Sobre a forte chuva que caia por todo o País do Relâmpago naquela noite de outono, um sujeito, vestido com um sobretudo preto que escondia perfeitamente todos seus traços físicos, caminhava pela estrada de terra, totalmente enlamaçada, em direção a um antigo e abandonado templo que ficava a cerca de dois quilômetros do pacato vilarejo de Drudge, carregando uma pequena carroça de mãos com um amontoado de panos sobre ela.

Ao chegar, o estranho retirou os panos da carroça e jogou-os sobre um dos ombros, com dificuldades. Caminhou apressadamente até a entrada e, com a mesma rapidez, olhou para os lados, como quem quisesse ter a certeza de que não foi seguido por ninguém. Então adentrou ao templo onde, sob a luz de velas, outros cinco sujeitos vestidos com uma capa carmesim cujo capuz escondia os rostos o esperavam.

Logo após os panos serem jogados ao chão, no meio dos sujeitos de carmesim, pode-se ouvir um barulho do lado de fora. Imediatamente, um desses estranhos caminhou até a janela do salão onde estavam e fechou a cortina.


O vilarejo de Drudge foi criado a muito tempo por um grupo de religiosos como forma de propagar suas crenças e atrair cada vez mais pessoas. Com o passar dos anos, o vilarejo foi perdendo seus atrativos e caiu no esquecimento, tornando-se uma pequena cidade ocupada apenas pelos seus fiéis mais antigos e familiares.

Naquela tarde ensolarada, embora a temperatura não estivesse alta, a jovem Azusa Kanie foi recebida por um garoto cuja idade não aparentava ser tão distante da sua. Ele vestia-se com uma espécie de túnica em diferentes tons de marrom e em sua cabeça, escondido em meio aos grandes cabelos enrolados, um tímido chapéu.

— Foi isso que eu vi aquela noite. — Relatou à kunoichi. — Já faz algumas semanas que nosso mestre ancião tem desacreditado de nossa fé e questionado nossos princípios. Isso começou quando ele passou a se encontrar com alguns seguidores de um outro culto que, segundo ele, cultuavam a vida e seus prazeres. — Complementava, com uma voz triste. — Eu acredito que seu sumiço e o de outras pessoas de nosso vilarejo esteja associado a esse novo grupo.

— Sinto muito por isso. — Respondeu. — Poderia me levar até este templo?

— Posso sim… Só me dê um minuto, preciso pegar minha bolsa.

Considerações:

O templo foi construído com muros e grossas pilastras de madeira que, apesar de estarem pintados em tons de branco e vermelho, apresentavam-se em péssimo estado de conservação, muito em função do tempo em que ficou exposto aos efeito da natureza como a chuva e os ventos sem que houvesse qualquer tipo de manutenção. Apesar do risco de tudo vir abaixo, a estrutura era imponente.

Cuidadosamente, Azusa e o discípulo vasculharam os arredores e bisbilhotaram pelas janelas da construção. Após constatarem que não havia a presença de ninguém, adentraram ao templo pela porta da frente. Internamente, a estrutura mostrava a mesma grandeza do lado de fora: um imenso salão com diversas pilastras perfeitamente alinhadas e um altar ao fundo. Todavia, não demorou para que a dupla sentisse um forte cheio de carniça.

Junto ao odor, outros detalhes curiosos começaram a se revelar. Talhados nas paredes e pilastras de madeiras, distribuído de forma aleatória, haviam estranhos símbolos em formato de um triângulo equilátero de cabeça para baixo inscrito em uma circunferência. “O único Deus é a morte… O vazio engolirá a todo… Glória a Jashin… Aceite-o… O que são essas frases?”, questionava-se. Haviam também diversas frases sem sentido espalhadas pelo local.

Porém, foi sobre o altar que a kunoichi encontrou um artefato ainda mais interessante: uma espécie de bíblia de capa de couro com o mesmo estranho símbolo bordado em dourado.  

Considerações:

Curiosa quanto ao conteúdo daquele livro, a kunoichi sentou-se à beira do altar e iniciou uma leitura atenta. Aquela espécie de bíblia contava a história de uma antiga religião na qual seus seguidores reverenciavam e cultuavam a destruição e a morte, sendo devotos à um deus de codinome Jashin. Além disso, soube-se que era comum os seguidores daquela religião, em seus cultos, realizarem sacrifícios em nome desse deus. “Agora faz sentido aquele monte de frases aleatórias”, refletiu.

— O que é isso? — O discípulo se aproximou e olhou por cima dos ombros de Azusa.

— Parece uma religião ligada à morte. — Continuou a folhear o livro. — Besteira… Não acredito que exista pessoas capazes de seguir algo tão idiota quanto isso. — Repudiou.

— Você tem razão, o ancião jamais iria se envolver com algo assim. — Concordou.

Entretanto, ao passo que a leitura progredia, a jovem realizou algumas descobertas. Atrelada à religião, existia uma arte ninja proibida capaz de conceder aos seguidores do Jashinismo a imortalidade. O jutsu é conhecido como Jujutsu: Shiji Hyōketsu e é utilizado para realizar os sacrifícios necessários à Jashin para continuar desfrutando desse poder. A técnica de maldição ocorre a partir do momento que o usuário ingere o sangue do sacrifício e desenha o símbolo Jashin no chão com sangue, ficando sobre seu centro. Isso serve como elo de ligação entre ele e sua vítima.  

Uma vez que o ritual de sacrifício ocorre,  a vítima estará diretamente ligada ao usuário que torna-se uma espécie de boneco de voodu vivo. Assim, qualquer lesão que ele sofre, é correspondido em seu alvo. Uma vez que o jashinista é imortal, a vítima pode ser executada desde ele se mantenha sobre o círculo.

Para se ter acesso à este poder, deve-se aceitar Jashin como seu único deus e realizar sacrifícios periodicamente para agradá-lo.

Considerações:

Apesar de sua clara características de considerar coisas antigas como ultrapassadas, aquele livro trazia um conteúdo integrante. Jamais havia ouvido falar naquelas coisas, talvez por motivos óbvios. Como funcionava a imortalidade? Isso era realmente possível? É algo suscetível a estudos?  A mente de pesquisadora não poderia negar o interesse naquelas escrituras.

Azusa cometeu um grave erro: distraiu-se. Aquele templo dava clara evidências que não poderia ser ignorado e qualquer vacilo poderia trazer incontáveis problemas. Não tardou para a punição chegar. Fascinada com a leitura, não percebeu a aproximação de um sujeito, coberto com um manto negro, pelas suas costas. Quando notou a movimentação, era tarde demais. O estranho apunhalou o garoto que a acompanhava com uma kunai na altura do coração. O golpe foi fatal e, sem vida, o discípulo caiu no chão. Imediatamente, a kunoichi fechou o livro e deu dois saltos para o lado contrário, afastando-se do figurante.

— N-n-não… Você não. — O estranho se abaixou e colocou a mão no rosto do garoto, chorando. O manto que cobria seu rosto caiu para o lado e a aparência de um homem idoso foi revelada. Era o mestre religioso de Drudge que havia desaparecido. — Eu não queria ter feito isso, desculpa! Desculpa! Desculpa! — Ele se calou por um momento e, depois, caiu em gargalhada. — Ó MEU SENHOR EU CONSEGUI! EU ESTOU PRONTO! VEJA! VEJA! OLHA QUE SACRIFÍCIO MARAVILHOSO! POR FAVOR, MEU SENHOR, ME ACEITE COMO SEU SERVO! — Gritava.

Então, totalmente descontrolado, o sujeito partiu para cima da garota.

Considerações:

Era complicado tentar entender como aquilo aconteceu. O líder religioso de uma pequena vila, responsável por propagar sua fé e manter o vilarejo em pé até os dias de hoje, estava completamente fora de si. Seja loucura ou esquizofrenia, estava cada vez mais claro que aquele velho era o responsável pelos demais desaparecimentos em Drudge. Enquanto ele corria em direção a kunoichi, era possível perceber seus olhos arregalados e sua boca salivando como se fosse um cão. Entretanto, apesar de estar armado com uma kunai, a diferença de habilidade e agilidade entre os dois era grande, afinal, aquele senhor não era um ninja.

Azusa sacou sua token e com extrema facilmente conseguia bloquear os golpes que recebia. Calada, a única coisa que ela fazia era justamente isso. Em um dado momento, aproveitou a brecha dada e, com um forte golpe bom o ombro, jogou o velho contra o chão. O sujeito, aproximou-se do corpo do garoto, passou a kunai em seu pescoço e lambeu o sangue que ficou sobre ela.

— ISSO É MARAVILHOSO! PARE DE RESISTIR GAROTA, ENTREGUE-SE À JASHIN! DEIXE EU SENTIR O GOSTO DE SEU SANGUE! — Ele continuava a gritar.

O olhar da jovem, no entanto, estava diferente. Tinha uma mistura de fúria e culpa estampada em sua face. Assim, ela começou a recitar algumas palavras em uma lingua desconhecida. Palavras essas que estavam escritas no livro que havia lido a minutos atrás. “Jashin, aceito-o como meu deus e prometo entregar-lhe os melhores sacrifícios”, finalizou. Em um rápido movimento, Azusa desviou da nova investida do sacerdote e desferiu um golpe em seu braço fazendo um corte superficial sobre ele. O idoso caiu sobre uma pilha de panos que estava em um dos cantos do templo.

Encarando-o, a kunoichi ingeriu o sangue que estava em sua espada, fazendo uma expressão de nojo em um primeiro momento. O velho levantou-se e notou que a pele da garota ficou preta com algumas marcações em branco, representando um esqueleto. Ao mesmo tempo, a Kumo-nin reparou que o ferimento no braço de seu adversário não se curou. Então, após fazer um corte em sua própria mão, ela deixou com que o sangue caísse no chão e desenhou o exata símbolo que se encontrava talhado nas paredes do templo, ficando sobre ele.

— Você foi uma péssima pessoa, velhote. — Disse, com um sorriso macabro estampado em seu rosto. O ex-líder religioso, assustado, apenas permaneceu imóvel. Não acreditava em que seus olhos estavam vendo. — Como um admirador de Jashin, você deve se sentir honrado em tornar-se um sacrifício. — Ela mirou sua token contra o próprio peito, engoliu a própria saliva, e, em apenas um movimento, fincou a espada contra o próprio coração.

Imediatamente, junto a dor que ela sentiu, o velho levou a mão ao peito e gemeu. Sua boca começou a escorrer sangue, assim como a de Azusa, e ele caiu no chão, morto. Porém, Kanie continuava viva. A dor aos poucos foi passando e ela sentia seus ferimentos se curando sozinhos.

Não tinha mais volta, a ela só restava decidir como utilizaria aquele proibido poder.

Considerações: