Já fazia dias, talvez até uma semana desde que eu não saía daquele quarto mal iluminado e com um cheiro forte de mofo. Talvez fosse só impressão, mas minha pele parecia estar mais pálida do que de costume nos últimos dois dias, provavelmente pela ausência de luz natural.
 
Ao contrário da maioria dos membros da família Hōki – se não todos –, minha aparência se tornara bastante incomum. O cabelo estava raspado dos lados e pintado de loiro, enquanto um grande volume de madeixas se fazia presente na parte de cima da cabeça, pintada de negra, em um estilo undercut. Também havia afinado um pouco as sobrancelhas para realçar as feições do rosto. Havia também adicionado duas tatuagens pelo corpo: uma pequena e discreta acima do olho direito, ao lado da sobrancelha, em formato de uma coruja acinzentada; e um tribal negro enorme, que começava no meio da testa e descia pelo lado esquerdo da face, passando por cima do olho, bochecha, pescoço, ombro e se estendendo por todo o braço canhoto até, finalmente, findar nos nós dos dedos da mão esquerda. A vestimenta também tinha sido alterada. Ainda trajava o típico macacão cor de gelo, proveniente dos ninjas médicos de Suna, porém, havia cortado as mangas e feito um rasgo da gola à altura do umbigo, a parte de baixo do macacão ficando intacta. Por cima do traje, usava agora uma capa preta de seda também sem mangas e uma faixa da mesma cor da cintura, acompanhada de um cinto roxo, além das sandálias ninjas igualmente negras. Completando, um cachecol roxo com listras verticais pretas, além do discreto brinco prateado na orelha direita.
 
A mudança drástica de aparência se dera ao fato de que eu achava que ninjas médicos podiam, sim, lutar igualmente contra outros Shinobis, tendo eles quaisquer habilidades, e eu não seria um personagem secundário na história de Sunagakure no Sato. Portanto, visava começar a ser lembrado primeiramente pela aparência, até que meus poderes se destacassem ainda mais.
 
Dois anos haviam se passado deste o ataque do demônio de areia de uma cauda, Shukaku, à Vila Oculta da Areia, que, surpreendentemente, fora batido pelos Gennins participantes do Chunnin Shiken e finalmente selado por Gakkimura, uma Kunoichi de graduação Chunnin incrivelmente forte. Felizmente – ou infelizmente, ainda não conseguira decidir –, eu não tinha, na época, os pré-requisitos mínimos para me inscrever no exame e, sendo o local do evento um deserto isolado e proibido para os moradores da vila, exceto os que estavam envolvidos, eu não havia tido a oportunidade de ver a criatura imensa e monstruosa com meus próprios olhos. O mais novo Jinchūriki da Ichibi era um garoto chamado Yōgan, morador do País da Terra, mais precisamente em Iwagakure no Sato. Por falta de sorte minha, só soube do acontecido semanas depois do término do Chunnin Shiken e não pude conhecer o agora Chunnin de Iwa, já que este já havia retornado a seu país, mas considerava seriamente viajar ao país do garoto a fim de conhece-lo pessoalmente. Era visível, pelo modo que falavam – sussurravam, na verdade – sobre ele, que os moradores de Suna tinham bastante medo do que Yōgan se tornara, mas ao contrário deles, eu estava deveras curiosos para estudar os comportamentos do Shukaku e do próprio menino, se suas personalidades se mesclariam ou se seu corpo sofreria alguma alteração considerável. Este era o principal motivo de eu estar confinado naquela sala por tanto tempo, lendo, escrevendo, estudando, recitando e buscando por respostas.
 
Já havia lido e relido mais de uma dúzia de livros e pergaminhos antigos que encontrara na biblioteca a respeito da história mundial ninja em geral. Um pouco sobre os principais personagens ao longo dos anos; menções sobre técnicas fortes o bastante para devastar vilas inteiras; algumas técnicas de selamento; táticas de guerrilha e afins, mas nada que falasse sobre as bijuus, os demônios com caldas que passaram a ser assunto diariamente entre os murmúrios dos moradores.
 
Convencido de que não acharia resposta alguma, pelo menos ali com aqueles papeis e livros, decidi finalmente deixar o local e reencontrar-me com o sol e meus familiares, enfim.
 
–– Ah, finalmente, Ishi! Já ia mandar seu irmão procura-lo. Está tudo certo? –– Minha mãe perguntou ao me ver adentrando a casa. Ela preparava o almoço e me olhou de maneira esquisita, provavelmente por ainda não ter se acostumado com a nova aparência.

–– Sim, mãe. –– Respondi, lhe lançando um sorriso simpático.

–– Que bom. –– Ela devolveu o sorriso, mas então fez uma careta. –– Querido, você está fedendo... um pouquinho. –– Disse ela, embaraçada. Eu estava fedendo bastante, na verdade.

–– Errr... Estou indo para o banho agora –– Um sorriso embaraçoso, então comecei a rumar para o meu quarto.

–– Ah, seu irmão quer que você teste um novo veneno. Se puder fazer o favor... –– Gritou ela da cozinha.

Assenti com um grunhido alto e já com tudo em mãos, fui para o banho. Alguns minutos depois, estava limpo e perfumado novamente, para o meu alívio e felicidade.
 
–– O almoço já está pronto? –– Perguntei. Minha barriga reclamava de fome.

Minha mãe assentiu e então, percebendo que a mesa ainda não estava posta, fui até o armário e a ajudei a finalizar as tarefas.
 
Depois de almoçar e testar o veneno recém-criado pelo meu irmão – uma espécie de gás laranja que prometia paralisar os músculos, mas que em mim não surtira efeito algum – relatei o resultado para ele e saí de casa, finalmente, para treinar um pouco. Onde eu morava não havia campos de treinamento de combate, apenas locais feitos especialmente para aprendizagem de técnicas medicinais. Eu teria, então, que ir até o campo de Suna, o que significava caminhar cerca de quarenta minutos. Aproveitando a oportunidade, decidi ir correndo até o destino pretendido, a fim de economizar tempo e aprimorar minha resistência física, já que fazia tempo que eu não me esticava.
 
Levei um pouco mais de vinte minutos para chegar ao campo de treinamento da vila. Estava ofegante e os músculos da perna latejavam. Me alonguei, rapidamente, e me posicionei em frente a um boneco de palha. Estiquei os dedos das mãos, estando-os, e iniciei uma sequência de socos, chutes, rasteiras, voadoras e apunhaladas com uma kunai na mão canhota.
 
Faltava, agora, cerca de três horas para o crepúsculo e eu resolvi guardar um pouco de energia para a volta, que eu faria também correndo. Mais alguns exercícios de alongamento e eu retornei correndo ao complexo dos ninjas médicos. Indo em direção a minha casa, percebi que uma Iryōnin já experiente reunia alguns Gennins e Chunnins da minha idade. Resolvi me aproximar, respirando fundo para acalmar o coração acelerado pela corrida.
 
–– Vou ensiná-los, hoje, a técnica conhecida como Dokugiri, que consiste em liberar uma grande massa de gás venenoso pela boca. –– A mulher explicou para os presentes.

 
–– Com licença, posso fazer parte do treinamento? –– Perguntei, com o típico sorriso.

 
–– Ãhn... Esta técnica é um pouco complexa, mas se acha que consegue... Fique à vontade. –– Ela respondeu, dando de ombros após me fitar dos pés à cabeça.

 
Confirmei com um aceno de cabeça e me posicionei ao lado dos outros ninjas médicos. Todos me olharam com perplexidade. Em breve eles se orgulhariam em ter treinado com o maior ninja médico de todos os tempos e a sensei se exibiria para todos por ter me ensinado tal técnica.
 
Observei e escutei atentamente a explicação e a demonstração da ninja e, quando fomos autorizados a replicar seus passos, realizei o selo do Carneiro para concentrar Chakra nos pulmões. Em seguida, inspirei oxigênio o suficiente para fazer meus pulmões se encherem e tentei transformar o ar lá dentro em veneno. Ao expelir o conteúdo, nada mais que uma fumaça levemente acinzentada se espalhou no ar, nada muito diferente dos demais.
 

Já era noite quando, após muitas tentativos frustradas, eu, enfim, consegui dominar o Jutsu. Depois de dividir meu dia em leitura, treinamento de resistência e aprendizado de uma técnica eficaz, estava mais que exausto e tudo o que eu queria era minha cama por umas boas horas.