Nos últimos dias eu vim me encontrando bem ativa nas ações do vilarejo da folha. Parecia que a ausência dos ninjas mais fortes em decorrência da viagem ao vilarejo da areia, começava a surtir efeito na demanda de solicitações de missões. Normalmente, Genins recém formados costumavam ir apenas a missões de níveis baixos e de pouca periculosidade, mas sob a ameaça de mudança na paz da União Shinobi, talvez este ecossistema que durava há algum tempo fosse quebrado. De toda forma, eu havia sido solicitada mais uma vez a progredir em missões e, como sempre, desta vez era mais uma missão de nível C.

Eu trajava minhas vestes habituais para missões e mantinha meus objetos shinobi sempre à minha disposição em minha bolsa de utilidades, presa na cintura. Por sorte, o clima era ameno naquele Outono, portanto não tive dificuldades em caminhar mais apressadamente pelas ruas de Konoha embaixo daquele sol. A brisa era gostosa e calma, mas com certeza, o tempo talvez mudasse de repente, já que o clima do vilarejo era passível de mudanças repentinas. Me dirigi para o portão de Konoha, visando encontrar aquele que seria meu líder na missão. Assim que cheguei, parei diante do homem que aguardava impaciente, aparentemente este era meu guia.

— Está atrasada. — disse o homem, sem qualquer intenção de ser cordial.

— Eu… — olhei para o alto, visando ter uma breve noção de tempo, particularmente eu esperava que tivesse saído de casa com alguma margem de tempo.

— No horário marcado, significa atrasada. Siga-me em silêncio. — ele reforçou, ao me ver hesitar em minhas falas.

Ele começou a andar para fora da vila, sem ao menos me dizer nenhuma instrução prévia. Eu já havia visto ninjas duros, mas não tão frio quanto aquele, talvez o fato de Konoha estar sobrecarregando os shinobis com missões, tivesse tirado dele a paciência com pequenos imprevistos. O homem escolhido como ninja responsável por me guiar, sendo mencionado no pergaminho como Yagura, se destacava desde muito cedo por ser um cumpridor de regras e Raika, me avisou previamente que o conhecia de longa data e havia me alertado sobre isso. Sua estatura média era de um jovem adulto, e seus cabelos espetados para cima em tom preto eram bastante chamativos. Sua pele era clara e ele possuía o colete dado a ninjas superiores a Chunin. Não demorou para começarmos a nos distanciar da vila, ao caminhar por uma estrada comercial antiga.

— Pouco me importo com a sua segurança. Se me atrapalhar, considere-se morta. Não é nada pessoal, mas não vale o protetor da vila que usa como adorno na cintura. — mencionou após longos minutos de silêncio.

— Não irei atrapalhar, Yagura-San. — suas palavras eram duras demais, mas eu não me deixei sentir abalada por ele. Estava chateada, mas não estava pronta para debater seus motivos, talvez ao olhar para mim ele entendesse que eu não era uma ninja que passasse muita confiança.

— Você me lembra uma pessoa. É uma fracassada, dos pés até o último fio do topo de sua cabeça. Agora pare aqui e vá encher este cantil, o meu está vazio. — ele continuou a me insultar, mas desta vez, concluiu derramando em minha cabeça toda a água que levava consigo no seu cantil.

Considerações Finais:

Eu estava ensopada, completamente molhada ao sentir o líquido percorrer minha cabeça, descer pelos meus fios de cabelo, invadir minhas vestes e descer pelo peito até o meu tronco e pernas. Meu rosto ficou vermelho novamente, mas com um toque de raiva. O olhar do homem fez com que meu temperamento ficasse ainda mais alterado, pois eu sequer sabia o que havia feito de mal para com aquele homem em questão, já que tudo que havia feito até o momento, fora acompanhá-lo em silêncio e, mesmo que erroneamente, chegar no horário atrasado, segundo as regras impostas por ele. De qualquer maneira, engoli seco, desviei o olhar ao passo que apanhei o cantil metálico de sua mão com a minha destra. Meus olhos ametistas fitaram com atenção a rota que eu deveria seguir da estrada até o riacho de águas claras que corria paralelamente nosso caminho. Desci um pequeno morro e no instante seguinte, me agachei lentamente em frente às águas. Meu reflexo espelhado diante de mim estava perturbado pelas correntezas, mas assim que olhei atentamente para meu rosto, notei que em meus olhos o tom ametista desapareceu dando a mim, a cor vermelha como sangue. Me espantava ver aquilo acontecer, mas eu não sabia que o que testemunhava pela primeira vez era o efeito visual de minha técnica ocular, o Sharingan. Soltei o objeto que estava em minha mão como reação automática ao susto, derrubando-o em terra firme e em seguida, com ambas as mãos, esfreguei meus olhos, até que ao me ver novamente no reflexo notei que as cores naturais não haviam retornado a sua origem.

— Sentiu raiva, não é mesmo? — questionou, atrás de mim, como se tivesse visto o mesmo que eu. — Deveria agradecer a mim e a Raika depois. — mencionou, agachando-se e  pegando o próprio cantil e enchendo às margens do rio.

— Agradecer vocês dois? O que está acontecendo? — perguntei, ainda agachada, mas logo me endireitando, ficando em frente ao outro.

— Raika mudou com você, não é mesmo? Esses dias ela está distante. Ela me disse algo e parece que você entendeu o motivo. — ficou de pé, sua estatura maior era intimidadora. — Você tem o que chamam de dom ou maldição, deveria procurar saber o que é, pois com certeza, vai entender melhor quem é. — ele me advertiu, girando em seus calcanhares.

— Dom ou maldição? — permaneci olhando-o.

— Já falei demais. Busque conhecimento por si mesma. Raika nem sempre estará com você. Vamos até a área onde devemos patrulhar e voltar antes do anoitecer. Estou cansado de olhar sua inutilidade. — deu um gole de água fresca e guardou seu recipiente.

Dali em diante, ele continuou andando e, sem que me desse conta, estava seguindo-o novamente, desta vez mais perplexa com tudo o que ele havia me dito. Meus olhos permaneciam carmesim e minha visão havia mudado de fato no sentido literal, pois nitidamente captar sinais em torno de mim na floresta parecia ser mais fácil. Uma simples queda de folha, parecia estar acontecendo mais claramente, prevendo movimentos e precipitando oscilações que naturalmente os olhos humanos não seriam capazes de perceber.

Considerações Finais:

Finalmente, após tanta caminhada, o início da noite se aproximava e nós estávamos no local destinado a nossa ida. Uma grande clareira aberta entre o país do fogo e as margens da vila do som. Ficamos ali em silêncio, cada um à sua maneira, enquanto eu olhava para o horizonte com meus olhos especiais, Yagura vigiava as fronteiras e a mim. Calados, nosso clima de hostilidade havia cessado momentaneamente, devida a distância de 15 metros entre nós. A escuridão da noite chegou e com ela, à beira daquela clareira, os primeiros pingos de chuva caíram sobre nós. Não esperava que isso fosse acontecer naquele dia em especial, pois o vilarejo apresentava um sol agradável mais cedo, no entanto, como tudo na vida não era eterno, mudanças poderiam acontecer. Meu rosto virou-se para o céu, pálido e distante, meus olhos refletiam a luz da lua grande sob nossas cabeças, com um vermelho intenso e vívido como fundo. Eu não sabia, mas a incontáveis anos atrás, ancestrais de sangue tiveram a mesma visão perturbadora da lua carmesim. Coincidência ou não do destino, eu me imaginava naquele momento como alguém cheia de dúvidas de como tudo aquilo começou a acontecer comigo.

Meu corpo esbelto e curvilíneo ficou marcado em algumas partes devido ao material do tecido ficar encharcado, exceto pelo busto, que carregava um material diferente e mais rígido na jaqueta. Yagura finalmente se aproximou de mim, pelas costas, após tanto tempo calado. Seus passos em meio a chuva chamaram minha atenção, portanto me virei antes que ele ficasse a menos de cinco metros de mim. — “O que ele quer agora?” — Pensei, no mesmo instante.

— Está tudo seguro, vamos embora. — ordenou.

— É só isso? — me virei completamente para ele, ficando atenta a sua movimentação.

— E quais expectativas eu teria além de acabar logo essa missão? Alguém como você deveria se sentir grata por momentos como este exigirem a presença de vermes acima do solo da folha. — ele me atacou, mas uma vez, a troco de nada. Seu rancor ao me olhar, parecia genuinamente intimidador.

— Desgraçado… — explodi, finalmente. Meu punho se cerrou e a chuva parecia disposta a cair mais intensa e pesada do que antes.

— Finalmente, mostrou os dentes. — sorriu estranhamente, como se estivesse ficando maluco.

Atrás de mim, diante da situação, surgiu um homem do chão, através de uma técnica no estilo Doton. Conforme saiu, seu punho veio ao meu encontro, desferindo num golpe lateral um tapa com a parte traseira da palma da mão direita. O golpe havia sido tão rápido, que mesmo com meus olhos especiais, eu sequer fui pária para prever seus movimentos. A força do golpe me fez voar lateralmente e rolar duas vezes no sentido da borda da clareira. Com muito esforço me segurei ao fim da segunda volta no chão, antes que chegasse à beira da queda mortal.

— Esses olhos! São o motivo da minha ambição! O Carmesim irresistível do tom do sangue, só pode ser você! — o agressor saboreava o meu sangue preso às costas da mão que usou para me repelir para longe.

O olhar fixo do ninja renegado em mim me causou estranheza. Ele estava aprisionado em mim, particularmente em meus olhos, como se descobrisse uma mina de ouro diante de si. No entanto, antes que ele pudesse fazer qualquer movimento, Yagura lançou-se em alta velocidade contra o homem, desferindo um golpe de kunai com o movimento, tão rápido que eu não conseguia acompanhá-lo. O corte diagonal traçava um arranhão que ganhou um rastro de sangue, revelando o corte profundo a jugular do meu agressor. Sua ambição era tanta, que ao se deparar à relíquia Sharingan, sequer conteve o regozijo e abaixou a guarda, dando o tempo necessário para que o ninja da vila mais hábil o atacasse.

— A missão acabou. Parabéns, você testemunhou o que eu disse sobre carregar um dom ou maldição. — ele guardou a própria arma. Levou o cantil aos lábios e girou em seus calcanhares, como se nada tivesse acontecido.

— Obrigada por me salv… — lembrei do início de tudo e de seu alerta sobre ser um fardo para missão. — Você sabia que ele estava nos seguindo e me usou de isca? — ponderei.

— Pesquise sobre o poderoso Uchiha Ichizoku no Sōsai, vai descobrir coisas interessantes. A Reação Sharingan é uma delas. — disse o homem, dando por encerrado o assunto. Se ela quisesse saber a verdade, partiria dela o interesse para tal.

Ele saiu andando, o som da chuva e os trovões aumentaram, espalhando um clarão e água por toda a região próxima. Eu estava ferida, com o lábio sangrando, o sangue pingando escorria graças a chuva que caía sobre mim. Seja lá quem fosse aquele citado por Yagura, agora parecia estar relacionado ao episódio que vivenciei há pouco. Me ergui com dificuldades, levando comigo além do ferimento na carne, a dor de ter o orgulho ferido pela primeira vez. Uchiha e Sharingan, palavras que ecoam em minha mente. Para o bem ou para o mal, eu carregaria comigo aquele fardo, seja lá qual caminho seguir. Desativei a técnica ocular. Dali, nós dois voltamos para a vila, sem trocar nenhuma palavra, para finalmente concluir a missão.

Considerações Finais: