Ainda com alguma influência climática do inverno recente, Kiri amanhecia, como de costume, com um céu manchado pelas nuvens carregadas e a característica névoa como uma presença sublime, um elemento intrínseco ao vilarejo, do qual até mesmo o seu nome se originava. Fugaku estava acordado desde a primeira hora da manhã, cumprindo seus afazeres domésticos enquanto ouvia a vizinhança despertar do descanso dos justos, quando percebeu que o irmão, Zaku, despertava próximo da hora em que deveria sair para mais um dia de aula na academia — o mais novo finalmente estava matriculado na instituição, e, mais uma vez atrasado, corria pela casa procurando todo tipo de material que precisaria para aquele dia. Embora a ruidosa correria fosse o suficiente para perturbar a concentração de Fugaku, já que a responsabilidade sobre os constantes atrasos de Zaku frequentemente caíam sobre ele, que acreditava que era o dever de um homem honrar o horário de seus próprios compromissos. — O hábito faz o monge. Não espere se tornar um gennin se você não é capaz de acordar no horário sem a mamãe para te despertar. — E seguia sua rotina, ignorando os disparates que vinham com isso.
Naquela manhã, ele estava decidido a se debruçar sobre o treinamento mental que vinha negligenciando havia semanas. Após a saída do irmão, quando o silêncio reinou sobre o ambiente da casa, ele seguiu até a modesta escrivaninha que mantinha sem uso em seu quarto, onde ele deixara dois volumes de capa dura, retirados ainda na tarde do dia anterior da biblioteca do vilarejo. O primeiro versava sobre a estratégia em combate, quando a vida de um — ou vários — indivíduos correm enorme perigo, e, portanto, cada ação deve ser cuidadosamente pensada. Para tanto, a virtude da inteligência é tão necessária quanto o manuseio habilidoso de uma espada. Contudo, o estudo formal não era um hábito que ele mantinha, e em sua primeira tentativa Fugaku tomou nota de todos os conceitos que achara importantes, o que resultou num calhamaço de folhas repletas de transcrições literais de sua leitura, o que não o levou a absorver muito do conteúdo. Frustrado, ele percebeu um ruído vindo da porta de entrada da casa, apenas para descobrir que o irmão chegava da academia e várias horas se passaram enquanto ele esteve se dedicando a um esforço sem resultados.
No dia seguinte, Fugaku novamente retornou a se debruçar em sua escrivaninha, dessa vez estudando o outro volume que tinha em sua posse, este que versava sobre as diversas naturezas e estilos de combate baseados no uso de chara — assunto que, naturalmente, despertava seu interesse. Entretanto, mesmo com a disposição em aprender com mais aprofundamento a respeito do eixo sobre o qual o livro abordava, ele não sentia que estava aprendendo coisa alguma com aquilo. Talvez eu seja mesmo melhorar em combate do que em leitura, acho que algumas pessoas são assim, afinal., dizia a si mesmo, evitando a frustração que crescia em seu peito a cada nova tentativa mal sucedida de alcançar novos conhecimentos. Bom, amanhã eu volto a praticar com a minha lâmina. Pensava, ouvindo o som da chave girando na fechadura anunciando mais uma vez a chegada do irmão depois de mais um dia na academia, enquanto encarava o amontoado de papéis que se formara na mesa a sua frente.
No dia seguinte, Fugaku pegou os livros e se encaminhara para a biblioteca do vilarejo, afim de devolvê-los. Ostentando um semblante desgastado, ele andou vagarosamente até o local, após uma noite de sono com pouco descanso e mais algumas horas de leitura, ele entregou a bibliotecária que, notando o aspecto abatido do gennin, indagou, — O que foi, rapaz? Virou a noite estudando? — com um riso, ela parecia contente em ver um jovem descobrindo o prazer da leitura, embora estivesse enganada. — Não, senhora — Disse, fazendo uma pausa logo em seguida. — Bom, na verdade eu passei os últimos dois dias estudando, sim, mas sinto como se eu não tivesse absorvido uma palavra sequer! Por isso, estou devolvendo os livros. Parecem que eles não me ajudaram, afinal. — Pensativa, a mulher de aparência frágil e voz contida, recebeu em mãos os volumes que Fugaku devolvia ao acervo da biblioteca, enquanto ele já caminhava em direção a porta. De relance, ela leu os títulos que ele devolvera e decidiu intervir. — EI, GAROTO! — disse, atraindo os olhares irritados dos que foram retirados  de suas leituras com o barulho alto — Volte aqui! Estes livros que você pegou não são nada bons para quem está procurando uma introdução sobre estes assuntos. Eu diria que são para especialistas! Venha, vou te indicar algumas opções melhores para um gennin. — Dizia ela, alcançando Fugaku já a poucos metros de chegar a porta. — Eu não imaginava que eram livros tão complexos. Ficarei muito grato pela sua ajuda! — Respondeu, enquanto acompanhava a funcionária novamente à mesa de onde ela observava toda a sala de estudos. Ao pegar um volume único que tinha em letras douradas sobre a capa marrom os dizeres "Volume Introdutório: Tudo quem um gennin precisa saber", a mulher tomou um pequeno bloco de notas e uma caneta, fazendo algumas anotações. — Tome, eu coloquei algumas observações importantes para qualquer um que queira ser produtivo nos estudos. — Colocando a folha dentro do livro, ela o entregou para Fugaku, que agradeceu. — Obrigado, senhora. — Com uma reverência, ele saiu, entusiasmado para uma nova tentativa.
No dia seguinte, o gennin abriu o livro, lendo com atenção as anotações deixadas pela funcionária que o atendera tão atenciosamente. Nela, haviam algumas orientações acerca do hábito do estudo. "Estude sempre no mesmo horário, em um ambiente calmo e silencioso; Afaste as distrações do ambiente em que estiver estudando; Faça pausas de dez minutos a cada vinte e cinco minutos, você pode usar esse tempo para alguma atividade que tenha mais facilidade, ou só descansar até voltar a leitura; Faça anotações do que você entendeu de cada parágrafo ou sessão que achar relevante; E, por último, mas MUITO importante: nunca passe mais de quatro horas estudando. Sua mente também precisa de descanso!". Assim, com essas palavras, Fugaku estabeleceu que iria se dedicar todos os dias, por pelo menos quatro horas, a leitura e as anotações. Nos intervalos, ele iria fazer uma série de exercícios, como flexões, agachamentos, burpees, abdominais e polichinelos. Aumentando a oxigenação do meu cérebro, poderei retornar a leitura com mais concentração.
Ainda naquele dia, ele deu início a atividade às onze da amanhã. Após quase um terço de hora ele fez a primeira pausa, e dez minutos de uma intensa sequência de exercícios com o peso do próprio corpo, buscando adaptação muscular que o proporcionasse mais força, repetindo o processo a cada bloco de tempo durante quatro horas. No quarto dia da nova rotina, ele instalou uma barra na parede do quarto, onde poderia adaptar uma série de exercícios de solo, como os abdominais. Conforme progredia e alcançava maior adaptação neural aos exercícios, continuava repassando mentalmente todo o conteúdo que absorvia do livro enquanto suava durante a calistenia, fixando o conteúdo em sua memória. Ao fim da primeira semana, ele tinha adaptado uma série de objetos comuns e ao seu alcance para o aumento de sua força física, como garrafas de água completamente cheias, ou sacos de grãos, que serviam como pesos para os levantamentos. Ao completar três semanas, os tremores que vinham durante os exercícios de força se estabilizaram e com ele alcançou o domínio dos movimentos. Ao fim de um mês, os músculos de seu corpo estavam muito mais fortes do que no início do processo, e logo ele já tinha terminado o fichamento do livro.
— Boa tarde, senhora. O livro foi de grande proveito, e sua orientação sobre os estudos também. Muito obrigado. — Disse, apresentando-se diante da bibliotecária para a devolução do encadernado. — Eu vim devolvê-lo. — Estendendo a mão, ele o entregou a mulher, que parecia enfurecida. — O prazo para a devolução era de uma semana, e você esteve um mês inteiro com ele! — Com a face vermelha, ela dizia cada palavra num tom severo de repreensão, afinal, era sua responsabilidade manter o acervo com os prazos em ordem. — Desculpe, a leitura estava ótima. Sabe, você realmente me fez aprender muito, espero que isso diminua o peso do meu erro. — Menos irritada, a mulher cerrou os dentes, contente por saber que seu trabalho havia tido influência positiva sobre a vida de alguém. Com isso, Fugaku agradeceu novamente a ela, envergonhado pelo esquecimento do prazo de devolução, antes de se virar e voltar para casa, ainda com algumas dores da intensa rotina de exercícios físicos que mantivera durante aquele mês.

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