[capítulo/solo] both sides

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Corri o pano pelo reflexo da lâmina polida uma vez mais, acolhendo-a na bainha logo ao fim da manutenção. Dei a todos os metais e couros o tratamento que precisavam, semelhante ao corpo do próprio ninja, suas ferramentas demandam cuidado e prática diária ou o tempo consome lenta e sorrateiramente. Nesse dia não fugi do desgaste das posses e do corpo apenas.

Era fácil encontrar meios de manter as engrenagens da mente apertadas e lubrificadas, girando em função da sanidade. Desde minha chegada na Folha boa parte dos dias foram parceiros fiéis, alguns severos e estranhos em suas formas de ser, mas sempre me tiravam o peso de pensar sem propósito. Cada missão cumprida ao mesmo tempo aumentava e diminuía a esperança de um vínculo familiar com o povo que me acolhera. Já era tempo de um propósito maior que tarefas cumpridas em nome da vila?! Quando eu seria ascendido pelo calor da Vontade do Fogo?

Arrumei confortavelmente no corpo as ferramentas e seus recipientes, tão conservados quanto se fossem novos. Faltavam dez minutos para me apresentar no portão leste, abandonei o quarto pela janela e os saltos levaram-me rápida e habilmente. Suspeito que o Quartel General mantenha olhos e orelhas em pé na minha direção, atribuindo missões que trabalhem o necessário para minhas aspirações. Meu objetivo era a captura de um fugitivo, propício para um futuro investigador.

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Qua 19 Fev - 0:32

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Dei ao boa noite apenas um aceno como resposta e a expressão de incômodo do ninja passou através dele como vento em peneira. As instruções foram diretas, ríspidas em alguns pontos e com toda pressa que ele conseguisse encobertar no limite do socialmente aceitável. Afinal, ele era meu superior, mas a patente não era tão alta.

De forma resumida, meu alvo era Doku, contrabandista reincidente das masmorras de Konoha e membro de uma fuga em massa um ano atrás. Não era grande coisa, mas era conhecido e costuma causar muita falação quando está no comando dos seus negócios. As informações recolhidas levavam a um ponto de encontro onde deveríamos negociar, me passando por cliente obviamente. Desse dia até Doku ser preso eu seria Rairen, comerciante de humanos e contrabandistas quando o tempo sobra.

Um quilômetro e meio separava os limites da vila da suposta cabana em um canto da floresta. Não esperaria diferente em uma situação como essa, a bem da verdade, acontecer tão próximo me surpreendia. Até três quartos do caminho deixei os saltos correrem soltos, explorando ao máximo a resistência dos galhos. Na última porção diminuí e deixei de pensar em possíveis cenários e estratégias para lidar com eles. O foco seria no conteúdo captado pelos sentidos e na interpretação do meu papel; eu estava em casa.

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Qua 19 Fev - 2:33

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Saltei as últimas dezenas de metros sem qualquer trilha como referência. Imaginei que fosse uma característica defensiva do ponto de encontro, útil para despistar minimamente o lugar. Era um detalhe interessante, mas ínfimo perto da falta de segurança do contrabandista. É de se supor que alguém conceituado no mercado obscuro da Folha tivesse interesses próprios e alheios a serem defendidos por, no mínimo, três seguranças.

Despedi-me da altura e pousei fora dos limites da vegetação fechada, sobre a grama baixa que rodeava a cabana. O espaço se estendia por cinquenta metros de raio talvez, incluindo a área habitável. Dois cômodos, um banheiro, varanda, cozinha e sala, moradia bastante luxuosa para um lugar como aquele.

Cada centímetro de músculo buscava a boa relação entre o rijo e o flexível, os sentidos tão latentes quanto a pressão nas veias. Procurei estranhezas e o próprio Doku, encontrando-o com os olhos através do vidro da janela. Assoviei para ter a presença notada, mas o homem apenas acenou para mim sem desviar a atenção do que fazia, como se o conhecimento de que eu estava ali fosse tão familiar quanto a presença de um parente. Não me distraí e aguardei-o parado, confiantemente pronto.

ー Não pensei que fosse ser tão pontual. Então é você o famoso Rairen ー disse sem qualquer preocupação ou desconfiança na voz.

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Qua 19 Fev - 5:05

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Observei cada aspecto do seu corpo, as expressões, o tom da voz, o movimento dos olhos e dos lábios, o conforto com as mãos e tudo que pudesse me dar informações sobre Doku. No mínimo usei-o como referência para os meus próprios detalhes expressivos, cumprimentei-o com a mesma falta de preocupação e a segurança de um felino. Por ser o predador naquela situação, deveria pisar com cuidado e me aproximar o suficiente da presa para atacar com a certeza de sucesso.

ー Se você fala, você cumpre, não é assim que o mundo deveria funcionar?! ー respondi olhando-o nos olhos e apertando a mão.

ー Ah se não é! Vem cá, vamos entrar.

O interior da cabana era mais espaçoso do que o exterior aparentava, incluindo alguma ramificação subterrânea sem qualquer indício da sua existência no lado de fora, mas por dentro a sensação de pisar no solo oco não conseguia esconder.

ー Apesar da minha pontualidade, Doru ー certamente não usaria o mesmo nome, mas não se mostrava muito criativo para substituições ー vou ter que ser mal educado ao ponto de me apressar no negócio. A menos que você tenha um café ou talvez um fumo, aí eu posso adiar o compromisso mais um pouco.

ー Acredite você ou não, também tenho minha pressa pra cuidar, então estamos acertados. Vem, vamos descer, você pode escolher os que quer levar e já tratamos do resto lá em baixo também ー piscou e esfregou o polegar no indicador, andando apressado ao final do corredor que ligava os quartos e o banheiro a sala.

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Qua 19 Fev - 14:40

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Nem por um milésimo de segundo ousei ficar confortável naquele lugar. Pelo contrário, quanto mais eu permanecia e entendia como o homem e seu negócio funcionavam, mais era minha vontade de acabar com o problema do meu jeito. Mas, ainda estava no controle da minha racionalidade e as ordens eram bastante específicas: capturar o alvo. É provável que ele tivesse informações valiosas.

Descemos quatro metros até a sala no subsolo, longe de ser um porão. Era confortável, com suprimentos refrigerados, algumas bebidas e poltronas espalhadas, tudo para quem não era escravo, claro. Acorrentados ao centro, em uma barra de ferro reta e comprida feita justamente para o propósito que estava servindo, os homens e mulheres amontoavam-se amedrontados, a espera de qualquer maldade aleatória.

ー São todos de ótima genética e de mãos firmes, menos aquele ali ー apontou para um magrelo quase no centro dos outros.

ー Fique à vontade para olhar e mexer, estão todos sob efeito de um fūin restritivo e da consciência do ser esperto que sabe o inferno que o espera se tentar qualquer gracinha.

Ignorei-o até a margem da grosseria que meu disfarce permitia, sem deixar de atentar-me ao perigo. Aproximei-me dos acorrentados e busquei algo que pudesse ser útil, mas estavam todos muito bem detidos.

ー Eles não são muito bons para os meus propósitos, mas vou ficar com esses três ー apontei um homem e duas mulheres. Eram seis no total.

ー Longe de mim ser intrometido, mas se for para experimentos melhor que isso é raridade.

Senti todos os músculos em fronteira com a pele aquecerem rapidamente, queimados pelas lembranças da época em que eu estava em situação muito próxima a dos escravos; a morte certa, a impotência, o uso do seu corpo para fins desconhecidos e contra toda sua vontade e temor. Talhei com dificuldade, mas perfeitamente bem um sorriso tão traiçoeiro quanto o que estava prestes a decorrer.

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Qua 19 Fev - 18:41

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Estendi a mão com um sorriso satisfeito de negociante no lucro. Quando ambas se apertaram, os ossos do pulso estenderam-se até prendê-lo por todo o antebraço. Girei-o com força e encaixei o braço entorno do seu pescoço, uma estaca lhe ameaçava a vida.

ー Agora as coisas vão acontecer do jeitinho que e... ー teria sido um ataque fatal se o barulho das correntes não alertasse meus instintos a tempo. Larguei-o repentinamente e saltei enquanto um dos supostos escravos cravou a lâmina nas minhas costas, mas não antes de eu deslizar o osso pela lateral do pescoço e abrir um caminho sangrento na carne do Doku.

ー D-esgraçado! Não paguei você pra isso, acabe com ele! ー Havia dor, raiva e indignação na voz, mas ordem acima de tudo isso.

Fui limitado a observar Doku correr trôpego e fraco escada acima enquanto avaliava o ferimento e o provável mercenário impedia a perseguição. Senti a dor se espalhar como soldados de um formigueiro em ataque, rápida e massiva, dominando e destruindo o tato das costas até o começo da nuca. Ao mesmo tempo a marca em meu peito despertou e competiu por território, mas a sensação era diferente, era como água em brasa quente. Não demorou até as marcações naturais do primeiro nível da maldição comporem a pele como um todo, escurecendo-a e tornando o sentimento diferente dessa vez.

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Qui 20 Fev - 0:09

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Notei o tamanho do cabelo apenas quando caiu sobre os ombros e escorreu para o peito. A pele escureceu e uma coroa de ossos pontiagudos e em simetria ornamental ascendeu do crânio, tão imponente quanto a lua. Esqueci a dor nas costas, mas não a apunhalada, e voei ao pescoço do mercenário já com a lâmina desembainhada e viva no ar. Ele cuspiu duas kunais, o que causou nojo e admiração ao mesmo tempo e bloqueou o aço rapidamente.

Não havia mais dor ou fisgada onde a lâmina encontrou meu corpo, até começarem a emergir novamente. Trocamos alguns golpes, o oponente quase quebrando diante a força da transformação e a velocidade das investidas. Quando senti a escuridão se aproximando pelas bordas da visão, moldei a mão direita em uma lança óssea quase espiral, normalmente eu precisava manipular a densidade dos ossos para comportar o peso da arma, mas naquele momento ela fazia parte do braço. O ar também já não visitava os pulmões do mercenário, seu julgamento fora o mesmo que o meu e ambos cruzamos ataques, um deles o último de uma vida.

Acordei em meio ao tratamento cuidadoso de uma shinobi, gentilmente fechando a ferida nas costas. Tentei me afastar rapidamente mas suas mãos foram inesperadamente firmes e inabaláveis.

ー Fique quieto, sou reforço de Konoha.

Conforme a racionalidade voltava os detalhes começavam a fazer mais sentido. A bandana da mulher realmente levava o entalhe da Folha e as vestes o verde da vila. Olhei em volta e o corpo do suposto escravo enfeitava perfeitamente o chão, com um buraco no peito grande o suficiente para ver o outro lado.

ー Por que você veio? - surpreendi-me com a facilidade em falar, a sensação era estranha o bastante para supor que o golpe havia atingido algum órgão vital.

ー Recebemos informações novas sobre a sua missão. Julgaram prudente enviar reforço e estavam certos. ー Alguns segundos instalaram-se entre a fala e meu olhar curioso sobre sua pessoa.

ー Quais informações?

ー Já já, primeiro vamos atrás do outro que você cortou o pescoço. Eu cheguei a tempo de ver ele fugindo, sei a direção.

Deixei para satisfazer a curiosidade sobre suas habilidades médicas depois, fui obrigado me levantar com um salto e acompanhá-la para fora da cabana.

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Qui 20 Fev - 2:16

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O rasto de sangue não era chamativo, algumas gotas se camuflavam na grama, mas não tão sorrateiras ao ponto de esconderem-se da nossa procura. Dividia a atenção entre flashes de lembranças de um pouco antes do desmaio, os ossos do crânio formando-se lentamente em torno da cabeça, coroando-me em nome de sabe-se lá o que. Não havia sensação que se comparasse ao chakra inundando o corpo ao custo de um desgaste vital prazeroso em determinados momentos.

ー Nós devemos levá-lo vivo ao Quarto General – informei-a, sem tirar os olhos da estrada ou desviar o esforço dos músculos.

ー Eu que o diga. O homem lá atrás, com o buraco enorme no peito, era nosso segundo alvo. ー Sua expressão era de decepção e compreensão. ー Mas são ordens que você não teve conhecimento. Devemos focar no que ainda pode ser feito.

ー Imagino que descobriram relação entre os dois, por isso o reforço ー compartilhei as suspeitas em busca de mais informações sobre o meu cenário.

ー Correto. Ambos são procurados desde épocas anteriores a relação que possuem. Agora um oferece proteção ao outro em troca da oportunidade de participação nos negócios.

ー Faz sentido. Fui descuidado não considerando alguém entre os escravos, ele estava tranquilo demais para estar sem companhia.

Ao longe parte do corpo de Doku não se escondia tão bem quanto o restante, mostrava-o com a respiração pesada e acelerada, a mão trabalhando para estancar o sangue rebelde. Encaramo-nos por um segundo até trocarmos acenos de compreensão e nos separarmos. Cerquei-o pela direita enquanto ela posicionava-se pelo lado oposto, imaginei que seguiria as táticas básicas ensinadas na academia e acompanhei a movimentação entorno da presa, os olhos afiados como capim contra o vento.

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Qui 20 Fev - 20:02

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Não saquei nem preparei qualquer ataque, o mínimo ruído poderia brigar com o som da mata pela audição da presa e entrar em disparada em meio a tanta árvore para capturar Doku era a última das opções. Além da relação íntima entre o cansaço e o corpo, deixar um segundo escapar mancharia minha reputação com o Quartel General. Eu colocaria fogo na mata inteira e acharia o desgraçado antes disso acontecer.

Mantínhamos os olhos revezando entre Doku, a floresta circundante e nós mesmos. Vi-a acenar com a cabeça e mover a mão em direção ao estojo de equipamentos, tão concentrada quanto uma mãe leoa em plena caça. Deixei alguns centímetros de osso tomarem ar pelas mãos, mas a voz ecoou antes que pudéssemos fazer qualquer coisa.

ー Eu disse que o Bunretsu no Jutsu ia funcionar ー a voz mostrou o caminho do seu dono antes mesmo dele aparecer na direção contrário a qual viemos.

ー Agora não é hora Fek, ele pode nos alcançar a qualquer momento.

ー Provavelmente não. Apesar da outra parte ter morrido, deixei ele com um furo no pulmão. Monstro ou não, impossível ele se recuperar sozinho.

ー Não subestime Konoha, vamos logo.

ー Tem razão, vamos embora. Esse lugar não vale mais a pena, nem os escravos que ficaram.

Doku e o mercenário colocaram-se floresta adentro e deixaram seus lados vulneráveis para nós dois. Busquei-a com esperança de vê-la identificando a oportunidade tanto quanto eu. Acenamos, partimos, atacamos.

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Qui 20 Fev - 22:42

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Surpreendi-me por vários motivos, mas apenas o que os olhos viam e os ouvidos ouviam fora focado pela mente. Confirmei o sinal e ambos investimos com o máximo de velocidade e precisão, minha mão direita buscou e chacoalhou a cabeça de Doku, entregando-lhe à escuridão e solo da floresta no mesmo instante. Fek, o mercenário que há pouco descobri que na verdade era sócio do primeiro alvo, desviou com agilidade e reflexos animalescos e absurdos. Bloqueou o ataque das mãos banhadas em chakra da ninja, mas percebi uma fisgada retida e quase despercebida.

O milésimo de distração foi o suficiente para o meu golpe sem som atingi-lo no peito e depois na têmpora. Presumi que a batalha anterior pudesse ter deixado influências no corpo principal de Flek, pois não havia muita dúvida em relação a autenticidade do jogado na cabana a algumas centenas de metros atrás. Pelo menos não até começar a reavaliar tudo e lembrar da pouca atenção atraída pelo cadáver.

ー Como se chama, afinal?! Deveria ser uma das primeiras coisas a dizer ー disse sem deixar os olhos abandonarem as mãos que despiam até certo ponto e amarravam os procurados.

ー Aleiah é meu nome, seja ele uma das primeiras coisas a ser dita ou não.

Trilhamos a volta com os dois fugitivos acorrentados pelas mãos e pés, o corpo morto de Flek nas costas, apesar de ele estar vivo e mais seis pessoas resgatadas. Foi o suficiente para me afastar por um momento do incômodo que vem com a falta de propósito, apesar de não ter trocado uma palavra com a parceira de equipe. Derrubei meu corpo contra o colchão; bolsos cheios, elogios guardados em um canto bem separado da mente, exaustão e escuridão.

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Dom 23 Fev - 15:09

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