por um instante, e um potente jato luminoso em formato de fênix despedaçou a mesa e pulverizou o boneco de treino. A fênix pareceu bater asas por um instante, deixando uma marca profunda no chão. A anfitriã assustou-se dando um passo para trás. Allannia, constrangida, caiu de joelhos, sem compreender o que teria acontecido. Em segundos, o estardalhaço provocado trouxe ao seu redor os demais presentes na residência, no momento.

— Que porra aconteceu aqui? — Sarah disse, horrorizada. A mão desta tapou os lábios, e a expressão de atemorizada tomou conta de si quando percebeu fragmentos da cabeça do que outrora havia sido o brinquedo aos seus pés. A potência do impacto havia sido tamanha que os resquícios poderiam ser encontrados espalhados pela sala, em diversos pontos — Céus.

— Era uma relíquia de família. Quando eu o usei, estava em minha juventude, antes mesmo de Sarah nascer. Em pedaços, agora ele está em pedaços — a frustração era mascarada pela postura austera da veterana, que meramente se limitou a ordenar que os empregados limpassem a bagunça.

— Isso é diferente de tudo que eu tenha visto na vida. Essas marcas, essa potência. Não parece nenhum elemento que eu conheça — Ryotaro coçou os cabelos, pensativo.

— Foi o Plasma, o meu dom de nascença — Allannia conteve as lágrimas, com dificuldades. Prometeu que não faria novamente por trivialidades — A culpa foi minha. Quando eu sinto medo, ou insegura, algo dentro de mim tenta assumir o controle. Normalmente eu consigo conter, mas não sou mais forte o suficiente pra isso.

A Senhora Ito nada disse, embora o seu olhar exibisse algum traço de compaixão. Para indivíduos sem dons de nascença ou talentos proeminentes, uma vida de dedicação e estudos era o único caminho restante para o sucesso. Indivíduos talentosos, mas descontrolados, eram apenas retratos do ciclo vicioso circundante no mundo. Compreendendo isso, sem maiores julgamentos, ela não pareceu se importar com o que havia acontecido, mas a sua decepção era evidente.

— Nem todos são perfeitos, Tsuchikage-sama. Não importa a posição em que ocupamos, somos humanas e temos fraquezas — a formalidade soou fria, quase como uma zombaria, mas havia algum afeto por trás — Talvez eu esteja recorrendo aos métodos errados, com você. Hoje descanse um pouco, e estude os livros, amanhã recomeçamos.

Allannia assentiu, e em passos largos, ela partiu, deixando todos os olhos atrás de si.

Retornou para o seu quarto, completamente desolada. Não recebeu visitas, e tampouco perturbações, assim que a porta havia sido fechada, sua privacidade estava assegurada. Buscou na estante diversos livros para dedicar seus estudos, mas nenhum deles conseguia suprir o vazio incompreensível dentro de si.

A sua mente estava conflituosa, devido aos inúmeros desafios que teria de enfrentar a partir daquele ponto. Seria a Sandaime Tsuchikage, o mais alto posto como uma kunoichi, alcançando o auge de sua carreira aos seus vinte anos. Após a virada da estação, completaria mais um ano de vida, mais um ano sem maiores glórias da qual possa se orgulhar. Por mais que as coisas acontecessem positivamente para si, não se sentia digna o suficiente. E isso prejudicava o seu desempenho, tanto em combate, quanto fora dele, conforme percebeu durante seu treinamento. Respirou fundo, cada vez mais desconfortável consigo mesma e o vestido exuberante. Por mais acostumada com sedas e fios nobres, era um momento inoportuno para luxo exacerbado.

Compreendeu mais profundamente as importâncias e funções mais complexas do Iryoninjutsu, estendendo suas capacidades não apenas para meramente a cura de ferimentos, como o transplante de órgãos, tal como principalmente olhos que possuam alguma capacidade especial. Desconhecia nome e termos para algumas das possibilidades, embora tenha visto um exemplo prático intrigante em Konohagakure no Sato, durante sua missão em prol da Liberty. Quando tivesse tempo, saciaria a sua curiosidade em busca de obter informações sobre tais mistérios, de tal modo que pudesse compreender a importância de tal tarefa.

Reconectar uma orbe ocular em um novo hospedeiro era uma atividade minuciosa, assim como realizar o procedimento com demais órgãos, sendo necessário um enorme controle psicológico e emocional para evitar falhas e complicações. Allannia estudou os procedimentos específicos, assim como os preceitos envolvidos na questão de compatibilidade dos envolvidos, pois há o risco de haver rejeição do organismo, dependendo do caso.

Ouviu batidas na porta, e dado o tempo em que passou desbravando algumas leituras, supôs se tratar do almoço. Levantou-se, ajustando o vestido para caso estivesse bagunçado. Quando girou a maçaneta, expondo quem estava atrás da porta, teve uma surpresa. Não era nenhuma serviçal quem estava diante de si, com uma bandeja em mãos e um sorriso no rosto.

Sarah entrou no quarto, equilibrando cuidadosamente a bandeja antes de depositar a plataforma na cama. Havia um prato contendo um okonomiyaki, uma tigela de sopa de missô como acompanhamento e meia dúzia de taiyakis saborosos. Quando viu as duas xícaras de chá nas bordas, soube de imediato que a garota ficaria.

— Eu sinto pena de você, dá pra ver que não está nada bem — ela tomou para si uma das xícaras, bebericando um gole antes de tornar a falar — Pode comer, se ficar em jejum vai ficar mais magra do que já é. Ei, você não vai falar nada? Nem um obrigada?

Comunicação sempre foi um dos principais problemas da Allannia. Não era por dificuldade em se encaixar na sociedade, dificilmente seria o seu principal problema, era apenas uma consequência. Tímida e insegura demais para confiar plenamente nos outros, toda a situação em que se encontrava era de extrema tensão. Normalmente sequer dormiria na casa de estranhos, ou partilharia da mesma mesa que eles, mas aos poucos a Grey era induzida a se deparar com situações desagradáveis do gênero.

Em quase quatro anos foi capaz de alcançar o mesmo número em graduações, mantendo um intervalo curto de tempo entre cada uma delas. Após ser nomeada Jōnin, o cargo de Tsuchikage caiu em seu colo, e todo o mundo parecia se dobrar ao seu redor como se fosse ser esmagada. A atmosfera conflitante suprimia a liberdade da Grey, fazendo ela sentir medo. Insegura demais para confiar no próprio potencial e nos diversos contatos que queriam sua atenção após ascender ao cargo máximo da vila, sua mente estava uma bagunça e as escolhas adotadas eram opções jamais cogitadas em seu passado recente.

— Arigato, Sarah-san — limitou-se a dizer, mantendo a face corada. Apesar de ter muito a desabafar, eximir a exposição de seus sentimentos para terceiros era a solução mais fácil para si.

— Douitashimashite — a loura respondeu com certa estranheza, zelosa em ser respeitosa e educada. A face desta tornou-se avermelhada, num misto de remorso e constrangimento — Eu queria compensar a forma como tratei você, Tsuchikage-sama. Não fui respeitosa, e um pouco insensível, também. Acho que entendo como você se sente um pouco. Também me sentia muito pressionada pela minha mãe, e isso só me fazia fazer tudo errado. Não ajudava em nada.

— Não é sua mãe que me deixa pressionada — a prateada provou a sopa de missô, tratando de começar a comer antes que a comida esfriasse — Muito boa.

— Os taiyakis são meus favoritos, devia provar — ela tomou um dos biscoitos em formato de peixe para si, saboreando a sobremesa extasiada — Gomen, todos eram pra você, mas não resisti.

Allannia riu, apesar da situação banal. Era a primeira vez em muito tempo em que dava uma risada tão energética, quase deixando cair a sopa cair. A situação de estardalhaço em que as duas se envolveram para evitar a queda da bandeja, com direito a uma acrobacia e equilibrar o prato com o pé, rendeu uma gargalhada de ambas as partes. Quando resolveram a situação, ambas estavam sem fôlego.

— Você até que não é uma mala, mimi-kage — Sarah sorriu. A Grey retribuiu timidamente, não sabia como reagir em circunstâncias similares — Come aí, ou todo nosso esforço vai ter sido pra nada.

(...)

Allannia e a garota estavam deitadas lado a lado, fitando o teto, em silêncio. Estavam satisfeitas, e por alguns instantes a Grey pôde esquecer todos os seus problemas. Gradativamente, eles tomavam forma novamente, sendo dissolvidos na presença da mais nova amiga, caso fosse considerar ela como tal. As duas haviam conversado sobre a vida, e conheceram mais sobre suas vivências e gostos pessoais. A Kage contou sobre Rauros, Amegakure e revelou superficialmente informações sobre sua recente atividade em prol da Liberty, e em como ela se sente assustada quando pensa em uma mulher em específico.

Após muito ser dito, os assuntos foram sendo escassos. Percebeu que haviam contado informações mais triviais sobre elas mesmas, deixando de lado muito do que sentiam ou pensavam sobre suas vidas. Planos para o futuro, ambições e até mesmo motivações foram ignorados por completos. Não foi a única que percebeu isso. Sarah virou-se para encarar a descendente de Silvermoon, confidenciando algo que alimentaria uma chama quase apagada na alma desta.

— Eu queria ser uma Ferreira. Pra falar a verdade, sonho em ser uma Inventora. Passei a vida inteira vendo meu pai construindo coisas incríveis, eu queria ter a liberdade para fazer o mesmo. Mas minha mãe jamais aprovaria, muito menos ele. Não é coisa de mulher — ela suspirou, deixando escapar algumas lágrimas, num raro momento de fragilidade — Acho que nunca falei isso pra ninguém. Não consigo fazer amigas, muito menos amigos. O povo da vila pensa muito diferente de mim, sabe? Eu não me sinto parte disso tudo. Talvez seja nossa cultura, não sei. A vontade da pedra... que se fodam as pedras — riu, dando um soco no ombro da Grey — Você é diferente deles, não sei. Talvez seja seu jeito, toda quieta e com essas orelhas esquisitas. Faz sentir que é uma pessoa boa, que vale a pena ficar perto e confiar — “O Caminho da Luz”, recordou da mãe de imediato.

— Todas as pessoas são diferentes. Ser humana não significa ser igual aos outros. É mais sobre saber como falar e pra quem falar. Talvez por achar que temos algo em comum no fiasco como médicas, você pôde finalmente se abrir — apesar de não ter muitas experiências para contar e muitos anos de vida que possa exibir, Allannia Grey aprendeu com os mais velhos a tentar compreender o coração das pessoas — Um amigo um dia disse que nunca devemos nos esquecer de quem somos, pois o mundo nunca vai esquecer. Deve ser a nossa força, pra que nunca ninguém torne nossa fraqueza — parafraseou o Uchiha, perguntando-se sobre o que ele diria ao reencontrar a mesma com um chapéu estranho em sua cabeça. “Ao menos, as orelhas vão estar protegidas dele”, pensou consigo mesma, incapaz de conter a risada.

— Do que você está rindo? Estragou o momento intelectual, nem parece a mesma maluca que quebrou uma mesa. Na verdade, agora que parece mesmo — ela bagunçou os cabelos da Allannia — Arigato, pelas palavras. Nunca vou esquecer — o tom de sinceridade dela quase comoveu a prateada — Você sente que é como você realmente quer ser? — indagou, ambos pares de olhos azuis confrontando um ao outro, como se o rio fosse sobrepôr o mar.

— Eu acho que sim — mas ela quis dizer que não.

Leram juntas diversos livros sobre Iryoninjutsu, embora a loura não escondesse o tédio em acompanhar a Grey na árdua tarefa. Apesar de desinteressada e pouco apta nas artes médicas, Sarah Ito demonstrou um conhecimento impecável de toda a teoria, devido aos anos de estudo com a mãe. Demonstrava o quanto ela havia tentado satisfazer suas expectativas, antes de aceitar o próprio fracasso. Mas se ela já era boa com os fundamentos da medicina, era ainda melhor nos mistérios da ciência, conforme descobriria durante o jantar das duas. Esgueirando-se entre a cozinha e trazendo consigo duas bandejas, cada qual trazendo sashimi, wagashi e chá. O equilíbrio desta não parava de lhe surpreender.

Após alocar as plataformas em sua cama, a herdeira revelou o vidro de saquê, prontamente recusado por Allannia. A Grey não era muito adepta ao consumo de bebidas alcoólicas, preferindo se manter com o seu chá. Ela deu os ombros, rumando a estante de livros, selecionando um dos volumes em específico. “Os Mistérios da Ciência Desvendados, Deslacrados e Desmistificados. D Triplo, Volume I”, mentalizou o título quando teve ele em mãos.

— Eu gosto bastante dessa linha de livros, é minha favorita. A linguagem é bem fácil de entender, e não tem muitos rodeios. Explica muito sobre a ciência e as teorias — a empolgação da loura era contagiante, mas Allannia possuía certo receio em corresponder.

— Eu conheci um inventor em Amegakure. Nome dele é Kobayashi Indra. Eu chamava ele de feiticeiro, pois tudo o que ele fazia parecia bruxaria — Allannia sempre quis aprender mais sobre o que ele faz para alcançar seus resultados, mas nunca teve a oportunidade de aprender com alguém.

— Não é bruxaria! O mais perto que temos disso são os alquimistas. Acredita que há gente tentando alcançar o elixir da vida eterna? Li sobre uns que queriam a fonte da juventude e a pedra filosofal, um mineral capaz de transformar os outros em ouro e prata. Riqueza infinita garantida, se algo assim existisse, não acha? Alguns suspeitavam que poderiam encontrar ela em Iwagakure, e essa busca incessante custou a vida deles — a história contada pela loura rendeu calafrios da prateada, que quase se engasgou com o jantar.

Leu o livro científico auxiliada por ela, interessando-se pelos fundamentos abordados. Aprendeu de maneira introdutória sobre Química, Física e Biologia, compreendendo algumas das suas dúvidas recorrentes. Descobriu o motivo do céu ser azul, e de como surgia a chuva. Compreendeu como algumas épocas do ano eram mais frias, e outras mais quentes. Quanto mais se envolvia com suas descobertas, mais a Grey ficava cativada com as infinitas possibilidades diante de si.

Estudou os Conhecimentos Científicos e o Iryoninjutsu até adormecer, não aceitando a proposta da amiga, já embriagada, em partilhar da mesma cama. Tímida demais, sabia que não conseguiria dormir acompanhada, mesmo que fosse alguém do mesmo sexo. Assim que a mesma saiu, despiu-se do vestido desconfortável, libertando o corpo do aprisionamento. A liberdade deu-lhe o conforto necessário para desfrutar de uma revigorante noite de sono.

(...)

Diversos livros e pergaminhos estavam espalhados pelo chão, numa bagunça que deixaria Fumiko-sama horrorizada. Despertou revitalizada e sorridente, preparada para mais um dia de estudos. Bocejou, espraiando ambos os braços morosa. Os dedos tocaram o filme lacrimal, abrindo os olhos definitivamente após três piscadelas. Sarah estava esperando, de pé em frente a sua cama, com um sorriso cínico em seu rosto.

— Acordou, dorminhoca. Ia jogar água quente em você, mas estava tão bonitinha encolhida que tive pena — ela riu, e instintivamente Allannia corou, mantendo o lençol próximo ao seu corpo — Quanta frescura, eu nem estou olhando para eles — Sarah revirou os olhos, balançando a cabeça negativamente — Eu trouxe as suas roupas novas, melhores do que os vestidos horríveis da minha mãe, prometo. Aqui a sua toalha — ela atirou o tecido em sua face, antes de começar a remover as próprias roupas.

— Ei! O que você está fazendo? — Allannia gaguejou, constrangida.

— Exatamente isso que você está vendo — o olhar dirigido para a Grey indicava o tom de naturalidade da situação.

— Eu sei me lavar sozinha!

— Eu sei disso, e não estou indo limpar você — ela mostrou a língua, em tom de chacota — Você nunca tomou banho em um banheiro público, né? Mulheres tomando banho juntas é normal, só não é se for com homens.

— Pra mim todos os casos são anormais. É meu momento de privacidade.

— Imagino — Sarah puxou o lençol da Grey, praticamente arrastando a Tsuchikage para fora da cama — Agora cala a boca e vai logo, privacidade na casa do caralho, aqui não.

(...)

Saiu da banheira corada, mas a experiência não havia sido tão terrível quanto imaginava. Conversaram e brincaram com a água, espalhando líquido por toda a parte. Insegura demais para com o próprio corpo, sempre evitou situações em que precisasse ficar sem roupa na frente de qualquer pessoa que seja, mesmo sem segundas intenções. Apesar de tola e casual, a atitude da loura havia contribuído para o desenvolvimento psicológico da Grey, que aos poucos começava a se libertar de sua bolha de princípios.

Ainda constrangida, vestiu-se com o auxílio da amiga, ajustando os trajes desta em seu corpo. Um pouco mais alta que a Grey, a saia da loura apenas encaixou em seu corpo com o auxílio de um cinto, pois sempre cedia sem a presença dele. Allannia fitou a própria silhueta no espelho, inclinando o corpo para os lados, conferindo por todos os ângulos.

— Acho que isso não combina comigo. E essa roupa... ela mostra meus peito! — exclamou, constrangida.

— Não mostra os seus peito, não. E isso tá na moda, se acostuma, você ficou uma gostosa — Sarah vestia as mesmas peças que a Tsuchikage, avaliando cuidadosamente esta, com um sorrisinho cínico — Inclusive, te dá uma boa valorizada na raba — ela deu um tapa sonoro em seus glúteos. Allannia corou de tal modo que pareceu que fosse virar um pimentão, pondo a mão na região molestada antes de murmurar um “Ai”.

— Pelo menos essas são melhores para o outono, e o vento não levantaria — murmurou, referindo-se ao traje anterior, oferecido pela matriarca da casa — Mas não são o tipo de roupa que se usa em casa.

— E quem disse que vamos ficar por aqui? Vou te apresentar o que tem de melhor na vida: o baile — Allannia não sabia mais o que pensar.

Allannia e Sarah não tiveram um caminho fácil de saída. Fumiko Ito aguardava na sala de estar, visivelmente enfurecida com a proximidade entre a filha e a Tsuchikage. Os olhos da mulher refletiam o mais absoluto ódio, mas nenhuma palavra fora dita por um longo minuto, que se estendeu como se fosse uma eternidade. Ela se aproximou em passos largos, desferindo um tapa com a mão pesada na face da loura. Tamanha a força utilizada que o corpo da mais nova projetou-se para trás, numa queda súbita.

— Sua meretriz degenerada. Que péssima influência você é, sua vagabunda. Já não basta ser uma puta, quer transformar a Tsuchikage em uma também — Fumiko olhou de soslaio para a Grey, vociferando as palavras descontroladamente — Eu esperava mais de você, garota. Eu ofereci meu teto, meu conhecimento e minha companhia para você. Quis que você fosse como uma filha para mim, da mesma forma como a sua mãe um dia foi uma irmã — o coração da prateada deu-lhe uma pontada em seu peito, os batimentos cardíacos acelerados ao descobrir da relação entre ambas as mulheres. Aos poucos as coisas faziam mais sentido, e pôde compreender o zelo dela pela Kage — Quando eu soube que você havia sido nomeada, eu estava feliz. Feliz por Allannys que conseguiu ter a excelente educação dada a você recompensada, e por finalmente alguém que pudesse fazer a diferença estar a frente da nossa vila. A trouxe aqui para instruir e devolver você de volta para a vila melhor do que chegou, não para distribuir a sua inocência, da mesma forma que essa daí andou fazendo todos esses anos — a médica apontou para a filha, e a sua repulsa era evidente em todas as suas palavras — Tive que abortar três crianças dessa vadia. Marmita de bandido e de contrabandistas. É esse tipo de gente que você quer ao seu redor, Tsuchikage-sama? É esse o destino que você quer? Ser uma grande e digníssima puta? — enfatizou a última palavra, assustando-se com o rumo da conversa.

— Calma lá, mãe. Pega leve. A gente só ia curtir um pouco — Sarah cuspiu sangue, acompanhado de um fragmento que aparentava ser um de seus dentes — Allannia tem nada a ver com isso, a ideia foi minha. A gente ia sair só, não ia rolar nada. Eu sei o que tô fazendo.

— Sim, percebo agora. Você sabe bem o que você está fazendo — o semblante da veterana estava obscurecido, completamente tomada por sua indignação e repulsa — Você conseguiu, Sarah. “A Fazedora de Putas” e a “Kage Rameira”, uma dupla em tanto. Suas alcunhas como Kunoichi, sim, das duas. Há honra maior do que se deitar com uma chefe de estado, com o mais puro e nobre sangue de Silvermoon? Uma Grey pura, de uma linhagem milenar. Allannys sentiria vergonha de você, se ela estivesse aqui.

— Minha mãe não me vê fazem anos. Eu não sei mais se ela está viva, se está morta. Se ela se importa comigo ou faz pouco caso. A última vez que mandaram um recado dela para mim, era de um casamento arranjado — Allannia confessou, de coração partido, tudo o que sentia naquele momento — Estive esperando por ela todos esses anos, e nem quando eu consegui essa posição ela se deu o trabalho de vir me ver. Prefere mandar os outros por mim, e eu nunca entendi o motivo de tudo isso. Não sei quem é meu pai, já não lembro mais quem é minha mãe e esse Clã só me deu dor. Não me importo com uma história de Reis, Príncipes e Nobres, nem com um sobrenome antigo. Eu só queria ser feliz, mas desde que eu me conheço por gente, não sei de um dia na minha vida em que eu pude ser assim — segurou as lágrimas com toda a força de vontade que conseguiu reunir, cerrando os punhos com o restante da sua determinação — Eu só queria ser eu mesma.

— Então ser você mesma é o mesmo que se vestir e agir como uma cortesã? — Fumiko riu, por absoluto desdém — Você não merece a mãe que tem, Allannia Grey. Será a pior Kage de todos os tempos. Mas isso é algo que jamais irei admitir. Por sua mãe, e por tudo que a sua família representa, não deixarei que isso aconteça.

— O que você fará? Vai me matar? — um arrepio percorreu sua espinha, e a dúvida instaurada no ar criou um silêncio ensurdecedor até que fosse respondida.

— Não sou uma regicida. Eu farei melhor. A coroa será minha, e você irá para bem longe daqui. Vá para o raio que a parta, e faça o que bem entender com seu corpo, se assim desejar. Mas se ponha para fora daqui, das nossas vidas e da vila.

O som de aplausos invadiu o ambiente, encerrando a algazarra de imediato. Ryotaro se aproximou em ritmo compassado, balançando a cabeça no ritmo das palmadas. Os dentes do homem se projetaram num sorriso distorcido, quase maquiavélico, fazendo troça da situação.

— Que belo espetáculo. Os nossos empregados devem estar se deleitando com essa patifaria — ele virou os olhos para o público de baixa-renda, numa expressão de nojo — Sumam daqui, ralé. E foquem em seus afazeres. Não, você fica Joanna, alguém precisa limpar essa mancha de sangue — a funcionária quase tropeçou nas próprias pernas ao responder ao seu comando, prontamente higienizando a área — Isso são modos de tratar a nossa ilustre convidada, Fumiko? Allannia-sama apenas está usando roupas próprias para o clima de hoje, não notou como está quente? Os dias de nosso País... até o inverno não é tão frio quanto poderia. Não julguem as moças por estarem vestidas, pior se estivessem andando por aí nua — ele se aproximou da filha, aparando-a zelosamente — Minha querida, está ferida? Vá com Joanna, vamos cuidar desse seu machucado. Se tivéssemos uma médica de verdade aqui, ao invés de uma besta, poderíamos resolver isso agora.

— Eu acho que agora consigo — Allannia ergueu o dedo indicador, encurtando a distância para com a loura — Estudei bastante, e meu coração está mais calmo. Acho que posso tentar.

— Cuidado, uma tentativa pode ser mais perigosa do que parece. Você tem certeza? Achar nunca é o bastante — o homem parecia preocupado em seu tom de voz, mas os olhos diziam algo difícil de decifrar.

— Tenho. Eu tenho certeza — confiou em si mesma pelo menos uma vez, e após respirar o fundo, estendeu as mãos para a área afetada, tocando a face da amiga.

As mãos de Allannia emitiram o mesmo brilho esverdeado de outrora, e desta vez equilibrou as emoções. Estava ciente de que se perdesse o controle e fizesse o mesmo que havia feito com a mesa, provocaria a morte da loura. Equilibrou a dosagem de chakra necessária, fazendo desaparecer a marca de tapa na face desta, aos poucos. As mãos aos poucos perdiam o brilho, e quando por um instante achou que fosse perder o controle, batalhou contra as emoções negativas, pensando em tudo que refletiu até aquele ponto. Allannia queria fazer diferente, e não seria incapaz de mudar a si mesma se não tentasse.

— Você conseguiu! Você finalmente conseguiu aprender — Sarah abraçou a Grey, ambas rodopiando em animosidade.

— Ainda vai precisar praticar com peixes e bonecos para manter a prática, e assegurar não ter sido um golpe de principiante — a médica veterana murmurou, mantendo os olhos fixos no chão, tocada pelas palavras do marido. Allannia aproximou da mulher, desvencilhando da mais nova, oferecendo o calor do seu abraço para esta — Por quê?

— Estou te dando meu perdão. Apesar de ter me magoado, você não é uma má pessoa — o afeto da Grey era desajeitado, por ser incomum de sua parte oferecer demonstrações de carinho — Apenas o amor pode enfrentar o ódio — emocionada, a diretora chorou, retribuindo o gesto.

(...)

Allannia praticou as artes medicinais com peixes e bonecos de pano com sucesso, conseguindo revitalizar todos os exemplares testados e mover os brinquedos habilmente. Orgulhosa, Fumiko deu-lhe a licença necessária para sair e se divertir por uma noite, desde que ela prometesse ser ajuizada. A dupla de jovens se preparou para comemorar a reconciliação familiar, mesmo com o clima pesado e melancólico que ainda se perdurava no local após tamanho constrangimento.

— Há algo que eu tenho que fazer antes disso, já volto — a Grey alertou a loura, que apenas assentiu.

Desceu as escadarias até o sótão, mantendo o cuidado para não tropeçar de seu salto e torcer um tornozelo durante a descida. Encontrou o mais velho aonde esperava encontrar, em sua oficina pequena, confeccionando alguma coisa pequena demais para que ela mesma pudesse ver.

— Vim agradecer — Allannia se aproximou do homem — O senhor foi muito gentil.

— Não fiz nada, apenas estava retribuindo um favor e corrigindo uma falha — o homem sorriu — Considere que estamos quites agora.

— Hai! — exclamou, acenando com a cabeça, sorridente — O que está fazendo?

— Oh, essa besteira aqui? Uma prótese dentária, para a Sarah — ele demonstrou o que estava se tornando a coroa de um dente, feita de uma porcelana similar aos dentes convencionais — Vou precisar da sua ajuda para colocar isso nela direitinho, mas creio que servirá bem — Allannia olhou maravilhada para a criação, fantasiando um mundo de possibilidades que se projetava em sua frente.

— Você pode fazer qualquer coisa? Até um coração? — os olhos da Grey brilhavam.

— Bom, um coração de verdade, não tanto. Mas posso criar uma máquina que imita o coração, e faz todo o processo de bombear o sangue para o organismo. É trabalhoso, e até caro, mas bem possível. Está sentindo o seu coraçãozinho fraco?

— Não é isso. Acho que ele está forte. Mas algumas vezes palavras machucam tão forte, que é bom saber o que fazer quando um dia ele acabar partindo. Dói muito — a inocência da Tsuchikage tocou profundamente o ferreiro, que demorou para encontrar uma resposta para o que havia ouvido.

— Não se protege o coração criando máquinas para substituir ele. Protege o coração cuidando disso aqui — tocou a testa da mais nova — E isso aqui — tocou seus lábios, deslizando o dedo como se estivesse forçando que se abrissem, na forma de um sorriso — Se estiver com a mente forte e um sorriso no rosto, o coração não vai se machucar com palavras. E nem com nada.

— Arigato, Ryotaro-sama — curvou-se, como demonstração de sua gratidão.

— Douitashimashite. Chame apenas de Ryo-san, por favor. Não gosto de me sentir mais velho do que já sou. Estou forte como uma pedra — ele bateu com força no peito — Vê? Firme e forte.

— Hm! — não soube o que responder, corada. Instintivamente, apenas disse o que a sua voz interior suplicava — Posso assistir quando estiver fazendo um novo projeto, Ryo-san? — corrigiu-se quando quase utilizou o pronome de tratamento “sama” na sentença.

— Claro que pode, a Sarah gostava bastante de me assistir forjando — ele sorriu, amistoso — Volte sempre que puder, Allannia-sama.

— Pode chamar só por Allannia, também. Não precisa ser tão gentil — manteve a face avermelhada, desviando o seu olhar para o chão — Preciso ir, Sarah está esperando por mim.

— Podem ir, divirtam-se — ele acenou, e então a prateada partiu.

(...)

A noite havia caído, encerrando o terceiro dia de seu período sabático distante do vilarejo. Sarah e Allannia percorreram a estrada solitária, iluminadas apenas pelo luar. Insegura e ansiosa. Insegura e ansiosa pelo que veria no suposto local indicado, ambas mãos da Grey estavam trêmulas. Os dedos moviam-se freneticamente, e as unhas arrancavam o próprio braço.

– Promete que não é na vila? Lá deve estar uma bagunça e eu não sei como se resolve sozinha — Allannia estava ciente das consequências de seus atos, e o seu receio possuía uma dose considerável de culpa.

— Relaxa, até tem uns na vila, mas nem se comparam para onde a gente tá indo — empolgada, ela tomou os braços da Tsuchikage para perto de si, incitando a garota a andar mais rápido — Bora logo, que a gente deveria ter chegado de manhãzinha. Perdemos a maior parte.

— Existem festas diurnas? Achei que fossem todas de noite — a prateada desconhecia o mundo que estava prestes a desbravar.

— Não tem hora nem lugar pra se divertir. Você vai curtir, bora logo que a gente vai acabar perdendo a abertura.

— E se me reconhecerem lá? Agora eu sou famosa, a Tsuchikage. Se me virem por aí numa festa...

— Qual é, mimi-kage? No meio da noite, cheio de gente ao seu redor e todos bêbados, quase impossível repararem em quem tá na área. Pra falar a verdade, não conseguem cuidar nem da própria carteira, quanto mais da vida dos outros — ela riu, mostrando um dos exemplos de furtos realizados durante os tais eventos, divertindo-se com as notas nas mãos.

— Ei, isso é errado! Depois você trate de devolver isso, é uma ordem — Allannia não achou nenhuma graça, considerando o ato um infração ética e moral grave.

— Se ele pedir de volta e com jeitinho, quem sabe eu não devolvo — fez troça, empurrando a amiga com os ombros, levemente.

— Você não tem conserto — Allannia suspirou, revirando os olhos — Também tem as orelhas. Não é muito normal encontrar alguém com um par que seja do meu tamanho — a autoestima da Grey aos poucos era consumida com a sua observação. Sarah percebeu a situação, aparando a mesma com um afago em seus cabelos.

— Fica paradinha aí que para tudo tem um jeito — ambas pararam por alguns instantes, enquanto os cabelos da Grey eram ajustados sutilmente ao redor da área alvejada, ocultando parcialmente as orelhas desta. Apesar de ser insuficiente para tapar a protuberância de seu lóbulo, auxiliada pela fraca iluminação e distrações circundantes, poderia facilmente passar despercebida — Resolvido o problema, agora larga de ser frouxa. Estamos quase chegando.

No topo de um morro, passando por uma forte vigilância do local, cujos integrantes estavam armados com bestas, arcos e espadas da melhor qualidade, uma multidão se aglomerava numa pista apertada. Um palanque improvisado se projetava acima dos populares, na qual os músicos e as figuras de importância estavam sendo privilegiadas. Mesmo tendo direito ao posto avançado, devido ao nome de sua família e a condição financeira, naquela ocasião em específico Sarah decidiu manter-se distante dos holofotes, zelando pela segurança e privacidade da sua acompanhante.

Homens dançavam rodeados por mulheres trajando vestes curtas e reveladoras, dançando num ritmo sensual que fez a jovem Tsuchikage corar as bochechas. A música alta, predominantemente de percussão e ritmos improvisados, dominavam o ambiente. Percebeu alguns olhares vindo na direção das duas, e atrás de si se afastava quando sentia alguma espécie de contato suspeito, devido ao pouco espaço que tinham. Não sabia se era apenas impressão sua ou coisa do momento, mas jurou para si mesma que alguém havia passado a mão em suas nádegas.

— Eu não gosto desse lugar — Allannia comentou, quase ao ponto de chorar. Tímida e insegura em demasiado, permanecer no recinto era desconfortável em excesso.

— Você está querendo dançar? — Sarah não compreendeu o que a Grey havia tentado lhe dizer — Safadinha, vambora então — ela puxou a prateada para o meio da pista.

— Sarah, eu não sei isso — a Grey estava extremamente vermelha, e a palavras faltava de tão pouco que era seu fôlego.

— É fácil, eu te mostro. Primeiro você dá uma agachadinha, bem de leves, flexiona bem os joelhos. Depois tu empina tua bunda, dá uma rebolada e vai descendo, bem devagar. Desse jeito aqui, olha — a loura fez uma rápida demonstração, fazendo movimentos de quadril que recordavam um quadrado e, em seguida, flexionando as pernas, mantendo certa distância de uma para outra antes de começar a levar o corpo para baixo, rebolando constantemente durante o processo.

— Isso é ridículo — a Tsuchikage franziu o cenho e observou, horrizada, a cena — Parece uma galinha botando ovo.

— É esse o espírito. Liberte a perua dentro de você e faça parte da cachorrada.

— Eu tava falando de galinha, não de perua e nem de cachorra. Que aliás nem existe, a palavra certa é cade...— sequer teve tempo pra concluir sua frase, pois o público ao redor interrompeu.

— Desce, desce, desce — repetiam em uníssono, insistindo que a inexperiente tentasse replicar os movimentos passados.

Uma sensação completamente nova invadiu seu corpo. Acostumada a não confiar em si mesma, tampouco estar deliberadamente aceitando ser parte do centro das atenções, a insegurança que rodeava seu espírito aos pouco era enfraquecida pela animosidade dos indivíduos. Livre de julgamentos, e num ambiente lúdico e descontraído, decidiu experimentar a dança. Allannia flexionou os joelhos, e após abaixar ligeiramente a altura dos quadris, começou a mover-se de forma coordenada, efetivamente produzindo o “rebolado” instruído. Na emoção do momento, desceu até o ponto mais baixo possível, abrindo e fechando as pernas em sucessão durante o decorrer.

— Aí sim, é desse jeito mesmo que se faz — o público ovacionava a dupla, e a frenesi envolvida entorpeceu a Grey — Vou te ensinar um passinho, mas vê se não rouba toda a cena.

(...)

Allannia estava ligeiramente exausta após horas executando movimentos com o corpo. No meio da empolgação, ignorou um de seus preceitos pessoais e decidiu ingerir destilados. O efeito da bebida em seu organismo instou um misto de sensações em si que desconhecia, aos poucos sendo tragada para um mundo novo. Já não mais se importava com os toques, e ela era quem dançava ao redor dos homens, mesmo com os julgamentos direcionados outrora.

No começo, Sarah achou a situação divertida e engraçada, presenciando a amiga em completo estado de êxtase, mas as coisas começaram a sair de controle gradativamente. Alcoolizada de primeira viagem, Allannia não tardou para estar completamente embriagada, inconsciente de suas próprias ações. A loura, envolvida, estava indo pelo meio caminho, mas dosando um pouco mais a mão em prol da segurança das duas. Nas palavras dela, “Uma de nós precisa estar sóbria nessa porra, e essa não é você. Já tá nas mãos do palhaço”, palavras das quais a Grey respondeu com apenas “Eu não sou a palhaça, meu bem, sou o espetáculo todo”, e exibiu as curvas num movimento sensual.

— Puta merda, parece até outra pessoa — aos poucos, Sarah ficou preocupada com os rumos da festa, principalmente quando a prateada aceitou um convite de subir no camarote, algo que jamais faria em plenas faculdades mentais.

As horas foram passando, e a alvorada estava cada vez mais próxima. O público abandonava lentamente o recinto, embora um número considerável permanecesse para contemplar até o último minuto do espetáculo. Naquele ponto, tanto Sarah e Allannia não estavam mais diante da multidão, caminhando por detrás de um beco, apenas alguns metros distante do palco. Os dedos da Tsuchikage estavam entrelaçados com um músico, o mesmo que havia chamado a prateada para fazer parte do show. Os demais integrantes da banda acompanhavam a dupla, e a loura se esgueirava pelo local. Havia tirado a atenção da bêbada por um instante, e ela estava no meio de uma enrascada após isso.

— Vigiem as entradas, não deixa ninguém passar — as narinas do homem estavam cravados no pescoço da Kage, e as mãos ameaçando descer da cintura desta, quando a loura se aproximou, derrubando uma lata de lixo no processo.

— Ei pavão, qual é?. Ela não tá legal, deixa eu levar a pobre coitada pra casa — a herdeira tentou negociar, estendendo as mãos em sinal de paz.

— Não sabia que era promoção. Pegue uma e leve duas, hoje é o nosso dia de sorte rapazes. Duas gostosas só pra gente — o bando riu, circundando a pacifista — Poxa gatinha, não precisa ficar com ciúmes. Tem pena de pavão o bastante para as duas.

— Eu não tô pra brincadeira. Nós dois sabemos que ela não sabe o que tão fazendo — ela se desvencilhou do grupo, puxando a Grey pelo braço, com o intuito de tirar a garota dalí.

— Me larga, Sarah. O pavão disse que ia me mostrar a cauda dele. Quero ver como que é — a ingenuidade da embriagada não a fazia capaz de compreender o que estava acontecendo.

— Eu garanto que não vai querer conhecer ela — ela puxou novamente, sendo repreendida pela amiga, que usou a força máxima para se libertar da loura.

— Isso é inveja? Que ele me quis ao invés de você? É que sou muito mais gostosa, tá legal? Agora vai saindo que você tá cortando o clima — a Grey debochou, retornando para os braços do meliante.

Os homens ao redor fecharam a entrada, dificultando seu campo de visão. A última cena que viu foi a da Grey sendo encostada na parede, de frente para o homem. O som do cinto que deveria pertencer a ela caindo no chão veio em seguida, e as lágrimas rolaram pela face da loura. Recordou da mãe, e de todos os alertas. “A culpa foi minha. A ideia foi minha. Eu não cuidei dela. Eu prometi que cuidaria”, Sarah pensava consigo mesma, quando o som de algo rasgando tomou conta do ambiente. Alguma palavra sórdida sobre algo havia sido dita, e o som de zíper a fez prender a respiração.

— Que porra é essa que tão arrumando na minha área — um trio de homens fortemente armados abriu alas, portando armaduras pesadas e espadas longas — A putaria não tá liberada, fechou? Tem criança dormindo, porra. E pai de família querendo descansar. Que pouca vergonha — o comandante dos homens percebeu a herdeira chorosa no ambiente — Sarah, mana, que tu tá arrumando nessa? Que a gente combinou naquele papo que te dei mesmo?

Ela balançou a cabeça e apontou para os dois, com as lágrimas nos olhos. O homem, que já estava afastado, tentou escapar, mas não teve tanta sorte.

— Vai vazar não, patrão. Peguem o filho da puta — a dupla de subalternos capturou o transgressor legal, enquanto os restantes que tentaram escapar eram rapidamente suprimidos tanto pelo Jōnin quanto a garota — No meu morro, mulher não sai chorando e canalha não desce rindo. Aqui nesse caralho é do meu jeito — a Tsuchikage fora resgatada, sem maiores empecilhos.

— Arigato, Garwin-sama — Sarah emocionou-se.

— Agradeça sua mãe, ela quem mandou eu ficar de olho nas duas — o homem deu um tapinha nas costas da garota e voltou-se para a Tsuchikage — A senhora devia ter mais cuidado com essas bandas, Tsuchikage-sama. Tá todo mundo procurando por você lá na vila, e eu acho que ninguém iria curtir te encontrar desse jeito. Bom, exceto por marginais dessa laia aí — evitou olhar diretamente para a Tsuchikage, de modo que pudesse ser respeitoso ao estado atual desta.

Os guardas cobriram a chefe de estado com uma capa, pois o body tule e o sutiã haviam sido despedaçados pelo indivíduo. A saia permanecia utilizável, de tal modo que poucas peças precisassem ter sido repostas. Acompanhadas pelo comandante da operação, foram escoltadas até a residência dos Ito. Fumiko aguardava, sentada no sofá da sala de estar, quando ambas passaram apressadas até o banheiro, evitando comentários e conversas.

Allannia passou longos minutos vomitando, pondo para fora os resquícios da noite. Sarah assistiu toda a situação ligeiramente abalada, pensando nos momentos de tensão vivenciados.

— Parabéns, você teve o seu primeiro pt — a herdeira tentou soar descontraída, mas o clima pesado matava qualquer tentativa de humor.

— Não enche — ela retrucou, antes de regurgitar mais uma vez.

— Vocês chegaram aos finalmentes? — Sarah questionou, preocupada.

— Não sei do que você está falando — Allannia estava acabada, o efeito da bebida abalou a garota.

— Você sabe bem do que tô falando.

— Não sei de nada. Cala a boca — a Grey perdeu a paciência, pondo-se de pé.

— Abaixa o tom quando estiver falando comigo — a loura empurrou a amiga, que devolveu, e ambas quase entraram em combate corporal quando ela interrompeu — Chega, porra. Acabou o show. Lava a cara — ela conduziu a cabeça dela para a pia, mergulhando a face da Tsuchikage em água.

— Desculpa — a bêbada respondeu, limpando a face com uma toalha de rosto — Fiz merda, né?

— Não sei, você fez? — ela segurou os ombros da Grey, desferindo um olhar longo e profundo.

— Foi quase.

— Então ainda não fez, foi uma quase merda — Sarah soltou a outra, suspirando aliviada — Minha mãe iria me matar se eu te devolvesse deslacrada.

— A cauda do pavão. Não é como eu pensava.

— Eu avisei. Agora vai dormir, e não abre mais a boca. Tá foda — a prateada acatou, fechando a porta antes de sair.