"Vazio..." Meditava internamente.

Após a sua volta a Kumo, as primeiras semanas estavam longe de serem as mais fáceis de sua vida, caminhar pelas vielas do vilarejo todos os dias vendo o medo crescente no coração das pessoas se alastrando cada vez mais era lastimável, as inúmeras cerimônias e cartazes de desaparecido por todas as instalações era algo que provavelmente abalava o sentimental de qualquer um, todo esse ambiente se tornava cada vez mais presente em seus olhares, chegando a se questionar se realmente "isso" era o significado de vitória.  Todos esses problemas martelando de uma vez só em sua mente o impediram de trabalhar por um tempo devido ao resquício de suas complicações mentais, solicitar missões ou treinar era massante demais e o fazia enfrentar todos os problemas causados por sua fraqueza, afinal, ele ainda possuia problemas de auto confiança devido a casos depressivos anteriores. Ao ver tantas lágrimas derrubadas e a escassez constante de tecnologia e suprimentos, ele só conseguia enxegar aquilo como sendo sua e exclusiva culpa.

Com todo esse tempo passado e tantos problemas causados, ele as vezes se questionava se ainda sabia pelo o que valia a pena lutar, ele realmente estava do lado certo afinal? Quando vale ou não e pena e como se sabe a hora certa de morrer? Tantas questões e ele não conseguia fazer a pergunta básica que deveria fazer a si mesmo, chegando a um nível sufocante de agonização, tirando seu fôlego durante vários momentos e o impedindo de ter uma noite regular de sono. O peso de toda essa dor levava sua força interna embora o colocando num grande mar vazio onde só tinha a ele mesmo em volta. Mas ainda assim, ele não enxergava aquilo que deveria exclamar a si mesmo.

"Vazio..." Meditava consigo.

Mas algo tinha mudado em toda a sua trajetória, ele não lutava agora por si mesmo e não travava conflitos por Himeno, ele não estava mais sozinho, tantas pessoas apareceram em sua vida que o mudaram, ele não poderia continuar sendo aquela mesma versão antepassada sua de antes, ele precisava de uma vez por todas superar o seu passado e libertar todos os fantasmas presos em suas memórias. Ver Himeno uma última vez. Um novo Yuta. um novo Sol.

Após uma longa viagem e algumas constituições burladas, Yuta adentrara no caminho daquele mesmo vale de tantos anos atrás, rever o formato daqueles cascalhos e a forma como o Sol se distorcia entre as montanhas era extremamente familar, mas agora, ele via toda aquela paisagem com novos olhos, não mais cobertos pelo sangue da vingança, e sim pela luz de um propósito. Após longas horas de caminada, conseguiu finalmente avistar aos longes aquela mesma cruz improvisada de madeira presa na frente de uma pequena cova perto de um aglomerado de flores que o mesmo sempre plantava quando passava por perto, os raios luminosos destacavam o buque colorido com um contraste mórbido da lápide. Mas ele precisava dar um último adeus. O Hattori se aproximou calmamente da cruz e se colocou de joelhos frente a Himeno.

— Eu te trouxe uma margarida... A sua favorita. Lentamente ele deixava a flor branca por cima do amontoado de terra. — Eu vim te trazer alguns notícias, acho que deve ter percebido mas consegui trazer o Sol devolta para casa, como te prometi, lembra? O Hattori inclinava lentamente sua cabeça para cima, observando com os olhos entreabertos o astro luminoso. — Foi uma batalha difícil, mas conheci muita gente legal no caminho, acho que você ia gostar de conhecer a Allannia, é uma menina com um sorriso doce e com um coração gentil assim como você. Dava uma pequena pausa, soluçando entre alguns choros. — A Mei-sensei as vezes parece um pouco com a mamãe, sempre tentava proteger a gente e se esqueceu de sorrir e proteger a si mesma as vezes, to tentando ajudar ela assim como ela me ensinou, assim como a mamãe ensinava também. Uma lágrima caía de seu olho direito. — Eu não te contei né? A Mei-sensei lidera o time que eu to agora, lá eu conheci uma outra garota também, a Nezuko, ela é um pouco engraçada e bem durona, me inspiro muito nela para algumas coisas. Logo em seguida, ficou alguns segundos em silêncio, recuperando o seu timbre.

— Eu ia contar uma notícia ruim mas talvez você até goste. Sabe... eu te prometi vingar você daquelas pessoas, mas acho que não posso mais continuar desse jeito, não foi isso que você queria, não é? Encher meu coração de ódio e vingança sempre foi o que a mamãe nos ensinou a evitar, e agora eu acho que finalmente entendi isso, eu não tenho que abaixar os braços como uma arma, e sim erguê-los para cima em paz aceitando a luz dos outros. Eu não posso mais arriscar tantos sorrisos, não agora, tem tanta gente que confia em mim e eu não posso decepcionar todo mundo, já fui até elogiado por dois Kages, sabia? É uma história engraçada... Faria uma breve pausa, um pouco em prantos. — Penso em você todos os dias, e seja lá onde você esteja eu preciso fazer com que você ainda confie em mim e tentar não te decepcionar. E para isso, eu preciso seguir em frente e esquecer aquelas pessoas, focar em proteger os sorrisos de pessoas como a Mei, Allannia, o Kaonashi-san e a Nezuko. Trazer a esperança da vida para os outros como você trouxe para mim um dia, como eles também trouxeram. Ditou, desabando em lágrimas, ficando ali refletindo sobre a mortalidade humana.

— Fica bem, tá? Vou tentar te visitar mais vezes e ir contando as novidades. Finalizava o Chunnin, se ergueendo e ainda olhando para a cruz por mais alguns minutos. Quando finalmente superou o seu trauma, pegou uma das margaridas do buque e colocou em sua cabeça, retornando então até o caminho de volta para Kumogakure.


Pouco tempo após se recuperar do luto e de seu passado, Yuta voltou a se dedicar em sua rotina de treinos, fazia algumas missões sem relevância que a academia o enviava e quando tinha tempo livre, passava pela vila e de vez em quando visitava sua irmã. Os tempos eram difíceis para todos, o Arrebatamento foi cruel e brutal para todo o Mundo Ninja que ainda tentava se recuperar daquele grande abate, parecia até que o Caos clamava por sua própria existência, como se a maldade tentasse se manifestar a qualquer custo, e o Hattori precisava impedir isso, mas não daquele jeito.

Ele queria treinar algo que ainda o faltava de costume, mais especificamente em um detalhe que ainda sobrou para compreender melhor o seu próprio clã, as chamas gélidas. O Hattori logo se via nos campos de treino da vila com um objetivo simples em mente, dominar por completo o fogo de seu clã e não se deixar mais dominar pelos impulsos negativos em que o Mezame trazia.

"Se eu continuar atacando tudo o que eu vejo durante aquela transformação, isso vai ficar ruim pro meu lado, preciso controlar isso antes que seja tarde demais." Pensou enquanto inspirava profundamente e regulava os seus batimentos cardíacos. Após se concentrar e abdicar por alguns segundos de sua visão, o Hattori lentamente foi liberando o Hyouton por seu corpo, começando incendiando o seu coração e então deixando as chamas fluírem por suas veias até se extenderem por sua pele e começarem a incinerar seus cabelos e olhos, tornando-os um azul forte até virar um amarelo bestial, a aura calma do mesmo fora cortada por um impulso violento que se assimilava a um lobo selvagem faminto, criando um grande manto azul de chamas gélidas por todo o seu corpo (Kōri no Ōkami Mezame).

Com a ativação do manto de chakra, logo a racionalidade começou a decair e sua insanidade instintiva e violenta tomar conta de suas atitudes, o mesmo encostou ambos os palmos em sua cabeça e começou a gritar em raiva, o Chunnin tentava manter sua linha tênue de pensamentos mas o cinismo crescia com uma força avassaladora, fazendo-o dar pequenos passos em cabaleios desajeitados enquanto tentava se recompor. Seu membro destro lentamente esticava visando criar uma esfera maçica de chamas e atirar em um dos prédios mas Yuta contornava aquela manipulação usando de seu braço esquerdo para redirecionar o ataque e acertar apenas uma montanha aos longínquos da vila (Manipulação Rank B [01/02]). Vendo o perigo que aquilo ainda podia causar, o Hattori forçou a desativação da técnica e caiu de joelhos, arfando em agonia e com extrema falta de ar e cansaço devido aos efeitos restantes da técnica.

"Foi por muito pouco, se isso tivesse acertado alguém eu não sei nem o que faria, eu preciso controlar isso agora, se isso tivesse acontecido durante aquela guerra eu poderia ter machucado alguém seriamente se não matado. Isso é perigoso demais, mas se eu ir para um local mais vazio, a técnica não vai ter um alvo para se prender e com isso não vou conseguir ativar direito. Pensa Yuta, pensa..." Raciocinava enquanto algumas gotas de suor respingavam no solo.

Logo, o Hattori se erguia novamente, ativando o manto mais uma vez. Agora, o mesmo focou em instensificar as chamas, tentando queimá-las mais rapidamente para ver se os efeitos passavam, logo, com a raiva tomando conta de seu cérebro, o mesmo se debruçava contra o solo, soltando agora algo similar a um rugido enquanto suas costas queimavam cada vez mais arduamente, a chama azulada crescia e se alimentava cada vez mais, lambendo o solo deixando-o num tom mais enegrecido. Após alguns segundos naquela intensa queimada, o fogo foi diminuíndo e os impulsos descendo, mas agora, o fogo também tinha perdido força, então não compensava mais usar a técnica, desativando-a pouco tempo depois. "Agora o manto tá fraco demais pra manter ele sustendado, preciso achar um meio-termo onde não queimo demais e não deixo a tendência odiosa muito profunda. Que confusão hein?" Brincava consigo mesmo.

As semanas foram passando para o Chunnin. Todos os dias ele comparecia nos campos de treino da vila, ativava o manto azulado e tentava manter pelo máximo de tempo que conseguia antes do seu lobo instintivo travar a raiva em algo ou alguém. A cada dia, o tempo de controle foi aumentando drasticamente, talvez fosse por seu exímio controle de chakra fora da média ou talvez a sua durabilidade física e mental que o ajudavam a o manter no estado são, esses fatores com certeza contribuíam para isso, mas ele precisava controlar aquilo sem problemas e o manto ainda estava completamente raivoso, restando apenas o tempo ditar suas melhorias a cada mês.

Um ano já tinha se passado, e Yuta ainda ia treinar suas chamas todos os dias, a melhoria estava evidente, agora já conseguia ficar alguns minutos transformados sem perder o controle, mas a cada ataque que o mesmo fazia o tempo reduzia devido a brutalidade que usava, então, restava agora o corpo nivelar a raiva guardada, fazendo um pouco dela ser dispersada em cada golpe ao invés de resguardá-la até chegar num ponto em que exploda e se misture com o resto de seus sentimentos.

O treinamento se manteve cada vez mais intenso, o Chunnin chegou em pontos em que desmaiava de cansaço e falta de chakra de tantas tentativas que realizava em pouco tempo, chegando quase numa sobrecarga interna física e até mesmo mental, era frustante saber que talvez nunca conseguisse dominar o manto por completo, e enquanto bufava recuperando o fôlego, lembrou de uma coisa guardada no fundo de sua casa que talvez fosse ajudar. O Registro Geracional Hattori, um pequeno diário onde todos os seus ancestrais escreviam as experiências que tiveram com as chamas, inclusive seu pai, que o escreveu bem pouco antes de entrar em decadência.

Após uma incessante busca em caixas guardadas por debaixo de sua cama, finalmente havia achado o livro azulado com entalhes em prata com uma tranca selada por um jutsu inquebrado pelo mesmo, já foram dezenas e dezenas de tentativas, mas ele ainda não sabia como abrí-lo corretamente. Sentou em sua cama e manipulou algumas pequenas faíscas azuladas por volta do selo, o símbolo brilhava ao se encontrar com o chakra Hyouton, e então, lentamente se desfazia junto com as chamas.

Sem demora, Yuta começou a ler as páginas. As histórias contavam um pouco sobre seus antepassados, em tempos onde tudo era diferente em todos os quesitos, mas, mesmo após décadas de existência do clã, tinha algo que não tinha mudado, a sede de poder que todos os Hattoris tinham, a vontade de ser a melhor versão de si mesmo, ser a chama que nunca se apagará. Todos os seus acestrais contavam a mesma história mas em palavras diferentes, e agora restava ao Chunnin se tornar a nova brasa.

O Hattori retornava aos campos de treino pela última vez, era tudo ou nada. Enquanto se concentrava mantendo a mesma respiração uniforme de sempre, ao invés de focar na técnica e no pesar dela, tentou esvaziar completamente seus pensamentos, deixando apenas memórias específicas, memórias que o mesmo não queria manchar. Lembranças de quando brincava com sua irmã, lembranças da comida gostosa que sua mãe fazia, momentos em que saia com Mei-sensei e aprendia uma coisa ou outra com a mesma, o dia em que conheceu Nezuko e as batalhas que travou ao seu lado, o sorriso gentil da Grey, os ensinamentos de Darkon e Kaonashi. Todas essas memórias reunidas em uma grande teia familiar que o deixava com um meigo sorriso no rosto, era sua última tentativa. Tinha que dar certo.

Antes que pudesse perceber, o manto já se ativava novamente, trazendo uma grande maré violenta contra toda essa teia mental, que começava a ceder em algumas partes, o mesmo encostava as mãos em sua cabeça e tentava se controlar, manipulando o próprio chakra para tentar o deixar uniforme, mas tendo grandes dificuldades devido ao Hyouton que se espalhava cada vez mais violentamente.

Parecia que o chakra azulado queria entonar a qualquer custa a violência por seu corpo, fazendo-o descontar até um pouco em si mesmo como não conseguia se prender a um alvo específico, chegando num ponto onde ele quase o desativou para evitar um sintoma pior, mas preferiu por continuar queimando aquela labareda gélida. E numa tentativa final, o Hattori concentrou todas aquelas lembranças numa grande explosão de chakra gélido que dispersou quase que por completo o manto de chakra (Manipulação Rank B [02/02]), fazendo-o cair sem consciência por falta de chakra por alguns instantes.

Minutos depois, após conseguir retomar todos os seus sentidos, lentamente se eergueu e olhou em volta, vendo ainda alguns resquícios de labaredas que queimavam um pouco das pedras. Ele ainda não tinha dominado por completo o manto, mas agora já conseguia passar um bom tempo sem sofrer aquele ódio descontrolado. Quando fez algumas manipulações simples das chamas, percebeu que algo tinha mudado, além da cor azulada estar muito mais intesa, apenas ao se aproximar de algo sólido já parecia fazer efeitos, como se o fogo queimasse agora muito mais intensamente, por tentar tanto dominar o manto, esqueceu que consequentemente isso afetaria todas as suas chamas num geral, deixando-as ainda mais violentas e ágeis durante um combate. Não estava completamente satisfeito mas já era um começo. Durante o próximo ano, passou o tempo aperfeiçoando ainda mais as suas chamas, que ficavam cada vez mais fortes. Antes que desse conta, já tinha masterizado tudo o que poderia naquele elemento, chegando num nível ainda além da perícia que tinha no Hyouton.


Após dois anos, cada dia que sucedia o outro não parecia de fato mudar muitos aspectos, o luto ainda era presente a todos e era um acidente que talvez o mundo nunca mais esqueça o que houve, tantas lágrimas derrubadas e tantas mortes causadas, era um fardo pesado demais para a humanidade. Tantas pessoas queridas que não mericiam a morte, caídas e enterradas ao relento. Yuta ainda seguia a sua vida rotineira, mas ele ainda precisava mudar, precisava trazer alguma esperança ainda. Precisava trazer sorriso para os outros, assim como prometeu para Himeno.

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