Formulários. Notas fiscais. Vendas. Estoque. Inventário. Entregas. Reclamações. Limpeza. Produção. Operação. A administração não era algo fácil, mas eu gostava de levantar as mangas e colocar a mão na massa. Minha fiscalização era concreta, constante e profunda, e ali, no chão da loja, estava eu, quase todos os dias, mantendo meu restaurante em bom estado de funcionamento...

Revisava os pedidos dos clientes – “Mesa doze está esperando a trinta-e-cinco minutos, qual é a demora!?” – Analisava a preparação dos pratos – “Cadê o molho branco!? Como assim acabou!? Então faz mais! YUKI! FOGÃO!” – Organizando o estoque – “Quem colocou essa carne dentro da despensa!? Lugar é na geladeira!” – E fazendo a coisa rolar. – “Masahiro! Tsuji quebrou o braço, é com você na chapa hoje!” – E, assim era... A cozinha era caótica, estressante e constantemente movimentada. Não era um trabalho pra qualquer um... e aqueles que me viam trabalhando no escritório certamente ficariam confusos ao me ver operando a cozinha com tanta habilidade.

Mas não se espante, eu faço trabalho clerical, aqui, também. Pouco a pouco, a cozinha voltava pros trilhos – começos dos turnos eram sempre as partes mais difíceis dos dias. Mas, como uma máquina bem oleada, tudo começava a operar perfeitamente. Pouco a pouco, minha gestão se tornava menos necessária, e eu tornava minhas atenções para a papelada no escritório. Lavava as mãos, tirava o avental, e começava a preencher notas fiscais, contas a receber e contas a pagar, pagamentos e holerites, recebimentos e entregas...  

Hora a hora, minha noção do tempo se perdia, trabalhando sobre todos aqueles números e papéis. Meu cantinho administrativo era confortável e bem ventilado, e o sono começava a tentar me levar – Não era mentira que eu abusava da minha quase-invulnerabilidade para permanecer dias a fio sem dormir, comer ou descansar, apenas trabalhando até mentalmente estar esgotada, para então continuar tudo após um ou dois dias inteiros de descanso. Restaurante, escritório, departamento de inteligência, missões, quadro de missões, gabinete do Raikage, dormir, comer e finalmente, repetir. Sinceramente, as vezes pensava em pedir férias, e largar tudo por um ou dois meses... Mas honestamente, a cozinha não iria sobreviver sem mim.

Um leve batucar na minha porta chamou minha atenção, e com um grunhido, um de meus funcionários colocou a cabeça para dentro. – “Kumori-buchou, tem uma garota no balcão... Disse que está procurando uma vaga de emprego?” – Avisava o atendente. Eu simplesmente acenei a cabeça, e me levantei, e ele retornou ao trabalho. Não era costume contratar qualquer um que passasse pelas portas, sendo que eu escolhia a dedo quem eu quisesse dentro da minha cozinha... Veremos. Ajustei meu uniforme, meu coque e meus óculos, e então caminhei até o balcão.

Imediatamente notava a aparência peculiar da garota quando saí pelas portas da cozinha. Certamente atraente, mas nada bem vestida como alguém que se levasse a sério na busca de um emprego. – “Uma dica profissional... Quando estiver procurando um emprego em um estabelecimento de alto padrão, se vista de acordo.” – Avisei a garota, me colocando de frente a ela, no lado oposto do balcão, enquanto observava mais de perto a garota... – “Meu nome é Nora Kumori, Gerente Geral do restaurante. Você está buscando uma vaga de emprego no meu restaurante, então...?” – Meus olhos analisavam cada polegada do corpo da garota. Sua postura era tensa, nervosa... Mas não como uma pessoa comum, ansiosa. Não, era outra coisa, quase como se fosse algo natural ao corpo dela, algo praticado... A sua pele era certamente quase perfeita. Quase. Os leves calos em seus dedos das mãos, marcas quase imperceptíveis – mas que eu era treinada para notar, e marcas que eram criadas por muitas poucas coisas... ao comparar juntamente da maneira que ela se vestia... – “...Você é uma Shinobi, não é? O que traz você até aqui? As missões não estão rendendo tão bem quanto você imaginava?” – Palpitei. Dessa vez, meus olhos perfuravam os dela, esperando as respostas da garota, analisando-a de perto.

O comportamento daquela garota era certamente... Peculiar. A maneira como os músculos da sua face contraiam e relaxavam, tenso, mas ao mesmo tempo calmo – certamente uma expressão treinada. A sua postura ficava ligeiramente mais fechada... Imaginava o que passava pela mente dela. Será que sua identidade como Kunoichi era um segredo tão grande assim...? Ou será... Que não é uma de nós... Algo estava errado ali. Eu já havia lidado com mais de um Genin assustado, e essa jovem mulher não apresentava as mesmas expressões, as mesmas reações que alguém que a pouco saia da academia. Certamente não ocupava nenhuma posição de renome dentro do vilarejo – do contrário, eu ira reconhece-la das minhas pesquisas... Ela parecia alguém com algo para esconder...

Meus pensamentos, porém, foram interrompidos por um bocejo, e então um reflexo mais profundo da situação atual... Da minha situação. – ‘Nora... Você é uma Tokubetsu Jonin, especialista em Genjutsu, exímia infiltradora, oficial do departamento de inteligência, gerente do maior restaurante do vilarejo, aluna e assistente honorária do Raikage, visita bibliotecas com frequência, auxilia na organização e produtividade dos escritórios, e ainda realiza diversas missões de Rank D...’ – Pensava para mim mesma, deixando meus olhos lentamente se apertarem. – ‘É tão estranho assim uma nova Kunoichi se sentir espantada que foi descoberta assim? Tão estranho uma adolescente estar um pouco ansiosa? Procurar um hobby além do trabalho? Você está sobre-analisando as coisas de novo...’ – Gritava uma pequena voz dentro de mim... Não gostava muito daquela voz, mas ali estava. A outra voz era bem vocal em dizer que algo estava errado...

Mas eu já estava com muito sono, e a cozinha realmente precisava de mais pessoas. Melhor ainda uma Kunoichi, quem sabe ela tem o mesmo desejo por organização que eu, e me ajudasse a manter esse circo nos trilhos... Eu realmente poderia aproveitar alguns minutos de sono a mais...v

Suspirei, profundamente, deixando a carranca ser substituída por um leve sorriso. – “Claro, claro. Perdoe-me pela pressão... Consigo entender o seu desejo por expandir seus horizontes, e seguir sua paixão... Penso em te avisar que a cozinha não é fácil, mas acho que qualquer um com treinamento Shinobi já deva ter boas expectativas do que significa trabalho duro.” – Falei, com um sorriso, alterando minha postura para uma mais casual, me apoiando ligeiramente no balcão. – “De volta ao assunto. O Restaurante está com suas portas abertas, porém, nós contratamos apenas os melhores entre os melhores. Nossas vagas são extremamente prestigiadas, e altamente remuneradas. Mas, como veio até aqui, imagino que você tenha em mãos seu currículo...” – Olhei, então, para as mãos da garota, notando que estavam vazias. Pisquei uma vez. – “...Você trouxe um currículo, certo? Pelo menos uma carta de recomendação...? Comprovação de experiência prévia...?”

Meus olhos, novamente, focavam diretamente nas pupilas da garota mais jovem. – ‘Por favor, não me diga que a Nuvem de Brasas, o restaurante mais prestigioso de Kumogakure no Sato, é a sua primeira opção...’