O dia estava ensolarado e perfeitamente adequado para a tradição antiga da família de Ikibii. Os pais do garoto faziam parte de uma linhagem Senju que costumava manter suas ligações milenares com a terra e natureza. Era comum mandarem os filhos e filhas para viverem por um tempo na floresta, distanciados de toda civilização e em pleno contato com a vida na forma mais pura.  

– Eu sei mãe, tenho que ir logo, tchau! – Despediu-se dos pais enquanto se livrava dos braços da mãe.

Não carregava nada consigo além da bandana de Kumogakure e dos panos do corpo. Era assim que deveria ser, se não fosse as recomendações da mãe e histórias constrangedoras do pai, é possível que nem as roupas do corpo fossem usadas. O menino nutria um gosto incomparável por animais, florestas, frutos e fungos, terra e luz, tudo que o fazia sentir-se mais próximo da selvageria e das memórias inconscientes da sua evolução. Era bobo muitas vezes, ainda era uma criança afinal de contas, mas apreciava a adrenalina, a dificuldade, o risco de morte e a necessidade de se virar para sobreviver sozinho, sem a sociedade e influência do homem. Deixou o corpo e vento levá-lo para fora de Kumo e onde a natureza se mostrasse.

Considerações:

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O caminho normalmente levaria dois dias inteiros de viagem a ritmo normal até uma das florestas mais longes nas redondezas de Kumogakure. Porém, o ritmo despreocupado e desacelerado de Ikibii, guiado pela curiosidade e fascínio por tudo do mundo que era inédito e bonito aos seus olhos fez o tempo quase dobrar. Apesar da paisagem montanhesca com pouca vegetação, Kumo sabia esconder suas belezas frias e cinzentas em cavernas a serem exploradas e desfiladeiros a serem desbravados. Um pequeno mapa foi desenhado a mão e entregue a ele como guia para a aventura destinada e muito bem planejada pelo mesmo. Seu plano era se esforçar para não seguir plano algum, tendo apenas algo certo, mas não certo ao mesmo tempo: a floresta Miogul. Onde nela? Jamais ousaria planejar.

Os quatro dias lentos para qualquer pessoa, mas rápidos para o garoto foram gastos com uma descoberta principal: se tratava de uma caverna perfeitamente escondida entre a junção de algumas montanhas, completamente fora da rota que deveria seguir. Sua avaliação minuciosa o fez acreditar que ninguém pisava por ali fazia muito, muito tempo.  

– Não seria ruim usar como abrigo para uns dias difíceis. - Comentou para si mesmo e apreciou o eco, cansado da falta de conversa.

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Equipamentos:

Finalmente a percepção do ambiente começava a mudar e adotar as características da floresta que crescia aos poucos. À partir de determinado ponto o crescimento parou de ser gradativo e uma explosão da mato tomava conta das regiões montanhosas. Os passos do garoto tiveram que ser cautelosos e mais lentos conforme adentravam mais a vegetação, apesar de ser a primeira vez naquela experiência, sua infância foi pulando entre árvores e correndo atrás de animais. Ele sabia como se portar e por onde pisar em meio a selvageria.

O primeiro dia na floresta foi completamente dedicado ao encontro de um abrigo ou a fabricação de um. Quando se sabe desde o início que vai passar muito tempo na natureza, a primeira coisa a se providenciar é um lugar para se abrigar e ter proteção contra a noite e Ikibii sabia muito bem disso. Não tinha o mínimo desejo de destruir e usar as plantas na estruturação de uma cabana. Explorou, se divertiu e encontrou finalmente, quando o dia já estava se despedindo da luz, um grande amontoado de raízes altas e grandes, incapazes de se manterem abaixo da terra. Formavam uma abóbada contra o sereno e chuva, principalmente depois dos galhos já mortos e das folhas grandes recém caídas serem usados como reforço para o telhado. Nada o deixava mais vivo.

Considerações:

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Até certa altura a noite foi fresca e tranquila, Ikibii encontrou um canto da floresta onde as copas das árvores se abriam para o céu infestado de estrelas. Observá-las tomou a maior parte do tempo que lhe restava longe do sono e, quando finalmente cedeu a escuridão do descanso, deitou ao lado da fogueira protegida com pedras para as brasas não rolarem e queimá-lo enquanto dormia.

Apesar de ser a única presença humana, o garoto sentia-se mais acompanhado do que se estivesse em sua casa rodeado pela família. Assim que o sol trouxe o início do dia, colocou-se a explorar novamente a floresta e se despediu do cantinho que havia preparado, apesar da possibilidade de ainda voltar. Não queria prender-se a lugar nenhum durante o tempo que passaria ali, mas sabia que um lugar garantido poderia ser bom.

Bastou andar por pouco mais de vinte metros e seus olhos notaram os incontáveis pontinhos alaranjados espalhados pelo verde da floresta e marrom do chão de folhas secas. Enquanto ainda pequeno, quando sua família morava mais perto de um dos fragmentos florestais de Kumo do que a casa atual, a vegetação do lugar era ornamentada por incontáveis cogumelos alaranjados, persistentes em se proliferar. Ikibii sempre foi veementemente advertido a não ingerir os cogumelos, apesar de sorrateiramente ter visto seu pai colher um punhado e se perder mato adentro, voltando depois dias.

– Interessante. – Falou consigo mesmo com um dos pequenos fungos já em mãos.

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Mesmo sendo privado de todas as informações a respeito dos pequenos e coloridos fungos, Ikibii não era bobo e tinha presumido as propriedades psicoativas que encantaram seu pai e o fizeram farrear na floresta durante alguns dias, por isso tanta precaução em não deixar o garoto se informar sobre. De um instante para outro, sua decisão velozmente deixou de ser se comeria ou não para quanto comeria e depois quando e onde. No fim só pegou mais três no chão e colocou tudo na boca.

Correu para o lugar que tinha deixado reservado para casos como esse na esperança de chegar antes de o efeito tomar conta da sua percepção. A abóbada de raízes, galhos e folhas secas projetou-se na frente do menino como uma escuridão inalcançável, funda, alta, infinita. Ele ainda não sabia, mas no seu cérebro aquilo era a morte e sua presença como abóbada de raízes, galhos e folhas secas se desfez em pura escuridão e se espalhou pela floresta, gradativa e lentamente amenizando o preto que se misturava com detalhes específicos do cenário.

Aos poucos tudo que era morto ou estava morrendo ficou claro e destacado como um vaga-lume, as plantas pequenas quebradas no meio e secando ao relento, as flores murchas, os insetos sendo carregados pelo exército organizado de formigas. Em um lugar onde tudo era vivo e tudo morria, sentiu a confusão de sentimentos impactar o corpo; dava ouvidos ao medo que ameaçava disparar por cada parte dos músculos ou a curiosidade que se interessava pelo fenômeno certamente decorrente do cogumelos?!

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Ikibii decidiu – e lutou consigo mesmo durante alguns minutos para conseguir - alimentar a curiosidade e suprimir o medo, caminhou pela morte e sentiu-a em cada célula do seu corpo. Enquanto sentia e via a morte em seus detalhes, o caminhar pela floresta era diferente, juntava cautela, um resquício de medo e a curiosidade. A experiência tomava conta da sua percepção diferente das vezes em que já esteve sob efeitos de alucinógenos, detalhe esse que ninguém no mundo além dele sabia. O controle que o garoto tinha sobre o chakra era preciso, por isso estranhou quando o sentiu diferente e alterado, mas não conseguiu desviar a atenção de um pássaro nos últimos suspiros, não muito distante de onde pisava.

Andou, correu, tentou fugir do que via depois de se arrepender por poucos minutos e retomar o controle logo em seguida, o conforto o bastante para cair no sono veio apenas quando deixou de lado todas as tentativas de se livrar das mortes ao redor, destacadas pelo preto que as tornava quase silhuetas, e colocou pouco do seu lado descontraído e muito do racional para guiar a perspectiva do que estava acontecendo. Tentou voltar ao cantinho abobadado por raízes e galhos secos, mas se perdeu pelo caminho, se encontrou e desmaiou quando julgou estar a menos de cem metros do lugar. Desmaiar pode não definir corretamente, mas as bordas da visão aos poucos foram tomadas pelo preto e as mortes passaram a habitar apenas os pensamentos de Ikibii.

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O garoto amanheceu sem nenhum processo de falecimento destacado pela negritude em sua visão, porém, percebeu no momento que acordou que ainda não estava normal. Sentia seu corpo normal, o organismo em sua forma física funcionava como uma máquina com todas as suas peças no lugar e lubrificadas. Mas algo ainda soava esquisito no seu ser.

Ikibii estava protegido pela abobada de raízes e galhos secos, embora não se lembrasse de como havia chegado até ali. Aproveitou a sensação de estar longe da morte e aos poucos a vida começou a tomar conta de suas percepções. Primeiro começou com ele mesmo, gradativamente tomou consciência do seu corpo, do seu chakra, do seu espaço e da sua existência, sentindo-se funcional e vivo em cada detalhe singular que o compunha como um todo.  

Depois de notar-se, seus sentidos abraçaram o espaço em volta e tomavam o caminho do garoto por onde ele passava. As flores desabrochando, o primeiro som do passarinho a quebrar a casca do ovo poucos metros acima da cabeça do menino, frutas a crescer e fungos diversos e crescentes por todo o solo da floresta, pintando-o de inúmeras cores. O destaque das vidas em sua forma evolutiva dava-se por uma fraca luz de fundo que destacava o que se iluminava.

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Sua vontade era de correr e conhecer toda a floresta em um único dia. Não deixava o corpo ou os olhos pousarem em qualquer lugar por mais que trinta segundos, tudo lhe causava a sensação de acordar enérgico e bem disposto, a sensação do sol tocando a pele pela primeira vez e livrando o corpo do frio. Ouviu um choro com a certeza de que pertencia a uma nova vida e correu apreciá-la e sentir a energia que emanaria, até os barulhos de lamento infantil misturarem-se aos rosnados de uma mãe protetora.

Ikibii sentiu o arrependimento sobre sua ingenuidade momentânea queimar o rosto envergonhado enquanto corria, saltava entre galhos e tentava se colocar distante da mãe que o perseguia com toda sua energia. A macaca não tinha seu tamanho, força ou sequer habilidades para derrotar o genin. Porém, o fato de ser tão “frágil” fazia a situação ainda mais complicada, pará-la sem machucá-la talvez fosse difícil, mais difícil que fugir pelo menos.

Correu por pouco mais que cinquenta metros até se deparar com um abismo que abrigava um rio no seu fundo, pronto para engolir Ikibii. Seus pés cessaram o deslocamento e escorregaram até perto da borda, a mãe ainda em seu encalço. O animal saltou, a boca aberta e os dentes afiados prestes a se encontrarem com a garganta assustada e de frente para o abismo. Bastaria um movimento simples de esquiva para o lado ou para cima e seu pescoço estaria salvo, embora a vida da primata seria enviada diretamente as profundezas das águas.

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O garoto manteve a postura firme dos pés, colocou o braço entre o pescoço e a mordida e foi jogado para trás com o impacto que o animal causou. Ambos grudaram-se um ao outro, ela para feri-lo e ele para salva-la. Caíram por longos segundos, em suas perspectivas pelo menos, até atingir a superfície do rio largo e profundo, penetrando-o conforme a macaca se debatia e o garoto tentava imobiliza-la. Ela perdeu as energias rapidamente em baixo d’água, dando a Ikibii a oportunidade de emergir carregando-a e nadar até a margem, lutando contra a correnteza.

O animal parecia morto até alcançarem o solo e encontrar uma oportunidade para disparar. Livrou-se rapidamente das mãos que o prendiam e se embrenhou pelo mato, com o garoto na cola. Por um instante a perdeu de vista e aumentou a velocidade para vê-la novamente, porém, o caminho foi barrado por uma figura completamente velha em todos os detalhes, desde as rugas em cada centímetro de pele até as vestes que eram mais plantas do que vestes. Por um momento seu corpo automaticamente pensou em sacar uma kunai, mas no mesmo instante tornou a ter ciência da sensação de vida que ainda corria pelas veias, músculos, pele, nervos e tudo que o compunha. Vinha daquele velho, podia sentir e encantava-se ao mesmo tempo que estranhava.

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O velho foi severo no semblante até mesmo ao se apresentar, apesar da sensação boa que passava.

– Gosto das suas escolhas, criança. Como se chama?

A conversa se estendeu por alguns minutos, Ikibii disse quem era e o que fazia ali, apesar de ainda não saber nada sobre o homem. O sentimento bom em estar conectado a natureza, independente do mecanismo desconhecido responsável por isso e que certamente influenciava em seu chakra, fazia-o baixar as barreiras dos costumes shinobi de não informar nada pessoal a seu respeito.

– Sou de uma família antiga dos senju. É tradição nossa mandar algumas crianças de tempo em tempo para esses lados de floresta. Dizem que é possível ter uma relação tão íntima com a natureza que novas sensações e poderes podem surgir. – Disse e por um momento olhou para as palmas das mãos voltadas para o seu rosto.

– As sensações eu consigo acreditar, mas não vi nada de poder até agora. Pelo contrário, quase morri.  

Quando terminou de falar, a macaca que perseguia minutos atrás surgiu de trás do velhote, com o filhote nas costas e íntima como se fosse sua amiga. Não foi difícil convencer Ikibii de que ele morava naquelas florestas e elas moravam nele. Que a segurança e preservação de toda antiguidade na área que pisávamos, que pisamos e que pisaríamos era obrigação dele e de ninguém mais. Convenceu-o de que olhava por seus parentes antigos e que nenhum era digno de ter o poder das florestas, até aquele dia.  

Segundo o velho, levaria um mês inteiro para conectar-se aos poderes que oferecia, mas Ikibii pagou com menos tempo. Entendia a natureza e a sentia de todas as formas, seja nos detalhes da vida ou nas necessidades mais minuciosas da morte. Fundiu, depois de muito tempo e esforço, a água e terra que pertenciam ao seu chakra e deles fez surgir a vida em forma de vegetação. Fez sementes brotar e plantas se erguerem, mas só até certo ponto. Apesar da intimidade com a natureza, também seria necessário intimidade com as artes ninjas apesar de Ikibii ainda não saber.

Antes de ir embora ou sequer terminar o treinamento, em meio a uma distração corriqueira do dia, Ikibii perdeu o velhote de vista e não o encontrou novamente. Não tinha recebido informações o bastante sobre sua pessoa, mas a sensação de vida que ainda persistia nos seus últimos suspiros morreu de vez. O garoto não sabia se estava certo, mas concluiu que talvez o ciclo dele tivesse encerrado por um tempo, pelo menos enquanto ele estivesse com o poder das florestas.

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