Desceu a mão pela espada vagarosamente, permitindo que o líquido viscoso descesse por toda a sua extensão. A lâmina cintilava, após inúmeras lavagens, mas o prazer continuava o mesmo desde a primeira vez. Levantou-se, empunhando a espada e brandindo a arma ao vento, testando a potência do próprio golpe. Repetiu várias vezes, extasiada com a sensação, sendo interrompida apenas quando ouviu o choro de algumas crianças. Nesse momento, constatou. Parecia uma louca, desferindo golpes de espada no meio da rua.

Se ela estava envergonhada com seus atos, não parecia. Riu, como se fosse apenas uma brincadeira, ignorando o pequeno como se fosse insignificante. Mas, numa fração de segundos, enquanto volvia o seu corpo rumo ao centro de treinamento, percebeu um rosto familiar. O filho de comerciantes da qual estava interessada desde a época de academia, retornou de uma viagem de negócios ao lado do pai, notando os olhares de reprovação deste ao ver as atitudes da Genin. Corou, virando a face para fitar o semblante assustado do jovem. Por um instante, por mais curto que fosse, sentiu uma sensação de rápido arrependimento. Tão rápido quanto surgiu, aquele sentimento desapareceu, sendo substituído por uma inspiração maquiavélico. “Se ele não gosta do meu lado ruim, basta mostrar o lado bom. Irei mostrar que sei usar essa belezinha aqui, usar ela para bater em alguns trouxas e ele vai curtir”, pensou consigo mesma.

Estava acordada desde a alvorada, e mais cedo havia ido ao campo de treinamento realizar alguns treinos e exercícios físicos, para manter o seu condicionamento em dia. O verão quente do vilarejo a fazia suar mais do que o normal, amenizando um pouco apenas devido à suas roupas. Os efeitos do cansaço, motivo de sua pausa, ainda permaneciam. Sabendo que precisaria aprimorar aspectos em sua resistência em combate para assegurar uma taxa de sobrevivência maior em combates, retornou sem pestanejar para a área de outrora, recomeçando com os seus treinos de onde havia parado.

Havia uma série de bonecos no centro de treinamento, na qual estava utilizando para treinar. Repousou a espada num local seguro, junto de sua bolsa de armas, para que pudesse focar em aprimorar a si mesma com uma espada de madeira disponibilizada no local. Não seria um treino efetivo se apenas destruísse todos os manequins, em sua concepção, focalizando apenas em testar a potência de seus golpes e a sua durabilidade.

Por longas horas, avançou em sua velocidade máxima na direção dos alvos imóveis, realizando golpes giratórios e precisos focalizando em todos simultaneamente, como se estivesse em uma batalha real contra adversários numerosos. Atacou sem piedade, repetindo os golpes em séries praticamente ininterruptas, até o ponto em que ficasse próxima de perder o fôlego. E mesmo quando alcançou seus limites, prosseguia tentando, desferindo gritos furiosos a cada novo ataque. Viciada em combates e em se auto-provar, apenas sossegaria caso conseguisse melhorar a sua perícia com espadas e ao mesmo tempo solver suas debilidades em permanecer em confrontos estendidos.

Parou apenas quando em um dos movimentos bruscos, um de seus ataques quebrou a ponta da espada de treino no interior do boneco diante de si, num ataque tão sonoro e brutal que assustou um mestre de armas. O homem se aproximou, com o cenho franzido, olhando a jovem Genin com um semblante ligeiramente interessado.

— Tente focar mais em precisão, e menos em força — ele dizia, antes de tentar tocar na loura com suas mãos, pretensioso. Evadiu, suspeitando ser um ato se perversão, mas este se limitou apenas a balançar negativamente a cabeça — Fique quieta, sua idiota— num movimento rápido e brusco, ele alcançou a Genin e apenas ajustou a postura de seu corpo, indicando como ela deveria estar quando fosse desferir os ataques — Para se tornar uma perita com uma arma, você precisa compreender que o corpo se move com a arma, mas a arma não se move com o corpo. Perde a precisão, perde o equilíbrio. Corpo e arma devem ser um só. Controle seu corpo, e controlará sua espada — e então ele se afastou — Quando for repetir, lembre disso.

— Eu me canso. Eu me canso muito rápido — estava ofegante, após horas de treinamento desgastantes.

— O cansaço é consequência do esforço e da respiração. Tente respirar mais pelo nariz, e menos pela boca. Tente gritar menos. Tente dar menos golpes violentos, e intercalar seus ataques com paciência. Se conseguir dominar o seu fôlego, dominará as batalhas— e então ele partiu. Com ela, pelo menos, os ensinamentos permaneceram. Sabia por onde recomeçar.

Após um breve intervalo, reconsiderou sua forma de treinar e utilizou dos ensinamentos obtidos pelo veterano. Moon retomou o treinamentos, após substituir a espada de madeira quebrada anteriormente por uma nova, ciente de que precisaria dosar melhor sua força. Respirou fundo, avançando em golpes laterais contra os bonecos de treino, focando em manter uma postura eficiente de combate e, ao mesmo tempo, focalizar seus golpes com velocidade e precisão contra seus alvos. Repetiu os movimentos em inúmeras oportunidades, mentalizando cada passo com cautela e displicência.  Finalizou com um salto de cinco metros, fincando a espada na cabeça de um dos manequim com brutalidade. Quando removeu o aparato de treino, num recuo rápido, notou que a espada permanecia intacta. Ainda havia tempo para mais.

Rotacionou o corpo em velocidade, desferindo ataques contra múltiplos alvos imóveis, intercalando acrobacias e movimentos elásticos a cada novo golpe. Tentou melhorar a sua durabilidade baseada no conceito aprendido, modulando a sua respiração e evitando utilizar a sua força e velocidade em níveis máximos sem necessidade, priorizando um consumo eficiente de sua energia. O silêncio pairava no salão após praticamente dia e noite de treinamento, sentindo gradativamente, mesmo melhorando a sua resistência, o corpo pesar e os sentidos entorpecidos. Adormeceu por cima de um dos bonecos de treino, com a espada cravada neste.

Despertou após poucas horas de sonos, disposta o suficiente para prosseguir com seu treino. Dedicada e centrada, testou novos movimentos e acrobacias, experimentando saltos a partir de maiores distância, esquivas e defesas com a espada, mesmo que não houvessem inimigos verdadeiros direcionando ataques. Moon não se importava em comer ou um repouso completo, ambiciosa por uma melhoria rápida e perfeccionista de seu manejo com espadas. Uma pródiga de seu campo, rapidamente pôde assimilar, a partir de uma facilidade notória em Taijutsu, as limitações e possibilidades cruciais no combate de armas.

Aplicou todos os conhecimentos adquiridos em um treino prático. Saiu de seu espaço particular para desafiar o indivíduo mais próximo para um duelo, apontando sua espada de madeira para o pescoço deste de maneira ousada. Estranhando a atitude da garota, e muito provavelmente subestimando suas capacidades, ele a subestimou com uma risada. Com um sorriso de canto e se permitindo a calar, nada disse em nenhum momento. Ele afastou a espada de Moon com a mão, e adquiriu um exemplar para si, dando início ao confronto.

No início, Moon teve dificuldade para lidar com os movimentos rápidos do rival, que demonstrou uma habilidade considerável com a arma em questão. Os golpes laterais do adversário eram aparados de maneira pontual, evitando por uma fração de sentindo ser atingida em todas as oportunidades. Num combate usual, se não houvesse desenvolvido uma capacidade maior de durabilidade ao longo de seu treinamento, teria sido facilmente subjugada, mas aos poucos sua cautela e paciência foram recompensadas com as aberturas necessárias.

Num movimento giratório e furioso, o rival tentou desferir um golpe dificultoso em sua barriga, esquivando de maneira limpa. Moveu a perna rapidamente para permitir que, quando ele estivesse se movendo em sua direção, fosse imediatamente derrubado. Batalhando para manter o equilíbrio, o rapaz cambaleou, utilizando o joelho e a arma de treino para evitar a sua derrocada. Moon realizou o contra-ataque fulminante logo em seguida, em completa frenesi. Esqueceu por um instante do treinamento e o golpe que realizou, violento e cruel, poderia ter machucado o indivíduo. Ainda de joelhos, evitou o ataque flexionando as pernas numa rasteira dupla improvisada, forçando a queda da Genin.

Vingativo, após recuperar a compostura, ele mesmo tentou finalizar o treinamento com violência. Num golpe vertical forte e rápido, a cabeça de Moon era o alvo, mas esta conseguiu evadir no último instante rolando para a direita. Teve com isso a abertura necessária para levantar, avançando com uma sequência de investidas inconclusivas. Numa de suas falhas, foi desarmada, o que decretaria, na concepção do algoz, o fim do combate. Ela se limitou a sorrir de canto, permanecendo em batalha mesmo com as mãos nuas. Evadiu os golpes com a dupla de espadas do jovem, aguardando por brechas para recuperar o controle da batalha.

Nitidamente inapto em apresentar traços de ambidestria, os movimentos eram desordenados e imprecisos, rapidamente subjugados pela destreza da Genin. Direcionou um chute rápido em sua face, atordoando momentaneamente por tempo o suficiente para que pudesse, ao torcer ambos braços deste, desarmar-lo. Ele tentou revidar, mas a loura o socou em sequência. Cambaleante e fracassando debilmente em se defender, ele tropeçou, erguendo os braços para frente ao dizer:

— Para sua maluca, isso é um treino de espadas — notou a face sangrenta do seu rival, e tendo em vista isso, cessou os ataques.

