Uma explosão pegou todos os moradores da vila de surpresa. Foi estrondoso. O suficiente para causar tremores no solo. Ocorreu no centro da vila, levantando uma nuvem de areia densa, por onde saiu uma silhueta humana rompendo-a. A silhueta derramava sangue no chão arenoso até conseguir pousar no topo de um prédio, agachando-se para absorver o impacto. Aos poucos, a nuvem de fumaça foi se dissipando e revelando uma enorme cratera, por onde era possível ver uma tubulação semelhante ao de um esgoto comum.

Desgraçada, Shisui cuspiu mentalmente, olhando de cima do prédio. Estava segurando o ombro esquerdo com a mão direita, o sangue vertendo por entre seus dedos após uma daquelas criaturas horrendas acertar-lhe com uma garra. As linhas de chakra tinham se rompido após ele ter perdido suas melhores marionetes. Essas criaturas.... onde ela conseguiu?, ele refletiu colocando-se em pé, as pernas tão doloridas quanto podiam estar após tanto lutar.

As nuvens passavam devagar naquela noite, diferente das pessoas que começavam a sair de suas casas às pressas, buscando refúgio. Shisui viu-as como formigas se amontoando para fugir. Devia ter sido semelhante no passado, quando Okina atacou. Porém, naquele tempo, ninguém conseguiu impedir algo ainda pior. Quantas pessoas tentaram se salvar da mesma maneira?, ele se perguntou e voltou os olhos na direção da enorme cratera. Não tinha ninguém. Nenhuma criatura, muito menos a cientista Takura. Só o esgoto, o solo destroçado, a areia ainda sendo empurrada e o sibilo do vento. Se eu não fizer nada sobre isso... vai tudo acontecer de novo, o pensamento lhe ocorreu e dois membros da ANBU desceram ao seu lado.

— Precisamos de mais reforços. O problema está mesmo dentro do laboratório, como suspeitamos.  — Shisui disse convicto, com a dor latejante no lado esquerdo. Se continuasse perdendo sangue daquele jeito, podia simplesmente cair morto. — Ouviram? Chamem mais reforços!

Os ANBU não falaram nada, muito menos deram sinal de que iriam fazê-lo. Se aproximaram de Shisui e tocaram-lhe os ombros. A dor espalhou-se em todo seu lado, onde o sangue continuava bombeando desesperadamente. Shisui olhou para uma das máscaras e viu olhos semelhantes aos de Takura. Ele sorriu, nervoso, não querendo acreditar. Era melhor que fosse uma alucinação por causa do sangue perdido. Entrar em choque não era incomum em meio a combates. Os olhos se apertaram, como se sorrindo. Uma onda de chakra atravessou-lhe os membros e o derrubou de joelhos no chão com as mãos para trás, amordaçado com uma técnica de paralisia.

Mais duas pessoas chegaram. Membros do Conselho. Shisui sentiu-se revigorado. Poderia explicar tudo. Era uma missão dada a ele, então ouviriam seu relatório. O mesmo homem que lhe deu a missão também se aproximou e agachou-se à sua frente, olhando-o nos olhos. Shisui encontrou apenas um sorriso debochado.

— Concluiu a missão? —
— Você... — Shisui abaixou o rosto. Estava derrotado. — Por acaso você sabe o que a família dele fará ao descobrir isso? Tem ideia dos problemas que nossa vila pode ter? Você está pensando em fazer acontecer outra tragédia como a de Okina?! — Shisui gritou, sentindo a fraqueza que a hemorragia lhe trazia. Colocou tantos sentimentos na voz, que saliva espirrou contra o rosto do homem, delatando seu desespero. Os olhos ficaram vermelhos, quase chorosos.
— Não queremos nenhum mal, então basta não contarmos a ninguém, não acha? — o homem explicou como se não fosse nada demais.

Shisui desistiu.

O rosto cabisbaixo, o sangue escorrendo, a derrota certa. Ele não tinha como vencer. Não tinha como mudar os rumos dos ventos. A ganância da vila a levaria ao fim — pensava até se, no fundo, Okina não tinha razão em afundar a vila em uma cratera de areia. Por mais que doesse imaginar quantas vidas inocentes haviam sido perdidas, também questionava quantas mais teriam sido sacrificadas em nome da ganância e arrogância humana. Aquilo lhe doía. Saber que seu povo estava em mãos corruptas doía-lhe mais do que a ferida exposta em seu braço, jorrando sangue. Queria ter a chance de salvá-los. De impedir que tudo voltasse ao espaço arenoso e vazio que Sunagakure tornara-se durante tantos anos.

A ANBU deixou o lugar. Tinham concluído o trabalho. Mais membros da vila se aproximaram, em seus uniformes, ostentando olhares assustados. Shisui não se considerava um homem sem sorte, embora soubesse que dali em diante só tinha dois destinos possíveis: a morte ou a prisão. Ouviu lhe chamarem de traidor, de ter atentado contra o crescimento da vila. E os ninjas, tão cientes da importância de receberem e cumprirem ordens, acreditaram. Nem contestaram. Eles sequer se importam se é a coisa certa, eles só querem fazer alguma coisa, refletiu quando foi segurado por debaixo dos braços e colocado em pé para marchar.

— Pelos seus crimes contra a vila, você será levado a prisão de Sunagakure no Sato e receberá um julgamento. — explicou o homem, colocando as mãos nas costas, mantendo a postura militar. Shisui quis rir daquela tragédia. Mas apenas se deixou levar, sendo guiado prédio abaixo, andando entre os prédios e os olhares pesados da população.

Para eles uma coisa boa estava acontecendo. A escória da vila, um traidor, que procurava acabar com os anos de paz e prosperidade estava sendo levado para a prisão. Pagaria seus crimes e, com sorte, seria condenado à morte. Eles não tinham culpa de pensarem assim. Eles não sabiam de nada. Sim, eles não merecem o sofrimento que virá, Shisui concluiu e fechou seus olhos. Venha, Shugo Tenshi, mentalizou e mexeu as pontas dos dedos. Linhas azuis translúcidas se iluminaram e dançaram ao vento noturno e uma silhueta angelical desceu dos céus, caindo no centro dos ninjas com duas enormes asas de metal.

— Mokushiroku! — Shisui exclamou e as asas dispararam enormes estacas de metal contra os ombros dos ninjas. Ele não tinha o intuito de ferir nenhum inocente. Foi um ataque premeditado. Com aquilo, foi solto, a técnica perdeu sua força com o susto e desconcentração alheia. Usando as linhas de chakra, ele puxou a marionete para próximo de si, a figura com o dobro de seu tamanho tinha um capacete de pregos, corpo de madeira, longos braços de formiga e as enormes asas.

Os braços da marionete fecharam-se ao redor de Shisui. A dor irradiou com o mero toque em seu lado esquerdo, mas ele limitou-se apenas ao apertar de um dos olhos. Precisava manter a compostura. As asas fecharam-se também ao seu redor e no instante seguinte abriram-se enquanto a marionete impulsionava-se do chão, conseguindo planar no ar como um verdadeiro anjo. De cima, o ninja viu todos lhe encarando como se fosse um demônio. Kai..., mentalizou e a marionete tremeu a cabeça antes das asas liberarem jatos de vento que a empurram pelo céu escuro, rompendo nuvens e o próprio ar.


Já estava bastante longe da vila quando seu chakra falhou e seus olhos ficaram turvos. Aos poucos sua marionete foi perdendo força, caindo. A chuva, àquela altura, já começava a cair fina. Faltando apenas cerca de um metro para o chão rochoso, a marionete perdeu totalmente as forças. Seus braços e asas abriram-se, o corpo de Shisui foi derrubado e rolou no chão, espalhando sangue por onde passava. A marionete continuou em frente até bater com a cabeça contra uma rocha e parar, quebrando a parte superior de seu corpo.

Shisui virou-se olhando o céu. É meu fim, ele tinha certeza. A chuva caía contra suas bochechas, morna e atrativa. Sentia o corpo cada vez mais gelado, perdendo a centelha de vida que lhe preenchia. Droga, eu não servi de nada..., o arrependimento atravessou seu coração como uma kunai. A chuva se misturou às lágrimas escorrendo pelas laterais de seu rosto. O sangue desmanchava-se na água, criando uma poça vermelha debaixo dele. A respiração do ninja foi diminuindo. Ele gostaria muito de erguer uma mão de forma patética e implorar para algum anjo de verdade descer e salvar-lhe, mas, além de não ter forças, ele não acreditava realmente nessas coisas.

Passos se aproximaram no meio da chuva. Sunanin ou Amenin?, perguntou-se. Tinha tentado escapar na direção da nova Amegakure, mas não tinha certeza de quanto tempo havia sobrevoado. Podia ser ninja de qualquer uma das nações. Os passos ficaram mais próximos. Uma sombra surgiu acima dele, uma pessoa se escondendo debaixo de um manto escuro. A chuva tocava nos ombros da sombra e parava subitamente. Não estou sonhando..., refletiu.

Uma mão saiu de dentro do manto. Pálida, molhada da chuva, tinha os dedos machucados de anos de servidão, mas, no centro dela, o círculo representando um brilhante sol fez o coração de Shisui acelerar. A mão se aproximou de seu peito, enquanto a figura agachava-se ao seu lado. Shisui quis se debater e se afastar, sentindo medo pelo que aconteceria.

— Tenha calma, eu não irei lhe machucar.  — a voz soou estranhamente calma e tranquila. Shisui arregalou os olhos. A mão tocou o centro de seu peito e uma energia percorreu todo seu corpo de uma única vez, expandindo-se como vitalidade pura sendo devolvida ao seu ser. O ferimento começou a se fechar como se a sombra estivesse usando uma técnica medicinal, mas não havia nenhuma luz de charka verde.

A visão de Shisui foi recobrando-se. As coisas ficaram mais claras e ele viu um rosto, cabelos na altura do ombro e barba escura. Só via um dos olhos, preto e bastante melancólico. O outro estava escondido atrás de um tapa-olho. Shisui reconheceu a imagem embora não pudesse acreditar. Ninguém o via há tantos anos...

— Kumo no... Shinigami? — Shisui questionou e seu ferimento fechou.

Uma rajada de vento empurrou o capuz do homem e revelou claramente sua identidade debaixo da chuva. O Shinigami da Nuvem. O homem que ajudou a derrotar Okina no passado.

Hazuki Mako.