Renji locomoveu-se vagarosamente em retorno à Konoha. A paisagem, recoberta por árvores, arbustos e diversos espécimes silvestres pareciam acompanhar seus passos, mas era apenas uma sensação impessoal. Com tantos séculos e milênios transcorridos, até mesmo no novo havia uma herança do antiquado. A interrupção momentânea de sua missão tampouco deixou sua mente em letargia, ainda havia oportunidade para algumas reflexões simplistas, ponderações sobre as novas responsabilidades que poderia obter. E continuou. Seus devaneios e passos apenas foram cessados quando ouviu seu próprio nome sendo proferido, embora a voz não pertencesse aos seus lábios, por mais que houvesse soado dessa forma quando surgiu.

— Seja breve.

— Tenho as minhas palavras e uma conveniente informação. — Kira parecia manter-se entusiasmado em dedurar seus antigos aliados. — Há alguém que sabe onde está Hirohito. — atropelou todas as sentenças, disparando as palavras sequenciadas apressadamente.

— Quem? — o desinteresse na voz era nítido, contrastando a ambição em encontrar o seu mestre, que permanecia resguardada em seu âmago.

— Aegir. Estranhamente, ela sempre soube coisas demais e de pessoas demais, também. Vez ou outra aparece com jóias ou dinheiro, provavelmente obtido por outras vias. Que seja. Sei onde ela está e, consequentemente, ela dirá a localização dele. — Kira dissertou com avidez, Renji quase lamentou não ter prestado atenção na maior parte do conteúdo. — Bem, ela está alojada em um estabelecimento não tão distante daqui. Posso levá-lo lá.

— Não há necessidade. Eu encontrarei o caminho. Eu conheço o caminho.

— Não sabes quem ela é, Jovem Mestre.

— Quando encontrá-la, saberei.

Renji tornou a sua confiança em realidade e, quando recaiu sob si o anoitecer, havia chegado. O bar, localizado nas profundezas da floresta, era similar a uma pousada. A iluminação artificial do ambiente indicava o nome do estabelecimento — Néa Archi. — em letras garrafais. Até mesmo um cego leria, caso pudesse ver. Recepcionado por um proprietário tão exuberante quanto seu gigantesco bar, Shigaraki percebeu que o exagero na quantidade de tinta despendida no letreiro era o menor dos problemas daquele lugar. Rokuro, o dono, emanava um odor fétido e carregado, como se houvesse sido mergulhado em bebidas alcoólicas. E não duvidaria nem um pouco se assim o fosse. A voz carregada do homem era desgastante, suas roupas finas estavam muito usadas e, como se não bastasse, seus clientes pareciam similares ao indivíduo em questão. Ignorou-os e concedeu apenas passos.

No fundo do salão, oculta por detrás de uma multidão de bêbados dançantes e barulhentos, jazia em sua cadeira uma mulher jovem, esbelta e, aparentemente, distinta da parcela circundante de freqüentadores daquele recinto. Quando esta abriu os olhos, assim que Renji aproximou-se, percebeu no tom azulado deles certa cautela e frieza, intrínsecos de uma mulher calculista e certamente manipuladora.

— Shigaraki Renji. — cedeu-lhe o nome com a mão erguida, cumprimentando-a.

— Aegir. Chame-me de Aegir. Você quer alguma coisa, sempre querem. Jogue suas intenções na mesa e sente-se, sinto que tardará para retirar-se. — Renji estranhou o vocábulo, contudo, sentou-se e ela prosseguiu. — Os seus olhos são peculiares.

Quedou a cabeça por um singular instante, escutando cada palavra fraseada pela moça. Elas ritmicamente se moviam pelos lóbulos, indo de um lado ao outro, como se dançassem em conformidade ao que era profanado. Ainda assim, o moreno não resguardava em si quaisquer sinais de um bom humor palpável, vide o semblante incrédulo com cada trejeito apresentado pela criatura.

Não possuía piedade pelos monges envoltos à teia de crimes generalizados que durante dois anos caçara, entretanto, também não existiam em si resquícios de vingança. Abstraía-se singularmente de todos os preceitos humanos em prol do objetivo, minimamente, desde que não tocassem em suas máculas. Grosso modo, desde que Michelin se fora, o rapaz procurara unicamente a objetividade, sem atracar-se a fundamentos fúteis.

— Agradeço o elogio. — Renji poderia congelar os ossos da monja com a frieza contida em sua cortesia. — Almejo a localização exata pertinente a Hirohito, o Monge dos Origamis. Ou então... — foi interrompido antes que pudesse prosseguir.

— Com ameaças veladas, de mim nada obterás. Tudo possui um preço. — ela respondeu com o tom de voz excêntrico, como se menosprezasse a figura do jovem Chūnin.  

— Eu não tenho um preço.

— Valores nunca são apenas monetários. Pode ser ouro, conhecimento, filhos, desejo ou uma vida. Todos nós temos o nosso preço, seja de uma forma ou de outra. — as mãos da mulher removeram um pano alvo, que recobria um tabuleiro de Shogi com as peças armadas em suas devidas posições. — E o meu é uma partida. Michelin comentou acerca de sua invencibilidade, talvez hoje seja o dia de seu primeiro fracasso. Ele tarda, mas jamais falha. Sempre perderemos algo, pelo menos uma vez em nossas vidas. — ela riu minimamente. — Quero saber se existe um grande intelecto nesta pequena mente.

—  Não está na posição de exigir termos.

— Estou sim. Caso meus requisitos não sejam atendidos, nenhuma palavra a soar da minha boca trará a sua satisfação. Sou uma mulher e tampouco possuo os seus atributos físicos para manter a minha dignidade intacta, diferentemente de você. Posso fazer de minha mente meu escudo, mas de nada adiantará se brandir os punhos em minha direção, covardemente. — um sorriso abriu em seus lábios venenosos. — Reside alguma honra por dentro dessa alma cruel? A alma de um homem, e como todos os homens, crueldade nela há. Os seus olhos são a janela para a sua alma, Shigaraki Renji.

O moreno moveu a cabeça em completa neutralidade, embora a sinalização positiva. O gesticular dos dedos solicitava para que um dos funcionários trouxesse petiscos para ambos.

— Teremos um conflito limpo, meramente diante do tabuleiro, conforme anseia. Para atender com a pressuposta demanda, assumirei as peças negras, condizendo com a mencionada crueldade em minha psique. — utilizou das provocações armadas pela mulher para fazer as suas. — Portanto, faça o primeiro movimento. As brancas sempre começam, em sua simbólica jornada a frente dos males.

Após a fala dada com certa rispidez em seu tom de voz, uma ameaça velada – embora inconseqüente, visto a posição irregular em que se encontrava, Renji fora recebido com um singelo sorriso da criatura sã ao outro lado do tabuleiro. Por algum motivo desconhecido, cada peça antes presente era alterada por novas. Elas foram despejadas vagarosamente, sendo tocadas e anexadas às suas posições; uma por vez. Entretanto, por mais que possuíssem traços similares às tradicionais peças do campo de batalha utilizado contra os monges do Templo do Fogo, as mesmas resguardavam em si particularidades únicas das quais ousou perceber e, de imediato, em súbita curiosidade, tocar.  

— Não me parecem peças comuns. — ergueu a sentença, analisando cada mínimo traço. Elas possuíam o material amadeirado como fonte predominante, com brasões e os símbolos das nações esculpidos em cada uma das bases. Talvez por mera coincidência ou uma íntima piada do destino, seus cavaleiros acresciam o estandarte de Uzushiogakure em suas hastes, simbolizando a casa daqueles que deveria clamar como familiares, o lar de seu renegado clã. Enquanto isso, as peças brancas lapidavam o estandarte do País do Fogo.

— E não são. — ela respondeu, acenando para que ele acelerasse em seu processo de análise superficial das peças. — Estilização é apenas um fragmento da jogatina, contudo, tornar-te-ei mera estatística caso derrote-te com peças comuns. Este é meu tabuleiro de desafios, para convidados de grande importância. Kira avisara-me de seu comparecimento, e quis tornar esta partida algo especial para ambos. Inesquecível. — ela posicionou-se, findando o rei e, em seguida, o colocando em seu devido posicionamento.

De imediato, os inúmeros homens que conversavam em alto tom por todo o estabelecimento simplesmente se calaram, quedando suas cabeças como se enfrentassem uma ordem. Os passos pesados de cada íntima pessoa, principalmente os bêbados, fora guiado para uma aglomeração de cadeiras, colocando-as à cerca de quarenta metros do tabuleiro, usufruindo do grande cômodo que era a específica área do bar.

A forte iluminação que antes se fazia presente fora maculada, e com as inúmeras silhuetas que se opunham ao direcionamento da luz, apenas alguns feixes eram visíveis, diminuindo grandemente a capacidade de Renji observar e, igualmente, analisar a localização. Restava-lhe, portanto, somente a capacidade de fitar o semblante feminino, que mediante trejeitos corpóreos, indicava que cada mínimo movimento, mesmo fora do campo de batalha, insinuava o antecedente preparo.

— Pronto?

O dono do bar, com seus serviços solicitados outrora, finalmente trouxera alguns petiscos para que ambos se alimentassem durante a longínqua noite, além de contadores. Cada objeto amadeirado calculava um total de um minuto para que os jogadores efetivassem seu movimento, e, com o prazo batido, seria realizada a troca de turnos. Por fim, o velho finalmente sentou-se, colocando-se na posição de árbitro.

Renji suspirou, incomodado com todo o preparo.

— Primeiro as damas.

— Ultrajante. — foi a única frase perdurada pela mulher, porquanto seus dedos iam de encontro ao tabuleiro.

Aegir não tocou qualquer uma das peças, esperando que Rokuro, na posição de árbitro, desse sinal para o início do embate. Somente quando o contador permitiu o contato, a mulher realizou seu primeiro movimento, deslizando o peão central com insólita avidez. Mediante ao ato, o rapaz analisava cuidadosamente as feições da monja, os olhos desta retomados por uma gélida confiança até então ofuscada pelas palavras excêntricas. Em resposta, Renji permitiu-se mover o peão contido na extremidade esquerda do tabuleiro, esperando que ela realizasse algum movimento simplório para preparo do terreno.  

Contudo, distinguindo-se de sua pressuposição, a adversária avançou a peça igualmente da extremidade, colocando-se frente a Renji, aparentando copiar a sua movimentação. Costumeiramente, o rapaz não tendia a ponderar cada movimento efetivado, visto não haver a necessidade de exercer qualquer preparo antecedente quando confrontando os monges, estes que levavam a prática como suposto hobby. Logo, mantendo a arrogante percepção conforme o movimento atípico da criatura e o olhar peculiar que era direcionado a si, Shigaraki novamente realizou a ação com o intuito de testá-la.

O peão à lateral-central foi guiado para uma casa à frente, com os punhos tocando o contador e um novo turno sendo iniciado. Aegir possuía duas opções credíveis naquele instante: Simploriamente copiar sua movimentação como fizera no turno anterior, ou entregar-se ao devorar sua peça. Não tardou a cumprir o tratado. Em um súbito instante, sem sequer pensar, o primeiro peão de Renji foi levado ao abate. O moreno suspirou, cansado, consciente de quais decisões deveriam ser tomadas em seguida. Uma delas: desvendar os métodos da monja.  

Com o passar da primeira hora do embate que se aquecia conforme suas objetivações, Renji aproveitara do minuto de pausa para analisar o campo. Suas linhas frontais haviam sido dizimadas, ao qual perdera todos os peões no simplório ato de testar a estratégia que seria utilizada por Aegir. Incapacitava-se de deduzir perfeitamente, o que o causava incômodo. Enquanto isso, unicamente abatera dois peões e dois lanceiros.

Mantendo a súbita análise, concluíra que os movimentos da mulher eram predominantemente agressivos. Utilizando-se da torre e os peões, buscava sufocá-lo, mesmo copiando suas ações no mero intuito de desestabilizar suas táticas. Compreendera, logo, que não poderia unicamente disputar com a mulher de forma automática, necessitando de raciocínio lógico e bom uso de suas habilidades cognitivas. Em suma, deveria usar o tempo ao seu favor, pois cada segundo valia uma peça.

Imediatamente, recordou-se do Exame Chuunin. Dois anos atrás, quando enfrentara a excêntrica nukenin e a formação má utilizada para combatê-la, que unicamente os deixaram expostos ao perigo. Grosso modo, era o mesmo que fazia no instante, buscando formas efetivas de penetrar a defesa adversária, entretanto, com o alto custo de sacrificar suas peças. Suspirou, desvinculando-se da metodologia.

"Os Lanceiros serão Squall. A Torre será Yukito. Os cavalos serão Taiyou, e o Bispo será Kira. Os Generais serão Jirou e Michelin. Por fim, à Mikan caberá o papel de rei.", pensou, nomeando cada peça como figuras conhecidas para si ao semicerrar dos orbes, com o único intuito de passar a se importar com as peças.

Abstraindo-se dos pensamentos, fitou o tabuleiro, aguardando o início de um novo turno.

A monja manteve em suas mãos um dos peões capturados, transformando a própria posição em uma espécie de arame farpado. Aegir possuía em sua disposição mais oito peões, todos passíveis de serem postos em qualquer posição do tabuleiro, numa possibilidade mortífera de xeque-mate nos próximos turnos. Contudo, aproveitando-se do deslize da mulher em permitir que dois de seus lanceiros caíssem durante o avanço letal, Renji pôs o primeiro de seus espólios em batalha. Os lábios da mulher projetaram um sorriso cínico, subestimando a decisão. Contundente, ela prosseguiu com a sua estratégia irrefreável, modulando mais um peão com o intuito de obstruir o lanceiro recém-colocado, criando uma espécie de barreira estratégica na posição atual. Uma muralha simbólica, a qual precisaria transpôr.

Transpassada mais uma hora de combate, o domínio da adversária era nítido. Os lanceiros obtidos foram esmagados, como se houvessem enfrentado uma tempestade. Pôde recuperar alguns de seus próprios peões e concretizar baixas nas linhas de Aegir, mas eram ínfimas em comparação às suas. Taiyou, os cavalos, corajosamente puderam romper as fraquezas nos flancos da monja que, utilizando da sua experiência, desfalcou Renji de mais alguns de seus aliados. Seu alicerce era modulado em Yukito, promovido em duas frentes, formando uma espécie de fortaleza ao redor de Mikan. De tal forma, pôde prevenir momentaneamente as ameaças de xeque-mate.

Durante maior parte daquela parcela da partida, ambos os generais estiveram quase inertes, sendo movidos apenas para facilitar uma transposição. Estavam sendo preservados para o momento derradeiro da batalha, quando os ataques da mulher tomassem um caráter decisivo. E tomaram, sem mais tardar. Na sequência de movimentos que deram prosseguimento aos trinta turnos que sucederam-se, houve participação ativa dos generais. Inúmeras peças da monja foram promovidas em sucessão, transformando o tabuleiro em um campo minado, culminando em eliminações constantes por partes das escassas tropas de Renji. Facas fantasmagóricas eram postuladas nas mãos da mulher, preparadas para serem fincadas novamente no tabuleiro. O Shogi abria a possibilidade para a ressurreição dos mortos em benefício próprio, protagonizando o peculiar embate de Shigaraki a frente de seus próprios aliados.

Os bispos, incólumes até então, puderam abrir caminho provisoriamente. Aegir abandonou alguns peões em posições enfraquecidas, propícios para o abate. Seu contra-ataque viria de uma colaboração de ambos Kira e Jirou, abrindo o primeiro xeque diante da monja naquela partida. A mulher podê escapar da ameaça minimalista, mas com o transcorrer da partida, após uma assimilação gradual do ritmo sustentado por ela, Renji tornou-se um empecilho. Ciente de que o páreo estava distante de ser alcançado, ele aguardou que a agressividade viesse de Aegir. Os olhos azuis desta percorriam o tabuleiro rapidamente, calculando milhares de possibilidades de lances, supondo pela forma como ela selecionava os mais precisos e aterradores. Uma adversária formidável, metódica e cruel, buscando a conclusão mais sangrenta e humilhante, como se ansiasse pelo triunfo completo acerca das ambições e expectativas do moreno.

Não sentiu-se incomodado. Os seus caminhavam consigo, mesmo que de forma simbólica, naquele tabuleiro. Mesmo que fossem abatidos ou encurralados, Renji levantaria todos novamente. Era crucial sacrificar para que pudesse preservar a sua peça mais estimada. Tudo que aquele confronto representava estava localizado em um único ponto do tabuleiro, mais valioso que as peças restantes em conjunto.

— Caso desista, meus termos serão mais generosos. — sua adversário comentou subitamente, quando lhe tomou Jirou em uma emboscada. — Suas opções estão praticamente nulas.

O silêncio pairou perene no semblante de Renji. Suas jogadas se restringiam a serem intercaladas num tempo extremamente escasso, diminuindo a gama de possibilidades a serem calculadas. Todas as linhas estavam abertas simultaneamente, predestinando um ataque avassalador da monja. Concentrou-se somente no tabuleiro, dotado do fogo e do vazio que constituíam a sua mente no momento crucial. A Vontade do Fogo para manter as suas esperanças crepitantes e o Redemoinho para afastar o desespero e seus medos. Apenas a intrínseca dualidade de sua existência. Respirou profundamente, obtendo nos poucos segundos que faltavam a reflexão vitoriosa. O calor emanado pelo tabuleiro extinguiu-se por um instante, retomando apenas quando os seus dedos se concentraram em um único ponto. Era a sua jogada perfeita.

Sorrisos e gracejos vindos de Aegir ruíram quando analisou a sua posição. O contra-ataque estava apenas começando, percebendo nos olhos de Renji quando confrontados. Ao focalizar seus esforços na destruição completa das frentes do Shigaraki, a retaguarda da mulher estava aberta em todas as linhas possíveis, concretizando uma possibilidade de ataque revigorante. Impelindo os seus defensores novamente para trás, o moreno pôde abatê-la nos flancos, tomando todos os seus generais e um dos bispos, transformando a batalha unilateral em um páreo, após consecutivos cento e setenta e oito turnos de dominação da Mestra de Shogi. Os homens murmuraram constantemente nas fileiras de espectadores, fascinados com a reviravolta. Apenas uma Inteligência Avançada incrustada num homem traria luz a uma partida praticamente definida.

Mas todos tornaram a calar quando subitamente um xeque nas fileiras de Renji fora efetuado. Mikan exposta, retirou-se para a única casa possível, mas novamente houve a ameaça. Repetidas vezes, moveu a peça para distante das facas, mas estas relutavam em abandonar a dianteira. Percebeu então, que estava em um xeque perpétuo. Como se estivessem apontando armas um contra o outro, prosseguiram com os lances freneticamente. A repetição era nítida, mas tampouco perdia a beleza, afastando-se para as mesmas casas repetidamente, evadindo dos ataques como um dançarino alvejado por espadas. O suor frio correu pela face de Aegir, impaciente. Rangia os dentes e praguejava, enfurecida. Foi apenas quando a ruptura do silêncio ressurgiu no salão, que a centena de xeques teve a sua interrupção.

— Xeques perpétuos são proibidos nas regras do Shogi. Inerente ao seu desejo, infere-se que a posição seja abandonada. — desta vez, Shigaraki Renji deu-lhe o sorriso. — Ou prefere abandonar a partida? Em todos os casos, necessitará aceitar o seu destino.

— Não. — sussurrou Aegir, exausta. Os dedos da mulher deslizaram a peça em recuo, buscando o auxílio das tropas restantes. De toda forma, ambos sabiam que não havia escapatória, visto que o recuo colocava o seu estimado rei no alcance do ataque de Renji.  

— Xeque-Mate. — ele proferiu, antes mesmo do movimento ser efetuado. O General de Ouro mantido por Renji, após captura-lo de sua adversária, retomou ao tabuleiro diretamente nas proximidades do Rei ao qual outrora havia jurado lealdade. Michelin novamente havia traído a Vontade do Fogo, embora dessa vez pudesse ter o feito em prol de seu estimado aprendiz.

Perante a iminente derrota da kunoichi, a postura de Renji foi quedada, como um respeitoso cumprimento efetuado em completitude às regras do tabuleiro, visto que independente da conduta, ações ou condições interpostas pela criatura, ambos eram adversários que deveriam expressar respeito um ao outro. Logo, manteve-se no posicionamento, tomando ar para exibir a resposta necessária.

— Obrigado pela partida. — murmurou, aproveitando para fitar os homens que se alocavam na área de telespectadores, estes que, igualmente da forma robótica que adentraram a localização, vagarosamente retornavam ao seu ponto de partida. No mais, estendeu os oculares em direção a Aegir, esta que, inerente ao ato respeitoso do rapaz, recusava-se a cumprimentá-lo.

Renji ignorou. Não se importava com os preceitos da figura, unicamente atuando na partida em prol do objetivo de sua missão: adquirir os dados a respeito do Monge dos Origamis. Embora o hobby houvesse o divertido, com o cair da madrugada, unicamente ansiava pelas respostas que pudessem o levar de volta para seu caminho de peregrino.

— Eu venci o confronto, monja. Conceda-me as respostas a respeito do Senhor dos Origamis, como combinado em nosso acordo. — proferiu, pegando a capa que havia sido retirada quando se sentou ao iniciar da partida. Aegir o fitara de soslaio, com os orbes azuis tomados pelo mesclar de fúria e volúpia.

— Talvez tenha te subestimado, rapaz. Um aluno de Michelin, deveria ter me precavido. Efetuei movimentos ofensivos dos quais jamais faria em um embate sério, e...

— Não desejo suas desculpas. — respondeu diretamente, cerrando os olhos desinteressadamente. — Você foi uma boa adversária, fez-me ponderar estratégias e aparentemente levou-me a um nível de mentalidade que jamais imaginei atingir, contudo, não estou aqui para escutar suas falácias. Apenas dê-me a resposta que solicito. — a mulher gargalhou conforme seu dialeto.

— Ah. É isto, portanto? — uma simplória aura foi emitida da silhueta da monja. — Criatura pífia. Tua arrogância perpassa o que pressupus a respeito de ti. É por isso... Que o nosso acordo está desfeito.

— Uma péssima perdedora. — respondeu ironicamente, ponderando iniciar o Shikigami no Mai, contudo, foi surpreendido pela rápida efetuação de selos da figura feminina, muito mais hábil que o próprio.

Renji recuou automaticamente, utilizando de velocidade dois para afastar-se do epicentro da habilidade que poderia vir, e embora não possuísse informações pertinentes à monja, preferia não brincar com o fogo. Mediante ao susto ou mero desespero apresentado ao analisar a situação, desviou sua atenção unicamente para Aegir, esquecendo-se dos ademais homens que por ali transpassavam, estes que imediatamente avançaram contra si, segurando os seus braços.

A estilização robótica de seus movimentos permanecia, porquanto do teto inúmeras folhagens esbranquiçadas quedavam gradativamente, em pequenas quantidades que aumentavam em conformidade à aproximação das penas. Os olhos de Renji fitaram a cena, buscando uma forma de evitar o alicerce da habilidade.

Embora não fitasse o recair das penas diretamente, Renji sentia suas pálpebras ficarem mais pesadas conforme o andamento da técnica. Seus olhos mantinham-se centrados na direção dos homens, planejando livrar-se com a utilização do Shikigami no Mai. Contudo, quando o primeiro deles caiu no chão para a surpresa do rapaz, ele compreendera que a técnica em si poderia ser a responsável pelo leve mal estar que sentia em seu corpo.

Quando mais dos homens que agiam em similaridade – portando a excêntrica forma – foram caindo um a um, o rapaz decidiu seguir os movimentos, minimamente para ter tempo o suficiente para colocar os pensamentos no lugar. Logo, vagarosamente Shigaraki atirou-se no chão de barriga para baixo, atuando como se estivesse caindo no sono. Tal pressuposição vinha imediatamente pela clara percepção de que aqueles que entraram em contato direto com as penas ou simplesmente mantiveram o olhar direcionado para elas por um longo tempo sofreram de algum tipo de represália.  

Em condição de seus conhecimentos prévios tanto em taijutsu, quanto em ninjutsu e o desconhecimento daquela habilidade, o rapaz deduziu que somente poderia tratar-se de uma natureza avançada em genjutsu. Devido a isso, Renji buscou os mínimos detalhes ensinados em sua passagem pela academia, ao qual se recordou que a interrupção da circulação de chakra por um singular instante poderia quebrar aquele tipo de técnica. Portanto, com o avanço das penugens que inevitavelmente caíam em seu campo de visão impedindo quaisquer análises aprofundadas do campo, Renji enclausurou seu fluxo de chakra, utilizando-se de pura inteligência para quebrar o contato.

— Kai. — murmurou ao reunir das mãos no selo tigre, ansiando para que a simplória tática obtivesse resultados críveis. As pernas que antes pareciam pesadas vagarosamente retomaram as habituais características, assim como as pálpebras que regrediram ao habitual estado. Por fim, as penas que recaíam por toda a ambientação foram interrompidas pela monja, crente de que o serviço estava concluído.

Shigaraki permaneceu no mesmo posicionamento, aproveitando-se para descansar e igualmente analisar alguns simplórios detalhes da ambientação. Entretanto, em um primeiro instante, limitou-se a escutar a conversa que era trocada entre Aegir e Rokuro, o peculiar dono do bar que permanecia intacto à técnica.

— Estou indo. Conclua o serviço, Rokuro. Não precisamos de shinobis no encalço de Hirohito, pois havendo quaisquer vazamentos, o meu pescoço rolará ante a qualquer palavra da minha parte. — a mulher disse, tocando o seu tabuleiro de shogi. Mantinha-se inconformada com a derrota perante o mais novo.

— O que devo fazer com o garoto? — ele questionou de forma retórica, como se já soubesse a resposta. Suas mãos iam de encontro a uma estranha alabarda de metal maciço, provavelmente preparada para sua altura, embora cambaleasse com o peso do armamento, simplesmente por estar bêbado.

— Como previamente dito, conclua o serviço. O rapaz trabalha para a folha, e apesar de eu respeitar Michelin, seu discípulo não pode viver. — o homem assentiu mediante as palavras de Aegir, indo em direção a Shigaraki Renji.

Rokuro manteve os passos em direção a Shigaraki, brandindo sua alabarda. A pesada lâmina de metal maciço continha o único intuito de atingir o rapaz em cheio, visto as ordens dadas por Aegir nos segundos antecedentes ao ato. Contudo, o grande peso do armamento e a dificuldade de manter a postura intacta devido aos efeitos das dezenas de bebidas ingeridas durante a partida de Shogi, tornavam cada passo vagaroso, oferecendo os segundos necessários para que Renji planejasse a sua estratégia.

Aegir encontrava-se a cerca de quinze metros de seu corpo, este inerte ao chão. Ela mantinha-se próxima aos reatores que concediam energia às poucas luzes da ambientação, que em geral asseguravam o aspecto escuro do bar. Estava desatenta, com os orbes azuis centrados em algum tipo de estresse inerente, como se desejasse a conclusão do episódio com extremo fulgor. Renji sorriu internamente.

O seu posicionamento e a penumbra onde permanecia, auxiliava para que examinasse e simultaneamente preparasse os seguintes movimentos. Continha o breve esclarecimento de que Rokuro não oferecia quaisquer perigos, entretanto, a monja sim. Aegir continha o domínio aparente de habilidades centradas em genjutsu, das quais o rapaz não possuía um conhecimento avançado. Logo, precisava imobilizá-la de forma que impedisse a realização de quaisquer selos ou contato entre ambos, considerando-se que uma execução consistiria em falha ao seu objetivo.

Efetuou os selos necessários, aguardando o avanço de Rokuro. Amassava o chakra no interior de seu corpo, e quando a proximidade foi suficiente, ao qual o homem novamente brandiu a alabarda, Renji liberou o fluxo que armazenara durante todo o percurso. — Katon: Gōkakyū no Jutsu! — executou a habilidade, despejando uma grandiosa bola de fogo que fizera o homem esbravejar em dor, recuando os passos e caindo imediatamente no chão.

Renji levantou de sua antiga posição em um salto veloz, pegando uma kunai de sua bolsa de armamentos para perfurar as pernas do homem, rasgando-lhe a carne e impedindo quaisquer movimentos posteriores. A atenção de Aegir foi tomada, e em súbita ação, o moreno ativou sua principal habilidade.

Inúmeras folhas de origami surgiram no campo de batalha, permitindo ao rapaz criar uma shuriken de papel através de manipulação de Rank-C, esta atirada no refletor. Automaticamente o breu tomara todo o ambiente, levando a Renji tentar avançar contra Aegir. A monja, contudo, consciente da estratégia do rapaz, simplesmente buscou evadir-se do cômodo. Em velocidade moderada, aproveitou-se da escuridão para correr em direção à porta, contudo, Shigaraki previu o movimento, atirando seu próprio corpo contra o da kunoichi, levando ambos ao chão de forma abrupta. Instantaneamente pôs-se sobre ela, impedindo quaisquer ações.

— Realmente não possui atributos físicos para um confronto direto. — o rapaz provocou, lembrando-se do diálogo compartilhado ao chegar à localização. — De nada adiantará caso venha a brandir seus punhos covardemente. — prosseguiu com a repetição, buscando alguma forma de imobilizá-la.

— És pesado. Além disso, utiliza-se das técnicas de Hirohito para derrotar-me, compondo ligeira hipocrisia. — a mulher murmurou, porquanto Renji buscava uma forma de imobilizá-la. Entre os diversos caminhos possíveis, ele optou por unicamente envolver os braços e as pernas da monja em camadas tangíveis de papeis, assimilando-se a algemas que impediam maiores movimentações. Ainda assim, ela estava passível de manter-se de pé.

Renji levantou-se, segurando os punhos de Aegir e a guiando em passos extremamente vagarosos para o exterior do bar, onde a iluminação estivesse adequada. Pôde, ao longo das horas, perpetuar o luar, assim como o céu estrelado e enfraquecido que aos poucos trazia os sinais da alvorada. Provavelmente estava próximo do amanhecer. E, apesar dos lábios calados perante os questionamentos e insultos da monja, Shigaraki detinha o conhecimento de que a mulher ansiava por uma resposta à tática utilizada outrora.

— Simplesmente reiterei o que foi dito por ti outrora. — ele iniciou, murmurando. — Aconselhou-me a não atacá-la para não iniciar um combate do qual não poderia vencer. Dessa forma, a pressuposição de que utiliza genjutsu me fez unicamente apagar as luzes e impedir quaisquer contatos ou combates diretos. — prosseguiu, interrompendo os passos às grandes vidraças do bar. — No mais, você reagiu como uma peça no Shogi. Ao entrar em conflito, optou pelo mais simples recuo, o que facilitou a conclusão de nosso pequeno desentendimento.

— Hm... Bem jogado. — ela respondeu, e a tonalidade do frasear indicava, à concepção de Renji, que ela poderia soltar-se a qualquer instante, embora preferisse permanecer às suas rédeas.

— Independente disso, preciso das minhas respostas. As motivações e o intuito do Monge dos Origamis para a gestão dessa organização, além de sua localização. Responda imediatamente. — uma mão formada por origamis agarrou o pescoço de Aegir, que sorria mediante as ameaças do rapaz.

— Você não entende Shigaraki Renji. Os monges apenas se cansaram de quaisquer trejeitos resguardados pelos entes superiores, tais comoções políticas. Tanto eu quanto Hirohito dedicamo-nos a uma vida ausente de luxos, desvencilhando-se de nossos clãs em prol do que achávamos correto. — ela disse nostálgica. — Porém, ao final de todo este percurso, não passamos de vítimas veladas do embate entre criaturas divinas.

O rapaz ponderou, sem exibir quaisquer emoções externas perante o sibilado pela monja, embora denotasse uma frustração similar às suas. Durante o Exame Chūnin, a fúria lhe corrompera na encruzilhada propagada pelo indivíduo de fios albinos. O sentimento era familiar, o que por muito conduzira os seus desejos governamentais fraseados outrora.

— (...) Ele está com você. — o moreno voltou a prestar atenção no que estava sendo dito, notando que a mulher se referia a Hirohito.

— Como?

— Hirohito. Você não entende? Ele o enviou para que eu mesma cuidasse de ti.

— Então... Kira?

— Kira está morto, Renji. Hirohito o assassinou há meses. — o rapaz cerrou os punhos. — Ele permanece no País do Fogo, no mesmo bosque em que enfrentou Michelin. Não resta muito de nós aqui, ele é o alicerce de nossa causa.

— Entendo. — murmurou, simplificando o dialeto.

Sem mais delongas, Renji manteve a monja arrolada aos papeis, a guiando em direção à alvorada. A manhã aproximava-se vagarosamente, com os pequenos raios solares libertando-se. Com o intuito de sua missão obtida, o rapaz unicamente a levaria até as prisões de Konoha, como uma informante.

No mais, prosseguiria o seu caminho para a resolução de todo o caso. Antes, apenas retornaria para casa, visto que seu time o convocava. Era o momento oportuno para descansar de todos os anos fora da aldeia, embora sua mente permanecesse arrolada à profundidade dos súbitos acontecimentos.