— Fracassado —  cuspiu na face do adversário, exalando arrogância. Vitoriosa, partiu em busca de seus pertences. Ainda havia algo a ser feito.

Os lábios rosados saciaram seu desejo, saboreando cada gota da bebida alcoólica com prazer. Portando a Kubikiribōchō na canhota e a garrafa de saquê em sua destra, saiu do centro de treinamento satisfeita. A bolsa de armas permanecia ajustada, certificando-se de que não havia esquecido absolutamente nada. Desfrutou de sua maior paixão até a última gota, sentindo a face corar e um sorriso bobo formar em seu rosto. O seu treinamento produtivo havia aprimorado suas capacidades de combate com espadas, mas tampouco sentia que havia sido o suficiente para provar a si mesma que possuía algo capaz de surpreender o herdeiro.

Ambiciosa, manipuladora e sedenta por fama ou riqueza, moldava todos os seus passos cogitando a possibilidade de estar no topo um dia. Não estava apaixonada, muito menos realmente interessada numa relação amorosa saudável. Conquistando as atenções deste, apenas iria assegurar conforto pelo resto de sua vida. Deixou de lado os devaneios e adentrou um bar qualquer, ansiando por mais algumas doses. Após horas ininterruptas sem tocar numa gota sequer de álcool, precisaria compensar o tempo perdido com um dia inteiro de bebedeiras.

E por ironia do destino, a oportunidade que precisava surgiu, como se houvesse sido predestinado. Um homem bêbado e violento, com a sua katana desembainhada, ameaçava o mauricinho dos seus planos. Era uma típica briga de bar, e pelos comentários e rumores que podia escutar, envolvia uma suposta relação extraconjugal envolvendo a mulher do ofendido. Riu da situação, pois o rapaz não possuía nem ao menos metade da idade do veterano. Consideravelmente mais alto e com membros fortes, o espadachim era uma antítese completa de seu rival.

A discussão teria durado apenas uma fração de segundos, pois num golpe rápido, a katana desceu como uma guilhotina sobre a cabeça do jovem. Suas espadas colidiram num sonoro ruído, aço contra aço debatendo um contra o outro teimosamente. O homem empunhava a própria arma com ambas as mãos, mas para Moon não era tão difícil manusear a espada gigante com apenas a canhota. Tomou uma garrafa de saquê das mãos de um dos espectadores, saboreando da bebida enquanto evitava os golpes do seu adversário.

Havia treinado dia e noite para que pudesse demonstrar na prática tudo que conseguiu aprender, e estava fazendo bem. Apesar do curto espaço de tempo, Moon Homura a cada novo movimento humilhava o mais velho usando apenas uma mão e com uma espada mais pesada, deslizando rapidamente pelas ruas como se fosse simples evadir os ataques. Mais durável e resistente devido aos seus treinos, pôde lutar na defensiva, aos poucos minando as energias do grandalhão. Para finalizar o confronto, precisou apenas de um movimento. Por trás do rival, desferiu uma rasteira a partir da perna direita, derrubando-o. O cabo da espada caiu na barriga dele, praticamente incitando o regurgitar de inúmeros litros de álcool de uma vez só.

— Nojento — estava imunda de vômito, limpando a face com um pedaço de camisa arrancado do curioso mais próximo, mesmo após as reclamações consequentes — Não enche, pedaço de bosta.

Encantado, o herdeiro mauricinho se aproximou. Ligeiramente enojado e desconfortável pela sujeira que cobria sua heroína, manteve distância quando agradeceu. Propôs uma premiação em dinheiro, uma festa em sua homenagem e diversos presentes como agradecimento por ter salvo sua vida. A situação estaria caminhando da forma como havia almejado, até o momento em que a última sentença seria dita:

— E eu me casarei com você, caso abandone essa vida de ninja. É incrível, mas eu não iria gostar que uma mulher usasse espadas e fosse capaz de me dar nocaute. Você pode me dar filhos e ser uma boa dona de casa, isso já me basta!

Pensou cuidadosamente no que diria como resposta, mas nenhuma palavra parecia adequada. Em silêncio, se aproximou, ficando frente a frente com aquele poderia ser seu marido, caso aceitasse. Aproximou os lábios da face deste, observando que o possível beijo seria correspondido caso fosse dado. Mas não seria. Nem naquele momento, nem em qualquer outro.

— Vá para o inferno — a boca chegou a encostar na orelha deste, antes de se afastar. Com os restos de bebida em sua garrafa, ensopou o ingrato.

Incrédulo, ele viu a loura se afastar. Enfurecida, não tornou a olhar para trás novamente, tamanha havia sido a ofensa. “Homens. Homens são todos iguais. Ofereço a mão, e querem o braço”, pensou consigo mesma, enquanto partia.