A Vontade da Pedra

Era mais uma noite como qualquer outra. O tempo estava ameno, um pouco seco naquele verão, mas para uma residente da aldeia de pedra, isso não representava um obstáculo. Brum estava deitada em sua cama, despreocupada, estava até com as pernas para o ar enquanto olhava o teto, porém logo ouviu batidas na porta e um leve ranger de dobradiças. - Você tem visita. Desça rápido! - A mãe ordenou a filha, ríspida.  Mais do que depressa, não desobedeceu e correu escadas abaixo até chegar em frente à porta principal. Havia um rapaz de cabelos negros e olhos azuis, com o símbolo da vila nas vestes diferenciadas e um pergaminho na mão, esperando por ela. Não houve muito tempo para trocar palavras, mas foi nítido pelo olhar de sua cuidadora que ela já fazia ideia do que talvez fosse aquele comunicado, haja vista a importância de ser entregue naquele horário da noite. Por fim, a moça leu, incrédula, suas instruções. Seus olhos estavam arregalados e a boca aberta, isso daria à cena um tom cômico, mas preocupado da adolescente.  O dia seguinte seria importante demais para seu futuro, afinal ela retornaria ao pátio de sua antiga escola.

Na manhã seguinte, após o choque de realidade ao ler aquele conteúdo, a jovem ainda estava assombrada com o fato de talvez ser rebaixada a estudante novamente, ou na pior das hipóteses, ser completamente excluída da lista de aspirantes a ninjas da pedra, o que de longe seria um tormento ainda maior. Rápida, ela se alimentou bem, sendo reforçada graças a preocupação da mãe, que já havia lido o conteúdo da mensagem e estava ciente da importância daquela ocasião. Brum vestiu suas roupas tradicionais, suas calças e uma camiseta preta, por cima, para finalizar, havia colocado também sua jaqueta, por fim, calçou suas sandálias e ajeitou sua bandana em sua testa. Antes de partir com antecedência ao seu teste, ela aproveitou para conferir sua bolsa de armas e a  prender firmemente em sua cintura em seguida. Assim que conferiu tudo, passou pelo batente da porta da sala, rumo às ruas, enquanto tentava esconder em seu semblante seu medo crescente a cada passo em direção ao seu destino.

Saiu de casa com cerca de uma hora de antecedência, com destino ao pátio detrás da academia shinobi da pedra. Mesmo que tivesse se preparado bem, quando chegou ao local, pode notar que alguém já estava ali a sua espera. - “Ela já estava me esperando… Pelo bater desse pezinho, acho que estou atrasada.” - Engoliu seco enquanto se aproximava daquela mulher. Mal teve tempo para se apresentar, pois a jovem adulta deixou claro com sua postura ríspida, que a vida da aspirante a ninja seria um caos naquele treinamento final. Com as instruções que se mostravam frente a menina, mal conseguiu elaborar alguma pergunta para a mulher, visto que esta disparou que ela deveria segui-la imediatamente. - Sim, senhora! - Apertou o passo andando ao ritmo imposto pela mais velha. Felizmente, não precisou manter o ritmo por muito mais tempo, já que em menos de dois minutos, ambas chegaram ao início do circuito. Em frente a linha traçada no chão, em tom vermelho, a menina aguardou o restante das informações.

Que parede… Grande! - Deixou escapar o espanto através das palavras. O tom inseguro da menina a entregaria frente ao desafio. Se a mulher quisesse, ela facilmente a ouviria. Seu corpo estava atrás da linha vermelha, mas assim que ouviu que poderia começar a hora que quisesse, seu corpo não se jogava para frente, como poderia se esperar de alguém pressionado. Respirou profundamente enquanto levava a mão direita ao queixo, a outra mão apoiava o cotovelo, mantendo-se em uma pose de pensativa por alguns segundos. - “Bem… Ela disse que meu desafio era simples, basta subir esse paredão enorme, mas ela não disse que eu deveria fazer isso de maneira rápida… Não vejo nenhuma contagem de tempo vindo dela… Bem, se ela não disse nada mais, talvez eu devesse agir com cautela… É isso! Está decidido, vou fazer o percurso com cautela! Nada de atropelar ninguém. Rápida, mas com cuidado.” - Considerou.

Após refletir, juntou as mãos em frente ao corpo, fechou os olhos e se concentrou. O respirar desta, era lento e tranquilo. Conforme a concentração aumentava, o selo do carneiro poderia ser visto em suas mãos, diante de seu busto. Nas solas dos pés, uma concentração de chakra se acumulava e, caso a instrutora pudesse notar, poderia ver com clareza que uma coloração esverdeada emanava de seus calçados. Assim que terminou de se concentrar, voltou a abrir os olhos e, utilizando uma velocidade moderada, passou a correr em direção ao obstáculo, pouco a pouco aumentando sua rapidez na investida, até chegar quase a tocar a parede. Naquela altura uma pessoa comum daria de cara contra o monumental obstáculo, mas para uma ninja, seria o momento preciso de impulsionar o corpo para cima, em um salto. Utilizando a máxima velocidade e com o salto, a jovem pode projetar as solas dos pés em direção da parede, sendo o solado do calçado a primeira coisa a tocar na estrutura sólida. Um pé após o outro, ela começou a subir com a impulsão máxima e utilizando seu jutsu recém adquirido há pouco tempo atrás ainda como aluna, o Kabe Hashiri no Jutsu. Conforme seguia correndo verticalmente, aproveitava de algumas irregularidades na superfície da terra, para fixar seu pé e manter a constante subida numa velocidade constante. Próxima à borda da parte mais alta, projetou os braços para frente, buscando alcançar a beirada da parede e conseguir terminar a escalada. Quando finalmente subiu, tentaria olhar para trás e, caso sua instrutora ainda estivesse na posição anterior, buscaria ver em seu rosto alguma expressão, seja esta de satisfação ou desaprovação.

Se tivesse sido advertida ou não, do alto daquela estrutura, só havia um jeito de descer e este seria seguindo adiante, até que alcançasse o solo novamente. Ainda com a técnica ativa em seus pés, aproveitou da força da gravidade para começar uma descida, porém agora mais devagar, visto que poderia se acidentar ao descer muito depressa. Pisava com cuidado as superfícies e conforme sentisse segurança, dava mais um passo adiante até alcançar o chão. Se não houvesse nenhuma surpresa, conseguiria chegar até ali apenas algumas pequenas quantidades de terra presas a sola aderente. - Ufa! Achei que seria mais difí… - Já estava prestes a se gabar, quando deu de frente com um cenário completamente diferente. - Que merda é essa? Tinha um pântano aqui perto da escola antes e eu nem reparei? - Questionou-se espantada. A coloração esverdeada em seus pés ainda estava presente quando refletia sobre o que deveria fazer para passar aquele obstáculo a seguir. - Devo ser rápida, muito rápida e não posso afundar, eu não quero me sujar! - Com a mão em frente ao busto, mais uma vez, concentrou-se em levar energia até os pés, intensificando sua técnica anterior com o intuito justamente de impulsionar seu corpo para longe do chão que pisava. Era como se propositalmente, ela fizesse o oposto ao que fez anteriormente, deixando de ficar colada e passando a ser repelida, projetando um impulso para acelerar a corrida a seguir. Conforme sentiu-se confiante, partiu correndo em direção às águas enlameadas.

Quando chegou próximo à beira da água suja, seu corpo moveu-se para frente, projetando uma corrida com o máximo de velocidade que conseguiria imprimir. Quando seu pé direito fosse finalmente tocar a superfície líquida, o selo do tigre seria feito rapidamente, alternando a técnica anterior e executando uma nova, o Suijo Hoko no Jutsu. Mentalizando uma espécie de perna de pau, partindo de ambos os pés em contato com o fundo do pântano, seu corpo manteria-se sobre a superfície enquanto corria. Mesmo na velocidade máxima, não seria o suficiente para atravessar toda aquela área sem ao menos se sujar um pouco. O nojo de estar em contato com o fluido respingando em seu rosto, membros inferiores e partes do corpo era esquecido por algum momento, afinal estava focada em não reprovar. Quando finalmente estava próxima à margem do final daquele desafio, sentiu dificuldade em manter estável sua técnica, pois a concentração do jutsu parecia estar sendo interferido por algo. Quando sentiu seus membros inferiores serem levemente sugados para baixo, notou que a água estava começando a ficar na altura de suas panturrilhas e Brum estava prestes a afundar completamente. Seu chakra havia sido drenado sem que ela pudesse notar e isso a atrapalhava a manter a técnica, mas, utilizando uma concentração máxima de sua técnica, enviava mais energia para os membros inferiores para compensar o chakra que estava sendo drenado, voltando a ficar em cima da água. Atirando-se com todas as forças às margens, conseguiu atravessar seu segundo desafio, caindo de quatro no chão firme.

Ofegante, o estresse físico em seu corpo era aparente, visto que além de lama, havia muito suor em seu corpo. Suas roupas negras estavam repletas de manchas de barro, enquanto o cabelo estava embaraçado em algumas partes. Tentando recobrar a postura em pé, foi lentamente se erguendo, batendo ambas as mãos em suas vestes sujas, tentando repelir a sujeira acumulada, porém em vão. Quando finalmente olhou para a sua frente, pôde ver a linha de chegada ao seu alcance, mas antes dela, um rapaz esperava diante da garota. Este não havia sequer se movido para lhe oferecer ajuda em se levantar, então ela só havia notado sua presença ali naquele minuto. Andando naturalmente, foi se aproximando dele, mas este não demonstrava qualquer iniciativa em falar com a garota e, acostumada a ser ignorada pelas pessoas por ser desajeitada, ela não daria o braço a torcer e não diria qualquer coisa a ele. Quando finalmente estava prestes a cruzar a linha de seus ombros com os do rapaz, ela pôde ver, pela visão periférica de seus olhos, uma movimentação ágil na formação de um selo de mão. Sem muito tempo para reagir, a garota lançou-se lateralmente o mais distante que conseguiria naquele susto. Se conseguisse se distanciar ao menos uns dois metros dele, poderia ter tempo hábil para contra-atacar caso qualquer que fosse a atitude dele, mas esse não seria o caso, uma vez que sua visão escureceu repentinamente. Sua pele formigava, como se algo, ou melhor, várias coisas estranhas, caminhassem em cima dela ao mesmo tempo. Os passos irregulares em suas pernas, cabelo, rosto e todo o tronco a fizeram entrar em pânico na mesma hora e bradar um grito desesperado. Eram aranhas e ela sabia, graças ao trauma de ter visto várias durante a vida e odiar esses animais. Sem delongas, tentou enfiar a mão destra na mochila presa à cintura, como puro reflexo, tentou sacar alguma arma, mas mais aranhas a envolviam completamente, agora paralisando seus braços. À sua frente, milhares de aranhas tomaram seu corpo, enquanto os olhos se arregalaram numa expressão de desespero completo. Sua boca aberta era invadida por insetos enquanto à sua esquerda uma voz familiar se projetava, repetindo infinitamente vezes que ela havia falhado. - “O-o quê!?” - Com dificuldades, focou os olhos em sua imagem enquanto cuspia os artrópodes pela boca, vislumbrando a si mesma, parada diante de si. Seus olhos lacrimejaram, pois já estava quase a ponto de perder o próprio controle, mas  foi quando à sua mente veio a lembrança de segundos atrás, quando viu o rapaz se mover e fazer um selo misterioso. - "Será que ele…? É tão… Real…" - Refletiu, ainda sentindo as patas remexendo em sua pele. - "Por que logo aranhas? Por que eu estou ali? Estou imaginando coisas? E-eu…" - Seus olhos se fechavam. Brum não era nenhum gênio, mas sua percepção de que tudo aquilo era um pesadelo aterrorizante demais para desestabilizá-la completamente, somada ao fato de tudo aquilo acontecer perfeitamente de uma forma que a torturasse em seus medos mais profundos. Seus braços estavam presos, a paralisia, o desespero, a imagem de si mesma projetada e cuspindo palavras que ela se dizia inúmeras vezes como tortura psicológica. Tentava se soltar e recobrar a sanidade, quando na verdade um estalo veio a sua mente. Só lhe veio uma coisa à cabeça. - "Ilu-Ilusão!?" - As pernas de uma das aranhas em seu rosto começavam a adentrar em sua boca novamente, foi quando a kunoichi tomou a decisão mais desesperada e nojenta que poderia ter naquele momento. Sua boca foi se fechando lentamente enquanto os dentes cravavam nas patas dos animais, tentando cortá-las e impedir que as pequenas feras entrassem mais uma vez em sua boca. Além disso, mesmo que as tivesse cortado, ela não cessaria o movimento de fechar a boca. Mesmo com o nojo enorme, ela morderia incessantemente até atingir a própria carne do lábio inferior, no lado direito. Caso conseguisse, ela romperia a própria pele com os dentes, causando uma dor intensa até que fosse o suficiente para interromper uma possível conexão mental estabelecida no momento que o rapaz tivesse efetuado o selo antes do apagão anterior.

Considerações Finais: