Cidadela do Deserto

Aquela manhã, na Cidadela do Deserto, mais uma vez havia sido totalmente tranquila. Há muito Hakuryuu havia se acostumado à rotina de uma propriedade grande como aquela. Por mais que tivesse ajuda, como administrador do local, não só tinha que disponibilizar a verba para manter a importante propriedade do clã, como também tinha que saber bem como alocar os recursos. Fechada há muitos anos, muitas das antiguidades haviam sido recuperadas cuidadosamente. E, àquela altura, Haku talvez pudesse dizer que a propriedade deveria estar em seu melhor momento em, talvez, décadas.

Mesmo assim, Kin não estava totalmente satisfeito com sua atual situação. Por mais que os arredores estivessem indo bem, sentia que algo em seu interior ainda não estava certo. Afinal, tinha o controle completo da besta de cauda, mas por nunca a usar fora de treinamentos, não sabia ao certo se isso realmente era equivalente a um controle absoluto. Será que havia a possibilidade de provocações externas — internas também, já que às vezes Nanabi sabia se mostrar ácida — desencadearem seu descontrole e, então, mais um dos temidos ataques de bestas de cauda que havia há algum tempo estudado sobre?


Decidido a aprender melhor o autocontrole, dirigiu-se imediatamente para o Karesansui. Saltando para cima de uma das pedras, iniciaria um treino interno para melhorar o controle de suas emoções.

Palavras: 218

Cidadela do Deserto

"Mais meditação? Ugh… Como você é entediante" — uma voz ecoou do fundo de sua mente, enquanto Haku procurava assentar-se sobre uma das pedras.

Há muito Hakuryuu estava ciente da grande diferença entre sua personalidade e a de Nanabi. Os impulsos histriônicos foram, inclusive, um desafio particularmente complicado para alguém que preferia um comportamento discreto como ele. No entanto, por mais que geralmente tivesse dificuldades em interações interpessoais — ou interbestiais —, tendia a ser um indivíduo bastante perceptivo. E, já tendo entendido racionalmente qual era a raiz do problema, há um bom tempo já tinha percebido que Nanabi ainda estava com certas dificuldades em lidar com aquela disparidade. Sendo Kin alguém mais passivo, algo do tipo jamais fora um desafio para ele.

"Treino de autocontrole" — corrigiu, tentando explicar a situação e não confrontar. — "Ter certeza de que conseguirei manter a calma em qualquer situação é algo bastante importante. Ainda mais considerando que descontroles da minha parte poderiam prejudicar a vila toda, não é?" — Devolvendo uma provocação à besta, provavelmente pela primeira vez desde o selamento, Haku fechou os olhos, aprofundando-se no denso e escuro oceano de seus pensamentos.

Um certo silêncio se instalou dentro da sala mental compartilhada. Hakuryuu, por sua vez, aprofundava-se cada vez mais dentro de si. Procurava recordar-se das situações mais difíceis que enfrentara no passado e que ainda o deixavam nervoso. Diante delas, tentava controlar a ansiedade e a autocobrança por perfeição, algo que lhe era constante.

Palavras: 239

Cidadela do Deserto

"Pff…Você realmente conseguiu trazer a situação em rédeas curtas, eu reconheço" — a besta retorquiu, num tom de desprezo para com o assunto. — "Mas, nenhum controle é dura para sempre. Cedo ou tarde você vai vacilar e eu vou botar essa vilazinha abaixo. Hehehe" — prosseguiu, finalizando com uma risada quase maquiavélica.

Distraído com sua meditação e os fortes sentimentos de arrependimento e ansiedade, no entanto, Haku demorou alguns instantes para se dar conta da seriedade do que a besta tagarelava. Entretanto, ao que se deu conta, momentaneamente tentou entender o sentido naquilo. E, foi então, que percebeu uma completa ausência dele na razão por trás dos ataques de bestas de cauda ao longo dos anos.

As pessoas tinham medo das Bijūs e, por isso, elegiam certos indivíduos como “jinchūrikis” — ou seja, sacrifícios em prol da vila — para mantê-las seladas em seus corpos e, assim, impedir maior destruição. E, até então, Haku acreditava que a razão de Bijūs odiarem humanos no geral se dava por conta dessas prisões em forma de pessoa. No entanto, por mais que um Jinchūriki talvez pudesse, um dia, conseguir fazer uso do poder da Bijū para fins próprios, sabia bem que isso não era algo comum. Havia um risco inerente em se selar uma criatura daquelas em uma pessoa que permaneceria dentro dos muros da vila. E, pela frequência de ataques e número de baixas, um indivíduo que fosse capaz de controlar os poderes da sua a ponto de reduzir o risco de escapada a quase zero não parecia algo tão comum assim. Ainda mais considerando o estigma que ser um jinchūriki trazia.

Então, se o selamento devia existir pelos ataques, por que os ataques existiam? Até então, assumia que por conta dos selamentos. Porém, certamente aquilo era recursivo.

Mesmo assim, Haku sentiu muitas coisas ao mesmo tempo para que pudesse simplesmente confrontar a besta. Medo, ansiedade, fúria, sede por vingança… Nanabi ter tratado um assunto tão trágico como aqueles com aquele tom foi algo que, sem dúvidas, conseguiu tirar Haku do sério. Era a primeira e única vez que a Bijū tinha conseguido isso. Já tinha há muito superado o drama de ter sido escolhido como um sacrifício em prol da vila. E, inclusive, tinha decidido adotar uma política de boa vizinhança com o outro ser que dividiria seu corpo pelo resto da vida. Todavia, até mesmo ele tinha seus limites.

Lembrando-se da promessa que fizera para si, de entender melhor a besta e, quem sabe, pelo menos conseguir coexistir pacificamente com ela, Haku segurou a resposta que tinha para dar. Foi então que, finalmente, colocou o estado de calmaria que estava treinando até então em prática. Respirou fundo e esvaziou a mente. Ao fazê-lo, apenas dúvida e curiosidade restaram:

"Por quê?" — Cessando a meditação e adquirindo um semblante confuso, simplesmente perguntou a Nanabi.

"Por quê?! POR QUÊ? E você ainda pergunta?! Não é óbvio?" — Pela primeira vez, Haku ouviu um tom enfurecido vindo da Besta sempre debochada. — "Vocês humanos nos aprisionam para usurpar de nossos poderes e ainda se perguntam porque odiamos vocês?!" — Palpavelmente indignado, Nanabi retorquiu, desabafando ago que parecia estar preso em seu peito há muito tempo.

"Acho pouco provável que os Jinchūrikis tenham surgido por conta disso. Como bem já vi em registros, é muito arriscado e são poucos os que realmente conseguem dominar os poderes de outros como você e não simplesmente se tornarem bombas relógio que ameaçam toda a vila" — retrucou, ainda procurando manter a política de não se referir a besta como algo diferente de um humano.

Não sabia seu nome, claro, e por isso tentaria contornar o fato até que Nanabi cedesse. Todavia, chamá-la de besta, sete-caudas ou coisas do gênero parecia desumanizador demais para fazer. Mesmo uma criatura como aquelas não merecia isso.

"Inclusive, sei por experiência própria que ninguém gosta da ideia de ter vocês dentro de nossa vila. Muitos encaram isso… Quer dizer, encaram a mim como um risco constante" — cerrando os olhos, prosseguiu pressionando Nanabi com suas palavras. — "Não fossem objetos incapazes de selarem vocês por muito tempo, acho a maioria da vila preferiria você num vaso a quilômetros de Sunagakure em vez de em um de seus vizinhos…" — faria uma pausa, tentando entender o que a besta poderia estar sentindo durante aquele silêncio surpreendente que ela havia adotado. — "Sendo assim, se o povo parece necessitar selar outros como você dentro de outras pessoas por falta de opção, por que vocês atacariam as vilas para começo de conversa? De verdade? Nas eras antes da criação dos Jinchūrikis como eram as coisas? Vocês simplesmente viviam isolados e distantes das vilas humanas? Se sim, como um conflito desses poderia ter surgido? Quem veio primeiro? Os Jinchūrikis ou os ataques de vocês às vilas?" — Pressionando Nanabi contra a parede, Haku perguntou com certa firmeza.

"..." — Talvez chocado, Nanabi manteve-se em silêncio num primeiro instante. — "E-Eu não lembro…" — Eventualmente, porém, ele acanhadamente foi sincero quanto à situação.

Seu tom parecia genuinamente arrependido quanto às ameaças feitas. Se era porque havia razão nas falas de Haku ou porque ele realmente tinha se arrependido de dizer algo do tipo por matar ser simplesmente errado, o shinobi não sabia. No entanto, o Kintate percebeu uma oportunidade de, talvez, firmar algum tipo de compromisso com a besta o qual não podia deixar passar.

"Eu também não sei. E também não é totalmente minha culpa que estejamos presos um ao outro até o fim de minha vida. Porém, acho errado, como você disse, simplesmente usurpar do seu poder. Por isso, apesar de dominá-lo por razões de segurança da vila, até hoje nunca o utilizei porque não tinha seu consentimento" — firme, Hakuryū deu os primeiros passos na proposta.

"Mas genuinamente acredito que esse nosso infortúnio ainda possa ser capaz de gerar muitas coisas boas e ajudar muitos. É por isso que peço pela sua colaboração. Juntos há muito que podemos alcançar" — mentalmente, era como se Haku estendesse seu braço para um aperto de mãos.

Entretanto, a besta pareceu entrar em um silêncio profundo. Não querendo pressioná-la, Haku deu-se por satisfeito e, após mais algumas horas de treinamento para controle dos nervos, ele retornou para sua casa. Dessa vez, estava certo de que não perderia o controle emocional como das outras vezes.

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