Com o cair da noite, e para a surpresa de Kirishima, uma breve tempestade - de origem duvidosa pois o Outono acabara de iniciar - começou a desabar sobre o Vilarejo da Nuvem. Enquanto o garoto contemplava o doce barulho da chuva e dos trovões, que por algum motivo o acalmava, um estrondo assustador próximo ao seu quintal lhe deixou preocupado. Enquanto dirigia-se para o local, uma fisionomia familiar fez-se presente próximo a porta dos fundos. — Mas que porr... como diabos tu entraste aqui? — Disse, adotando uma posição defensiva. 

O homem não parecia belicoso, mas sua altura imponente e suas sobrancelhas grossas deixavam Eijiro temeroso. Após perceber que o ser a diante o conhecia de alguma forma, o receio transformou-se em indagação. — Sim, meu nome é Eijiro. E você, quem é? — o garoto parecia mais confiante, no entanto, seus instintos não o deixaram baixar a guarda. — Além disso, o que faz aqui? — disse o jovem, com uma expressão facial séria e preocupada.

 

As frases "Deuses do Trovão" e "Receber um poder único" deixaram o garoto desnorteado durante alguns segundos. A existência dos Deuses era um fato questionável para muitos, mas não para o jovem Kirishima, pois sua capacidade de continuar seguindo em frente foi cunhada por base na sua fé e otimismo. Estar frente a frente com um Deus era algo utópico, principalmente que se considerava tão fraco como o Genin. A altura imponente do homem a sua frente ainda lhe incomodava. 

— Si..Sim, eu aceito. Não sei o que fiz pa..para receber uma visi..visita tão sublime, mas aceito. — Eijiro demonstrava claramente o seu nervosismo nas suas primeiras palavras, no entanto, enquanto falava passou a demonstrar mais confiança. — Fico muito feliz de ter sido agraciado com um presente divino, senhor Deus do Trovão. —  A postura defensiva já havia sido desfeita, e era claramente visível a expressão de encanto nos olhos do garoto. — Além disso, mil perdões pela arrogância assim que nos conhecemos. — disse, curvando-se tentando redimir-se e demonstrar respeito.

 

Após uma viagem muito curta, semelhante as de contos e histórias, os dois pairavam em um campo rodeado por nuvens que deixara Eijiro admirado. — Espera, o senhor disse que correm perigo... Além de portar a Armadura Divina, eu posso ajudá-los de alguma forma? — A sensação de êxtase foi interrompida com a declaração de Raiori. O seu peito começou a arder em chamas, a determinação que o garoto cunhara durante toda a vida pareceu aflorar-se de uma vez só. — Por favor, Raiori-sama, não me veja como petulante ou arrogante, só quero fazer o que for possível para honrar a vontade dos Deuses. — disse, após curvar-se na direção do Deus a sua frente.

 — E não se preocupe, irei protegê-la com minha própria vida, caso se faça necessário...

 

Raiori era o portador da aura mais inspiradora que Kirishima havia conhecido até então, nem mesmo seu pai o inspirou tanto como o Deus do Trovão fazia agora. Mesmo com a possibilidade de morrer caso o seu corpo não possuísse resistência adequada a armadura, Eijiro não hesitou por um segundo em usá-la. Talvez fosse um pouco de prepotência de sua parte, colocar-se no meio da batalha de Deuses e Demônios, mas ele sabia que havia algum motivo para estar ali. 

— Entendo sua preocupação, Raiori-sama, mas não conseguirei ficar apenas assistindo a batalha entre vocês, ainda mais se as coisas começarem a dar errado... — Disse, encarando o Demônio que acabara de dirigir a palavra ele mas de um modo que apenas Raiori pudesse ouvir. Enquanto falava, sua mão ia na direção do cabo da espada que repousava em suas costas, e assim que alcançado o seu destino, a grande Samehada conseguiu sentir toda a vibração do garoto, toda a intensidade expressa em cada palavra e grunhiu. 

Eijiro sabia que ainda não havia alcançado nem de perto a força de seu pai, mas caso a hora dele chegasse em meio aquele campo de batalha, partiria feliz e satisfeito com todas as experiências que presenciara até então e com a possibilidade de poder rever o seu progenitor.

 

Enquanto Kirishima ouvia a doce melodia do menor demônio do bando, Nyau, uma sensação a qual ele nunca havia sentido repousou sobre o seu corpo. Enquanto as ondas sonoras invadiam os seus tímpanos, o controle sobre os seus músculos iam se esvaindo, lentamente, até que o garoto não teve outra escolha senão desabar no solo.

Eijiro percebeu que o menor dele fora o responsável por isso. — Percebo que por hora não tenho outra escolha senão acatar as suas ordens, Raiori. Faça o que deve ser feito e não preocupe-se comigo, seu povo precisa de você... — Kirishima disse, inicialmente com uma voz amena, mas enquanto as palavras era proferidas, sua força de vontade crescia juntamente com a sua determinação. 

A garoto nunca havia passado por uma situação como aquela e ele sabia que precisava confiar em Raiori assim como ele o fizera quando decidiu ascender-lhe aos céus.

 

A força de um Deus não poderia ser subestimada, muito menos comparada com a de um homem. Dois demônios tombaram com a manifestação da força olímpica de Raiori. Em um piscar de olhos, tal qual um relâmpago, a divindade desapareceu e surgiu sobre o menor deles, Nyau, que foi dilacerado ao meio com o movimento horizontal de uma lâmina que tinha o formato de uma lança. Daidara, o mais falante entre todos, teve sua cabeça rompida brutalmente por um soco banhado pela forma mais pura do Elemento Relâmpago, causando um grande estrondo, tal qual um trovão.

Kirishima, ainda livrando-se das amarras mentais que bloqueavam seus movimentos, permaneceu boquiaberto com tamanho poder. — Es..Essa é a força que eu pretendo alcançar, Pai. —  Eijiro olhou brevemente para os céus, que permaneciam escuros por conta das nuvens negras que formaram-se assim que Raiori liberou seu poder. Liver, ao contrário dos outros, esquivava-se habilmente das investidas do seu oponente. Ser treinado por um Deus lhe proporcionou tamanha força. — NÃO DESISTA, RAIORI. VOCÊ SE CONSAGRARÁ O VENCEDOR. — gritou vigorosamente o garoto, tentando motivar o homem que lhe concedeu a oportunidade de estar ali, observando tudo.

 

Os movimentos anteriormente roubados pela doce melodia de Nyau, que agora jazia e aguardava pacientemente pela putrefação eterna, pouco a pouco eram recuperados por Kirishima. Após ter gasto boa parte de sua energia para derrotar dois demônios de forma virtualmente instantânea, Raiori enfrentava dificuldades para lidar com aquele que outrora fora seu discípulo, Liver. A situação era passível de compreensão, pois desde os primórdios o aluno sempre ultrapassou a força do mestre que o precedeu. Em meio ao caos da batalha, Raiori foi pego no jogo demoníaco, sujo e imprevisível, que o deixou impossibilitado de continuar o embate bíblico. 

Antes de ser subjugado por Liver, Raiori usou suas últimas forças para clamar um presente celestial dos céus. Um clarão branco e intenso manifestou-se precedendo um estrondo, que logo pode ser identificado como um relâmpago, o mais poderoso até então presenciado pelo jovem. Com ele, a sublime regalia outrora prometida a um humano, a Armadura da Personificação do Elemento Raiton. Quase que instintivamente, Eijiro começou a mover-se na direção do traje que parecia atraí-lo, tal qual uma ligação fraternal que une dois semelhantes separados pelo tempo. 

Era do conhecimento de Kirishima as consequências que a veste traria a um portador fraco, mas toda determinação dentro do seu peito ardia tão ferozmente que ao conseguir identificá-la,  soube que poderia trajá-la com segurança, ou pelo menos caminhou até a Armadura com essa certeza em sua mente. —  Ao confiar o traje a mim, prometi que o guardaria com a minha própria vida, e assim o farei, caso se faça necessário. — Disse o garoto, enquanto encarava o algoz do egrégio Raiori. Ao repousar sua mão sobre a vestimenta, uma luz provinda dos céus rasgou as nuvens negras e pousou sobre Kirishima, inundando-o com uma pureza que nunca havia sentido antes.

 

A umidade no ar pareceu tomar forma quando Liver observou a regalia divina tomar forma e ajustar-se ao corpo de Kirishima. As nuvens obscuras começaram a trepidar, condensando-se e ao invés de tornarem-se gotas macias de chuvas, se converteram em lanças pontiagudas. Por trás dos venábulos mortais, surgia um ser utópico formado exclusivamente por água, um imenso dragão de aparentes três metros de comprimento descendia aplainando pelo ar, e caso não houvesse a inconveniência de ser acometido, provavelmente deixaria ser acertado por aquela bela forma que dependia-se celestialmente.

Não obstante, Eijiro fez um movimento leve e descontraído para direita, enquanto sua mão hábil moveu-se instintivamente para apanhar o cabo do grande fã que repousava nas suas costas. Bastou um balançar para enviar uma potente rajada de vento contra as técnicas que seguiam em sua direção. Velozmente, realocou a grande Gunbai e apanhou a faminta Samehada, que foi alimentada de prontidão. Boa parte do seu Chakra escorreu para a Espada, mas fazia-se necessário utilizá-la em sua amplitude máxima.

As lâminas, ainda cobertas por faixas, descansavam no ombro do garoto enquanto ele movia-se velozmente para a sua direita, longe da área de alcance das agulhas restantes e que seriam prontamente absorvidas absorvidas pela "Grande Palavra" caso cruzassem seu caminho. Por fim, parou ao lado de Raiori, com o interesse de protegê-lo.

 

Ver o corpo desfalecido de Raiori bem na sua frente causou um efeito contrário do que Liver desejara. Durante toda a sua vida o garoto nunca odiaram alguém, muito menos imaginava-se tirando a vida de alguma pessoa, em outras palavras, tudo o que lhe importava era tornar-se alguém mais forte para honrar a memória de seu pai. Não obstante, a dor esmagava-lhe como uma grande rocha destroça uma tosa.

A mais temível das espadas, Sentiu a fúria de seu usuário e respondeu de forma diferente da usual
 Ao invés de grunhir, como sempre o fizera, começou a tremer e desfez-se das suas amarras. Aquela era sua verdadeira forma.

Com a Grande Palavra empunhada em sua mão direita, o garoto avançou vorazmente para o dragão do lado direito, esse que parecia bem maior do que da última vez. Ao perceber sua dimensão e tamanhos, usou uma habilidade que trazia consigo desde a infância. O garoto invocou sua fé e seguiu para os braços da criaturas aquáticas, mas o que lhe ajudou na realidade não foram os Deuses, e sim uma habilidade que carregara consigo a muito. Por conta da sua velocidade aguçada, ele fora capaz de esquivar-se no último segundo, por entre as brechas que os dois seres monstruosos criaram quando se tocaram

Para o seu azar, duas dezenas de Shurikens seguiam na sua direção. A Samehada passou a ser empunhada com a mão esquerda, e com um giro rápido, a mão direita buscou o fã em suas costas. Ao balançá-lo, uma grande rajada de vento alterou o sentido das armas que planavam, além disso, o golpe fora capaz de dispersar uma dezena de bushins aquáticos, invocados por Liver em uma tentativa de ocultar sua presença. A balançada seguinte do Gunbai dispersou o restante, revelando sua localização.

- Eu jamais te perdoarei, Liver. JAMAIS! - praguejou Kirishima, lançando-se em velocidade máxima na direção do seu oponente. A essa altura, o Gunbai já estava devidamente alocado nas suas costas, enquanto a Samehada, faminta, preparava-se para abocanhar sua primeira vítima. O homem, que outrora fora discípulo de Raiori, optou por subestimar a preparação de Eijiro, mas não o faria novamente.

 

A lágrima de Raiori ressoou no subconsciente de Kirishima em um ímpeto melancólico, que também o fez chorar. As nuvens negras começaram a se dispersarem lentamente, abrindo espaço para que um punhado de luz findasse sua trajetória na face da divindade, destacando fortemente as lágrimas que brilhavam em um tom escarlate. Enquanto o garoto derramava-se em prantos, sua armadura começou a refletir um forte brilho dicromático e em seguida, passou a transfigurar-se. O que antes era um metal denso e pesado, tornou-se um traje de um aparente material sintético que adequou-se perfeitamente as imperfeições do seu corpo.

Simultaneamente, a Grande Samehada grunhia um som abafado, logo estava devidamente saciada com o Chakra e o sangue de Liver, no entanto, o pesar de seu portador lhe abalara. O corpo do ser olímpico começou a esvaecer-se. Lentamente, várias partículas de luz começarem a ascender ao céus, e no seu lugar restou apenas uma pedra, idêntica a que fora usada para levar o corpo de um mortal para a residência dos Deuses. Eijiro entendeu o que precisava fazer, e o fez, despedindo-se do seu mais novo velho amigo.