— Panquecas, meu favorito! — a criança, ainda recém genin, exclamou enquanto descia as escadas em direção à cozinha de sua residência, quase pulando os degraus de tão rápido, agitado pelo cheiro de comida que espalhava-se lentamente pelos cômodos  — Sim, sim, só tente chegar com todos os dentes na boca até a mesa — calmamente o mais velho respondia à gritaria, já sabendo que o aviso surtiria efeito algum. Na sua família, seu pai era quem cuidava das tarefas domésticas, então não era incomum encontrá-lo de manhã vestindo um avental e servindo o café — Como foi sua noite, filho? Soube que hoje vai treinar com seus amigos — a mulher perguntava carinhosamente, olhando nos olhos esverdeados de Aoi com serenidade. Diferente de seu pai, a mãe mal passava tempo em casa. Devido ao trabalho no hospital, passava lá a maior parte dos seus dias, mas enquanto estava em casa sua prioridade era sua família. — Bem, dormi bem, foi boa mamãe — disse, ainda afobado, levemente cansado por ter feito todo o caminho correndo. Passou pela sua mãe, beijando sua bochecha como bom dia, e repetiu o gesto com seu pai na forma de um high five, para então sentar-se à mesa.

— Então filho, o que você tem treinado? — seu progenitor agora terminava de arrumar as louças, trazendo-as para a mesa assim que terminou sua fala — Ah, você sabe, treinando juntos, coisas assim — Aoi estendeu seu braço, alcançando um prato e talheres, começando a se servir logo depois, não conseguia focar em nada direito enquanto aquelas panquecas estivessem na sua frente. Os pais se entreolharam com sorriso nos rostos, conheciam bem a criança e sabiam que aquela conversa evoluiria para nada — Bem, então coma bastante pra ter bastante energia! — o ruivo concordou, agradecendo pela comida para então devorar as panquecas do seu prato. Sua mãe saiu primeiro, faltava pouco para seu expediente começar. A criança ficou por mais um tempo ajudando o pai a lavar os pratos, aproveitando para conversar um pouco sobre qualquer coisa que vinha à mente, antes de também sair em direção aos campos de treinamento para encontrar os outros genins com quem tinha marcado o compromisso.

O dia estava perfeito, não tão quente, nem tão frio. O sol brilhava num céu límpido, mas uma brisa fresca surgia de tempos em tempos para manter o clima agradável. No caminho, encontrou os dois colegas, estes que faziam parte de um pequeno círculo de amizades que fez durante os estudos, e que agora treinam juntos quando há tempo para isso. Os dois trouxeram alguns presentes para o Chinoike: pirulitos de framboesa, seus favoritos. Ele aceitou com um sorriso largo e olhos brilhantes, que logo deram lugar à vergonha de não ter nada para oferecer em troca — É presente, Aoi, se liga! — a menina exclamou, desferindo um golpe inofensivo no braço do ruivo. Após um breve, mas que parecia eterno sermão sobre aceitar presentes, os três terminaram em risadas e continuaram o caminho até seus objetivos, trocando de assunto para as técnicas as quais procuravam dominar para os próximos dias.

Eles chegaram em pouco tempo, a conversa pareceu ter encurtado a distância o bastante para surpreender os três. O lugar estava vazio e sem sinais de que alguém tivesse ido ali antes dos genins. Aos poucos, cada um se organizou para começar a praticar aquilo que era de interesse. Os dois colegas se preparavam para começar uma luta amigável entre si para melhorarem suas habilidades físicas, enquanto Aoi se afastou alguns poucos metros para poder se focar em outra coisa.

O Chinoike estava lá para explorar os limites da sua herança genética e as possibilidades que o seu doujutsu conferia para suas capacidades. Por isso, seu objetivo ali seria treinar a manipulação de líquidos com ferro. Era comum que ele utilizasse uma água repleta desse metal nos treinos, mas muitas vezes sentiu que sua afinidade com Suiton sobrepujava a manipulação do ferro em si, e não conseguia avançar. Dessa vez, tentaria uma abordagem diferente, e usaria o próprio sangue para tal.

A prática em si de maneira alguma causava algum tipo de aversão no menino, mas a necessidade de ter que se ferir para isso era um pouco estranha para ele. Pegou uma de suas kunais e engoliu seco, encostando o fio da lâmina contra a pele de sua mão. Fez um corte em diagonal na palma e, quase que instantaneamente, o líquido carmesim escorreu do ferimento. Fechou os olhos por uns segundos, concentrando-se, e logo a íris esverdeada deu lugar para o rubro do Ketsuryūgan. O sangue, naturalmente misturado ao seu chakra, se amontoou em um orbe disforme logo acima da palma de Aoi. Ele havia conseguido manipular alguma coisa, apesar da geometria estranha, o que já satisfazia algumas de suas vontades.

Não muito tempo depois disso, um outro grupo se aproximava dos campos. Suas vozes podiam ser ouvidas à distância, pois não se preocuparam nem um pouco com o volume da conversa. Os três amigos se entreolharam, eles reconheciam a voz, e previram que era problema.

E estavam certos. O grupo que chegara ao lugar era nada menos do que um grupo encrenqueiro de genins, recém formados assim como Aoi e seus colegas. A diferença estava nas idades, naquele grupo estavam adolescentes um pouco mais velhos, alguns com apenas meses de diferença, mas que era o suficiente para subir a cabeça a falsa sensação de superioridade. Distraídos com a conversa, demoraram para perceber que tinham pessoas ali, mas não o suficiente para que o ruivo e os outros dois conseguisse sair de fininho.

— Olha só se não são os fracotes brincando com suas faquinhas — provocou, olhando na direção dos dois que treinavam entre si — Cuidado para não cortarem os dedos — a trupe que o seguia gargalhou, reforçando a posição de escarnecedores que tinham orgulho de assumir. Um deles comentou apontando para Aoi, soltando uma risada — Olha só, aquele ali já se cortou! — e todos riram com maior intensidade. Aoi se acanhou, sem reação, lidar com aquele grupo não era agradável e não tinha nenhum interesse nisso. A menina, diferente dele, não tinha intenção de deixar barato — Há! Como se você fosse muita coisa! Reprovou quantas vezes na Academia, otário? — o silêncio tomou conta do espaço, mesmo à distância foi possível perceber o olho do ofendido tremer com o súbito estresse pelo comentário.

Tudo aconteceu em poucos segundos. Uma shuriken voou na direção da menina, que no limite da sua capacidade conseguiu defletir com a kunai que carregava na mão. Passado o susto, ficou bem claro que a origem do arremesso foi de quem começou a confusão. Atordoados, pois não esperavam essa reação agressiva, demoraram até assimilar o que estava acontecendo. Ele partiu pra cima de Aoi, usando o máximo de sua velocidade — Não vai reagir, criança? Não estavam treinando? Vamos treinar! — no final de sua fala, já estava no alcance do ruivo, e começou a desferir golpes contra ele. Iria cobrar no mais frágil a ofensa feita pela garota.

Combate corporal não era a especialidade de Aoi, por pouco ele conseguiu acompanhar alguns golpes, mas muitos ultrapassaram sua defesa. Seus amigos foram impedidos de ajudar pelos mais velhos, que barravam a passagem. Não tinha intenção alguma de lutar e mal sabia como tinha entrado naquela situação, pensava que talvez com o tempo aquilo passaria, mas estava enganado. Diferente das outras vezes, algumas trocas de golpes não satisfizeram o ego do mais velho, e ele continuou até que o Chinoike pedisse para parar. Nesse momento, ameaçou um último golpe, e gargalhou quando Aoi tentou defender — Eu bem sabia, inútil igual ao pai, dois fracassados. Joga a sua bandana fora fracote — as palavras perfuraram quase que fisicamente o ruivo. Das poucas coisas que viravam os botões de Aoi, ofender a honra de seu pai era uma delas. Uma inundação de raiva começava a tomar conta dele, e involuntariamente seu doujutsu ativou.

Levantou sua cabeça. Seus olhos vermelhos foram de encontro aos do mais velho, e foi o suficiente para ser pego no genjutsu de Aoi. Ele viu Aoi se desfazer em sangue, enquanto tudo o que e via se tornava gradativamente carmesim. Ele enxergou as outras pessoas presentes ali passarem pelo mesmo processo. Dos seus pés, brotava o líquido vermelho, inundando aos poucos o cenário. Em pouco tempo o líquido estava na cintura, enquanto ele estava sem onde ir, nem ao que recorrer. O líquido se agitava, uma correnteza se formou conforme o líquido alcançou seu pescoço, querendo puxar ele para baixo.

No mundo real, Aoi observava os efeitos de seu doujutsu com o rosto rígido, um sentimento odioso que só aquele tipo de comentário conseguia despertar. Ao longe seus amigos tentavam chamar sua atenção, pois sabiam, de certa forma, do potencial do menino de criar ilusões, mas seus gritos foram ignorados.

O mais velho se contorcia no chão, como se o ar não chegasse aos pulmões. Em sua mente, a correnteza o arrastava cada vez mais fundo para um mar sem fim. Porém o corpo do Chinoike chegou ao limite. Seus olhos voltaram à coloração normal e a ilusão se desfez, sua visão escureceu e perdeu o equilíbrio, indo de encontro a grama, desmaiado.

Considerações: