Sob múltiplos aspectos além do físico, eu e minha irmã somos perfeitamente idênticas. Dos ínfimos tópicos que discordamos, o principal deles é, sem sombra de dúvidas, acerca de onde reside a beleza do mundo. Para Beel, esta habita na transitoriedade do tempo e da vida, nas mudanças que atrozmente se abatem sobre nosso ser e aquilo que nos cinge. Já para mim, a beleza está na imobilidade do agora. Minha irmã defende que devemos viver o presente em prol do futuro, enquanto eu acredito que o presente deva ser cristalizado para o futuro. O toque pouco afável do tempo causa erosão, com a transição significando mudanças naquilo que já é, para todos os efeitos, perfeito.
E este é o resumo de nossa conversa antes de dormir, enquanto Kokomi olhava de uma para outra, a expressão de quem não sabia qual partido tomar. Muito embora mão fosse segredo para mim que minha melhor amiga fosse muito mais inclinada as ideias de minha irmã, e apenas evitava tomar posição abertamente para não me magoar. Pensar nisso fazia um tênue sorriso brincar nos meus lábios, enquanto mais uma vez refletia sobre o que teria levado alguém com o coração tão doce a decidir subitamente se tornar uma kunoichi.

Forramos o chão com alguns futon's, antigos, dos tempos que éramos crianças, para mais uma vez sermos capazes de dormir juntas. E eu estava feliz. Com as duas pessoas que mais amo no mundo ao meu lado (ainda que não literalmente, pois Kokomi sempre insistia em dormir no meio), não me importaria se o tempo congelasse nesse instante por toda a eternidade. Adormeci sem nem ao menos notar, instantes, minutos ou horas mais tarde – seria difícil de se concluir no primeiro momento – tornei a abrir os olhos, lentamente pelo peso do sono, inicialmente sem saber o que havia me acordado. Pisquei algumas vezes no breu, acostumando a visão à baixa luminosidade, até que minha mente, um pouco atrasada, resolveu acordar também. E então eu vi o sapo, e encarei o sapo. E o sapo de encarou.
— Ainda estou dormindo — conclui, certa que o animal não poderia mesmo estar ali. Não existiam sapos daquele tamanho, era o que eu achava até então. Mas minhas esperanças de ser apenas um delírio de meu subconsciente foram esmagadas e pisoteadas pelo súbito grito de Kokomi, que havia se sentado ao meu lado, esfregando os olhos. E confesso que todo o esforço que dediquei a conter o susto com a aparição do animal foi em vão com o sobressalto que levei pelo grito da loira. Até mesmo Beel, que dormia feito um bebê, acordou em alerta.

O anfíbio, sem dizer uma palavra (o que nesse momento parecia ser algo óbvio), apenas cuspiu, literalmente, um pergaminho cheio de baba em cima do meu futon. E, simples assim, como se fossem a coisa mais natural do mundo, ele se foi, saltando para a janela e desaparecendo em uma nuvem de fumaça.
— Kokomi adulterou nosso chá, ou um sapo gigante acaba de gorfar um pergaminho em cima de você, irmã? — Minha gêmea questionou, tão incrédula quanto eu sobre o que acabamos de testemunhar.
— Eu não fiz nada! — Kokomi disse, ainda aparentando estra sob o efeito do susto. Beel a abraçou para a acalmar, enquanto eu estia a mão para pegar o papiro (com um pouco de nojo) e o desenrolar.
— Isso é... um convite? — Repassei o pergaminho para as duas lerem seu conteúdo, esperando, provavelmente em vão, que alguma delas soubesse esclarecer aquelas palavras.
— Não está pensando em ir, não é?
Eu fiquei em silêncio por alguns instantes, refletindo. Aquilo era exatamente o tipo de evento imprevisível que eu tanto tentava evitar, e do tipo que mais cativava minha irmã: bastava olhar para o brilho de seus olhos para saber o que ela estava pensando. Totalmente convencida por seu sorriso, tomei minha decisão:
— Se eu fui convocada para algo, seria pouco educado ignorar — hesitei por alguns instantes, antes de estender o convite, esperançosa: — Querem me acompanhar?
Independente da resposta, eu reuniria meus itens (apenas por precaução) e iria para o jardim aos fundos da casa: uma extensa área que um dia já fez parte do pomar, até ser parcialmente queimado pelo incêndio de dois anos atrás. Agora é um campo quase vazio, preenchido por alguns canteiros bem dispersos e uma fonte em formato de faisão. Uma vez lá, olhei primeiramente para a Lua, então olharia para as duas garotas, caso estivessem ali, e, pensando em que fim levaria aquilo, morderia delicadamente a ponta do polegar para romper a pele e passaria o sangue da ferida aberta pelo pergaminho, conforme as instruções, esperando que aquilo fosse, pelo menos, algo além de uma peça pregada por Kokomi.

Extras:

Não tardei a descobrir que as imprevisibilidades daquele dia estavam longe de chegar ao fim. Sob a vigília da Lua, realizei o que havia sido requerido na mensagem, e assim que meu sangue entrou em contato com o papel houve uma explosão de fumaça branca que temporariamente obstruiu minha visão. Quando ela se dissipou, outro enorme sapo (para os padrões de um sapo casual) surgiu em minha frente, soltando outro daqueles pergaminhos. Imaginei se deveria desenrolar este também, quando uma voz, que vinha de um terceiro sapo cuja presença não havia notado no primeiro momento, começou a falar.  

Monte Myoboku, Fukasaku, eram nomes com os quais não estava familiarizada. Seriam parte de Kirigakure? Ou ao menos do País da Água?  Enquanto ele terminava seu monólogo, eu refletia sobre a natureza impremeditada desse encontro. ME fazendo repetir, minha própria natureza sempre foi avessa a imprevisibilidade e a tudo que não se pode controlar. Entretanto... A maneira como aquelas criaturas chegaram aqui, como se tivessem sido convocadas de outro local do espaço-tempo, havia de fato cativado meu interesse. Isso poderia significar que existe mesmo uma maneira de transitar pelo espaço sem precisar se locomover por ele?
Fascinante.

— A natureza rígida de  contrato exige cumplicidade de ambas as partes, e, para ser justo, ninguém deve sair com maior quantia que outrem. E enquanto parecem saber quem eu sou e ter algum conhecimento de minhas qualidades, eu estou ignorante quanto quem vocês são. Dito isto, ao invés de aceitar, as cegas, um contrato cujo propósito eu desconheço, e me submeter a um teste que até então não sou capaz de vislumbrar o propósito, por que não começamos com uma explicação mais detalhada acerta de seu propósito aqui, Fukasasu-san?

Extras:

Constantemente elevo meus pensamentos, a fim de alcançar respostas para minhas dúvidas. Pois há em mim um temor abissal, cuja presença aterradora ultrapassa os limites do que é sadio para a mente humana. Como uma fera ávida por se alimentar, meu arqui-inimigo espreita nas sombras, longe de meu alcance, mas nunca distante o bastante para estar fora de minha visão. Na Academia Ninja eu peguei grande gosto por estudar estratégia militar: a arte de lutar cem vezes antes da batalha verdadeira. E, embora inegavelmente tenha me ajudado, também abriu meus olhos para uma verdade absoluta: o verdadeiro inimigo encontra-se no futuro. São as peças fora do tabuleiro, aquilo que você não pode controlar. Meu arqui-inimigo é também o de tudo que existe no Universo: a mudança, trazido pelo galopar incessante do tempo. Um adversário impossível de ser parado.
Todavia, quando se tem coisas importantes que não se pode dar ao luxo de perder – e aqui meus pensamentos voltam para Kokomi e Beel – uma mente inquieta começa a traçar planos para se proteger de seu algoz, ainda que este seja tão volúvel quanto o vapor que sai de um bulo de chá.
Minha busca, portanto, é por algo que me permita derrotar o a própria transitoriedade. E é por isso que, ao ouvir as palavras do sapo, eu as pesava atentamente, avaliando se aquilo que ele me oferecia poderia me ajudar nesse objetivo.

Por culpa minha, um silêncio pode ter se abatido após o anfíbio terminar seu discurso. Chegara minha vez de retomar a palavra, e ele esperava pela minha resposta. Criaturas que vivem apegadas ao presente costumam querer tudo de imediato, sobrecarregando a si mesmas e as outras pessoas com sua urgência. Tanto falam sobre viver o hoje, mas passam por ele sem nem se dar conta. É desnecessário dizer, a esse ponto, que sou avessa a ideia do imediatismo, as decisões tomadas por impulso ou sobre pressão. É preciso parar, acalmar os próprios batimentos e sincronizar sua respiração, para então refletir sobre o que fazer. E foi o que eu fiz, motivo pelo qual minha resposta demorou a vir, enquanto apenas sustentava o olhar baixo.

Ele fala sobre profecias que prometem grandes guerreiros e guerreiras, e sugere que uma delas pode me incluir. Predestinação é mais aceitável que o caos, no fim das contas. E ele também fala sobre oferecer conselhos e instrução, o que de fato pode me ser útil. Se é verdade que tais sapos vem de uma linhagem bastante antiga então posteriormente podem me ajudar em minhas pesquisas. Ainda me preocupa, no entanto, que mesmo após ter oferecido tanto ele não tenha pedido nada de mim além de um simples teste, cuja finalidade, ao que parece, é meramente confirmar se sou mesmo a pessoa certa. E o "caminho correto", até onde eu sei, costuma mudar dependendo de quem está falando.
— Eu agradeço a oferta, Fukasaku-san, mas receio que deva...
— Aceitar — minha irmã se posicionou às minhas costas, descansando uma mão sobre meu ombro. De soslaio, nossos olhos se encontraram e eu tentei decifrar a mensagem que havia nos dela. No fim, creio ter entendido. — Perdoe minha irmã, ela é um pouco indecisa as vezes.
— Tem razão, irmã — concordei com um leve aceno com a cabeça, enquanto ela voltava para junto de Kokomi. Voltei então meu olhar para o pequeno sapo em cima do maior: — Eu aceito me submeter ao seu teste, e espero estar a altura de suas expectativas.

Extras:

O famigerado teste tratava-se, portanto, de uma luta individual. O mais tênue dos suspiros pode ter escapado de meus lábios, traído pelo vapor que se formava pela baixa temperatura noturna. Por algum motivo, todos esperam que eu prove meu valor através de uma luta, e, por via de regra, sempre é contra um oponente visivelmente superior.
— Fui dormir com a esperança de um amanhecer tranquilo, e, em menos de dez minutos após acordar, estou prestes a lutar contra um sapo gigante. Levando em conta nossos gostos, era para ser você aqui, minha irmã — eu desabafei, sem olhar realmente para ela. Conhecendo-a tão bem quanto conheço, posso supor que tenha dado um sorriso. — Fukasaku-san, se o perigo parecer estar se tornando muito abrangente, peço que cuide para que essas duas estejam fora da área de risco. Esta é minha única condição, e aceitarei como um gesto de boa vontade de vossa parte. — Dito isto, foquei de agora em diante foquei minha atenção totalmente naquele que seria meu adversário essa noite.

Um talento imprescindível daquele que busca se tornar um bom guerreiro ou general é o de saber adquirir experiência, e então replicar o que foi aprendido anteriormente. Recordando de meu ultimo confronto, naquele estranho teste de pós-graduação da Academia, uma miríade de ideias se formava em minha mente. Sem muito esforço, eu a organizava em pensamentos coesos, analisando, minuciosamente, cada detalhe de meu adversário. Para começar, ele tinha quase o meu tamanho, o que, cabe a observação, tem um significado especial quando nos lembramos que estou me referindo a um sapo. Sua massa corporal, entretanto, era visivelmente superior a minha. A partir destas constatações já posso deduzir que ele é fisicamente superior a mim no quesito força. Não obstante, estava guarnecido por placas que pareciam ser de metal, e eu não era otimista ao ponto de ter esperanças que fossem apenas enfeites. A própria declaração anterior de Fukasaku, apresentando sua raça como a de guerreiros, entregava que o que meu adversário usava era na verdadeira uma armadura de batalha.
— Uma armadura passa uma mensagem muita clara ao seu oponente — minha voz saiu branda, em um tom tão baixo quanto o sussurro do vento, enquanto executava uma sequência de cinco selos de mão e infundia meu chakra. —A de que você precisa de uma armadura.
Trajando apenas minhas vestes de dormir – um pijama de tonalidade ametista com o brasão do clã nas costas – talvez estivesse vestida um pouco inapropriada para o momento, mas não me foi dado tempo para trocar de roupa. Só espero não manchar demais essa roupa, é a minha preferida.

O primeiro selo que havia executado foi o do Kawarimi no Jutsu, na tentativa de deixar o jutsu preparado para, na probabilidade de sofrer um ataque direito, trocar de lugar com uma de minhas kunais, enquanto buscaria ressurgir atrás de meu adversário. Sendo apenas uma salvaguarda, a estratégia verdadeira começaria com o Katon: Gōkakyū no Jutsu, onde tentaria disparar uma enorme bola de fogo contra o sapo, na intenção de bloquear temporariamente sua visão. Não só a grande massa de fogo poderia cumprir esse papel, como também levei em conta o fato de estarmos no Outono, onde as temperaturas no País da Água costumavam ser baixas. Se eu estiver correta neste cálculo, o súbito surgimento de uma fonte de calor avassaladora poderia resultar em um choque natural de temperaturas, criando uma nuvem de vapor.

Nesse ínterim, realizaria os selos do Bunshin no Jutsu, buscando criar três duplicatas idênticas de mim. Ainda que inofensivas,  duas destas deveriam avançar contra o sapo pela esquerda e pela direita, cobrindo a distância de dez metros em velocidade máxima, enquanto empunhavam uma kunai cada, sinalizando sua intenção de atacar. A terceira ficaria parada exatamente onde eu estava, e, propositalmente atrasada, deveria começar uma longa sequência de selos, dando a Gamabushi a oportunidade perfeita para um contra-ataque.

Entrementes, assim que as cópias fossem criadas, eu tentaria, com o Henge no Jutsu, assumir a forma de um dos vasos de planta que haviam pelo jardim, me posicionando a uma distancia máxima de quatro metros da falsa Baal. Agudaria então até que Gamabushi atacasse meu clone, para que no momento certo, quando sua guarda estivesse comprometida por um possível golpe infrutífero contra a duplicata de ilusão, eu me desconverteria e o atacaria diretamente. Com uma kunai na mão direita, meu plano era infundir a mesma com chakra transformado em Katon, e então empurrá-la contra a pata traseira do sapo. Como minha intenção não era matá-lo, buscava apenas debilitar seus movimentos o máximo que podia.

Se algo desse errado, tentaria imediatamente saltar para trás, ganhando uma distância de 10 metros com o Shunshin no Jutsu, onde na metade do caminho jogaria três shurikens para inibir uma possível perseguição.

Extras:

Deixei escapar um suspiro, enquanto analisava minha situação. Recém saída da Academia, meu arsenal de jutsus era extremamente limitado, assim como minhas opções. Em uma situação tão desfavorável, quase sem motivações, parecia haver apenas uma coisa a se fazer.
— Ela vai desistir — foi Beel quem primeiro notou os sinais. Kokomi a encarou com os olhos esbugalhados.
— Ela vai o quê?!
— Para começar, minha irmã nunca quis realmente paticipar disso. Durante todo o momento ela esteve pesando os prós e contras, tentando se decidir sobre como agir. Mas após essa primeira investida deve ter ficado claro para ela que está em grande desvantagem ali. Veja, basta olhar para os olhos dela para saber o que se passa. Ela não acredita que vai conseguir vencer, e está perdendo sua motivação de continuar ali.
Então, subitamente, Kokomi deu um passo a frente e gritou:
— BAAAAAAAAAAAAL-CHAN!!! — aquilo pegou a todos de surpresa, inclusive a mim, que parei por alguns instantes. — Está tudo bem, você não precisa acreditar em si mesma! Apenas acredite em mim! Acredite em mim acreditando em você! — O sorriso da loira era tão estonteante e transbordava de tamanha pureza que poderia desarmar até o mais determinado dos guerreiros. Ou, como era o caso, renovar a motivação de alguém. Beel havia tapado o rosto com uma mão, balançando a cabeça visivelmente envergonhada pela explosão da amiga. Já eu fui totalmente incapaz de frear o sorriso, que logo se transformou em uma risada baixa, curta, mas repleta de genuína felicidade.
— Me desculpe, Gamabushi-san, por não ter levado nosso embate a sério desde o início. — Elevei a mão esquerda, realizando o Selo e Combate na frente do rosto, fechando os olhos. — Ainda que esta sensação dure apenas um atossegundo, eu teria falhado comigo mesma se não desse tudo de mim para proteger os sentimentos daquela garota.
Dito isso, abriria os olhos novamente. Em nuança com minha motivação renovada, concentraria minha mente naquilo que realmente me importava: proteger o Status Quo daquilo que eu amo. Junto a este sentimento, ao estar sendo confrontada com um adversário que, ainda que talvez ignorante a este fato, ameaçava este amor, uma sensação diferente desabrochava em meu peito. Era um sentimento que julguei não possuir, mas que agora tomava conta de mim.
Quando o amor se vê ameaçado, o ódio nasce em sua defesa.

Começaria com um ataque frontal, avançando na direção de Gama em velocidade média já realizando uma sequência de selos de mão. Lançaria então novamente o Katon: Gōkakyū no Jutsu contra o anfíbio, em uma linha direta. No ínterim de duração de efeito da técnica, arremessaria uma kunai para o alto, em um ângulo calculado. Após isso puxaria outra e tentaria um ataque direto corpo-a-corpo, na intenção de ser atingida por um ataque. Dessa forma ativaria o Kawarimi no Jutsu, anteriormente preparado, e buscaria ressugir atrás de Gama como planejado. Se tudo ocorresse bem, me aproveitando da confusão momentânea faria um segundo ataque com Katon: Gōkakyū no Jutsu, dessa vez a queima-roupa e no formato de um lança-chamas contínuo. Entrementes, a kunai que havia arremessado para cima enquanto a visão do sapo era bloqueada pelo primeiro jutsu, caso tivesse acertado o cálculo, deveria cair exatamente onde ele estava, o atingindo no ponto cego.

Extras: