Acordava, sentindo a aurora entrando pelas janelas do quarto com seus raios amarelados. Sem me levantar de imediato, mantinha o corpo repousado sobre aquele colchão duro e com um cheiro que já me deixava incomodado a muito. Sequer sabia o que faria hoje, mas também não sentia que isso era uma questão tão urgente assim, então continuei ali, deitado e sem muitas preocupações.

O tempo passou, o sol ficava cada vez mais quente e, com a minha vontade de ir no banheiro crescendo, resolvi saltar da cama. Mas antes de o fazer, abri a janela do quarto, que até então estava entreaberta, e admirei aquela mesma paisagem de sempre. Respirava profundamente, deixando o aroma das árvores entrarem pelas narinas.

Depois de cumprir todas as obrigações que tinha logo cedo, como tomar um longo banho e escovar os dentes, descia as escadas circulares da minha casa. Com isso, pude mais uma vez me deparar com os raios de sol amarelados que, descaradamente, adentravam aquela casa de muitos cômodos e poucas paredes.

Enquanto me dirigia até a cozinha, olhando por entre porta escancarada do quarto do meu falecido avô, me deparava com aquele mesmo buraco no chão; buraco esse que havia sido feito por mim a alguns meses atrás, logo após ele morrer. Não só isso, também fiquei imaginando o que o velho diria se visse aquilo no seu quarto. “É um imprestável mesmo, nem consegue criar coragem para arrumar as merdas que faz”, pensava.

É verdade que achava o simples ato de fazer um reparo uma chateação, e é por isso que queria adiar aquilo o máximo que pudesse, mas também era verdade que sentia um pouco de remorso pelo que havia feito. Então estava decidido, após o café da manhã iria comprar algumas tabuas de madeira para tentar remendar aquele rombo no chão.

Assim o fiz. Depois de preparar e comer algumas torradas, que foram acompanhadas por um chá de ervas, não prolonguei mais a minha estada em casa.


Enfrentei uma longa jornada até poder retornar para casa, e boa parte disso foi por conta da minha falta de experiência quando se tratava desses assuntos; mas enfim havia conseguido retornar. Carregando três tabuas de madeira, que tinham por volta de 1,5 metro de comprimento cada, transpassava a porta de entrada, e, sem mais delongas, entrava no quarto.


Assim que adentrei o cômodo, quase que de forma instantânea, senti uma energia pesada sendo emanada dali. Mas pouco me importei com isso, apenas queria terminar logo de fazer os reparos no chão.

Segurando em mãos um martelo e um punhado de pregos, que havia comprado junto da madeira, me abaixava, tentando analisar a situação. Agora, olhando o rombo mais de perto, chegava a pior conclusão possível, percebia que não fazia a menor ideia de como se fazia aquilo. Até me passava algumas ideias pela cabeça, mas nada muito concreto, apenas um bocado de ideias idiotas ou sem sentido algum. Foi então que pensei em chamar um profissional para me ajudar com esse problema, mas não muito tempo depois lembrava que não tinha dinheiro para bancar uma reforma desse tipo.

– Fala sério... E agora? – Sem conseguir pensar em nada, me dava por vencido. Então levantei do chão, deixei aqueles instrumentos encostado em uma das paredes e me retirei.

O tempo passou, e dia após dia continuava a ignorar aquele problema. Mesmo virando o rosto toda vez que passava em frente ao quarto do falecido, ainda assim, não conseguia me eximir de toda a culpa. Conforme ia coexistindo com aqueles fantasmas, que assumiam a forma de um buraco frio e escuro, tentava me convencer de que estava tudo bem. Contudo, a culpa parecia não reagir às minhas tentativas, muito pelo contrário, cada vez mais o meu monstro atrás do armário parecia ficar maior, graças aos sentimentos negativos que o alimentavam.

Quatro semanas, esse foi o tempo que aguentei, até que enfim cedesse à pressão. Basicamente, viver naquela casa estava se tornando algo impossível. Então pelo bem da minha saúde mental, resolvi que precisava dar um jeito resolver aquilo, mesmo que não tivesse dinheiro para tal.

Parado em frente a porta daquele quarto, mantinha uma respiração irregular, que era acompanhada de um olhar assustado. Dei o primeiro passo. Ao contrário do que eu imaginei que fosse acontecer, não tinha sido desintegrado por um raio mágico que tinha sido alimentado pela culpa que nutri por todos esses dias, mas também não podia dizer que sentia algum alívio por estar naquela saia justa. Então, me dirigindo até os itens que tinha guardado rente a parede, comecei a pôr a mão na massa. Com isso, enfim havia dado início ao meu plano nada genial de pregar as tábuas de qualquer jeito no chão, apenas por desencargo de consciência.

– Feito! – Vendo o trabalho bem mais ou menos, mal acabado e desleixado que havia acabado de fazer, dava a situação por encerrada.

Gradativamente, o peso que repousava sobre os meus ombros ia ficando mais leve, no entanto, isso não durou por muito tempo. Enquanto via se estava tudo nos conformes, reparei em algo que foi capaz de fazer com que mudasse completamente o meu semblante, que até então era sereno e calmo. Via, não muito longe de um dos pés da cama, uma lasca de madeira se soltando do chão; não só isso, ela também apresentava ter uma coloração meio esverdeada.

A princípio, fiquei confuso com aquilo (e até com um pouco de raiva), mas não estava disposto a deixar que um probleminha daqueles me atrapalhasse. Assim que me aproximei, sem nem pensar nas consequências que aquele gesto podia trazer, comecei a tentar “ajeitar” (fazer pressão) aquele pedaço de madeira que tendia a fazer um C. Foi então que o pior aconteceu. O chão, aquele mesmo chão que havia acabado de “concertar”, cedeu novamente.

Diferente de antes, o estrago agora tinha tomado proporções muito maiores; era algo que não poderia ser facilmente arrumado. O mais impressionante nessa situação toda nem tinha sido esse estrago em si, mas sim o que ele revelava. Aparentemente, em baixo daquele quarto havia uma espécie de porão escondido. Embora o lugar não fosse tão bem iluminado assim, ainda conseguia ver muita poeira, alguns pergaminhos velhos, algumas caixas de papelão, baús espalhados por todo lugar e alguns livros. O lugar não me parecia ser muito espaçoso, mas de algum jeito aquilo tudo cabia ali dentro.

– Não brinca... Que merda é essa?! – Semicerrava os olhos – E mais importante, por que alguém deixou isso tudo escondido aqui?

Visando esclarecer essas e as outras dúvidas que tinha, resolvi me esgueirar por entre aquele buraco que havia acabado de se revelar. Mal tinha entrado ali e já sentia um cheiro fortíssimo invadindo o meu olfato. Pousando no chão, com uma certa dificuldade, comecei a percorrer o lugar com os olhos.

A medida em que tocava em algo, sentia um certo desconforto nos dedos, pois no segundo seguinte eles ficavam completamente empoeirados. No entanto, não deixei que o meu desconforto me afastasse da verdade.

– Vejamos... Por onde será que eu começo? – Foi então que me deparei com uma mesa de madeira, que era de um tom amarelado e cheia de entalhes, como se fossem desenhos.

Por fim, resolvi me dirigir para a mesa que ficava no final daquela sala, que se mantinha firmemente encostada na parede. Chegando lá, via um único livro sobre ela, uma pena e um recipiente com um pouco de tinta, tinta essa que já estava seca e sem brilho algum. Não sendo capaz de conter a minha própria curiosidade, tomava agora em mãos aquele caderno de anotações.

– A-n-s-eios? – Mas que merda título é esse?

Anseios

Primeiro mês

Dizem que à medida que o tempo passa, as nossas preocupações vão diminuindo cada vez mais. Não sei se isso é tão verdade quanto dizem, mas algo é certo: A cada dia que se passa, temo mais pelo que o destino reservou para essa criança. Como se não fosse o bastante ele ter perdido a sua mãe, agora tem “isso”.

Mesmo que tenha conseguido trazê-lo em segurança para a folha e, consequentemente, protegê-lo com o meu nome, ainda me pergunto por quanto tempo essa farsa vai durar. Uma bomba relógio, esse termo descreve perfeitamente a situação do garoto.

E como se não bastasse todos os desafios que ele vai ter que enfrentar, ainda tenho que me preocupar com aquele homem. Não acho que ele vai simplesmente desistir e parar de nos procurar, tampouco de querer o que é seu por direito.

Ainda não posso dizer que me recuperei totalmente de tudo que aconteceu nesses últimos meses, e nem sobre o que fiz durante toda a minha vida, mas se quiser protegê-lo de tudo isso, preciso ser mais forte do que nunca imaginei ser.

É até estranho me imaginar como um pai, logo eu, a pessoa que não esteve ao lado da filha quando ela mais precisou. Droga... como é que eu pude deixar isso acontecer com ela? Bem que gostaria de culpar aquele canalha por tudo, no entanto, percebo a parcela de culpa que tive.

Terceiro mês

A forma com que ele evolui no seu treino é assombrosa. Será que isso é graças ao poder da sua linhagem sanguínea? Espero que não. Sendo honesto... ele não é uma das pessoas mais esforçadas e dedicadas que conheço, mas independente disso, o garoto não para de me surpreender. Não digo isso apenas pelas suas habilidades e aptidões, isso vai muito além disso, vai mais além até mesmo do que consigo explicar com um punhado de palavras.

Sexto mês

Depois de observá-lo por todos esses meses, tenho quase certeza de que ele não se lembra de absolutamente nada, ou então ele apenas não se abalou com as cenas que presenciou. É triste pensar que ele já tenha sofrido tanto assim, apesar da tão pouca idade. Me corta o coração saber disso.

Para o meu neto

Garoto... Eu espero que você nunca chegue a ler nada do que relatei durante esses anos. No entanto, caso venha a descobrir toda a verdade, só queria te pedir para nunca sucumbir perante essa linhagem amaldiçoada da qual faz parte. Espero do fundo do meu coração que você não deixe o seu sangue Uchiha falar mais alto. E espero que você nunca tenha o desprazer de se encontrar com o An...

Deus... Como queria ter a dadiva da vida eterna, para que assim pudesse estar sempre ao seu lado, te protegendo e zelando por você. Pensando bem, se você estiver lendo isso, não vou nunca mais poder te proteger desse destino cruel que o seu nome carrega. Então só queria te dizer uma última  coisa: Nunca... Escute bem, nunca deixe que o demônio tome conta dos seus olhos e do seu coração.

Considerações: