O calor do verão da VIla Oculta da Areia, por óbvio, não era um problema para o Kazekage em seu gabinete, que viva protegido do sol e, além disso, havia sido criado naquele país de temperaturas extremas. O mesmo não podia ser dito sobre as plantas que decoravam seu Gabinete. Por mais que o Herbalista tentasse, seu gabinete não era a Estufa do VIlarejo. O Mestre da Botânica precisava limitar o acesso ao sol de muitas delas para que as mesmas não se queimassem, precisava redobrar o cuidado com o a quantidade de água. Foi durante um dos momentos de seu dia que o Algoz dos Ossos cuidava de suas plantas durante o expediente no Gabinete, mais especificamente, enquanto estava movendo para longe do sol o bonsai que Maeda havia transformado numa árvore de tamanho maior com suas capacidades florestais que um dos guardas que ficam na parte de fora do Gabinete bateu em sua porta e anunciou:

— Kazekage-sama, o senhor está sendo chamado para a porta.

— Como é que é? Eu não tenho reunião marcada pra essa hora com ninguém. Quem é o filho da puta?

— Ele não se identificou. Trajava um manto preto e tinha um tapa-olho. Pela aparência era o homem que atende por- — O guarda foi cortado pelo Líder Militar do Vilarejo

— Desgraçado do tapa-olho... Qual a merda que ele vai jogar no meu colo agora? "De alguma forma, Soramaru retornou"? Tá, eu vou lá.

Ken terminou de mover a árvore "dada" por Maeda para longe do sol e começou a se encaminar até onde Karma estava. Não tinha pressa para notícias ruins, por isso caminhou na sua mais lenta marcha. Normalmente, a Sombra do Vento seria amistosa, cordial, ainda mais quando estivesse se referindo a alguém com as respostas para o principal problema que o mundo shinobi estava enfrentando: a Boryukudan. A influência da besta que tinha em seu corpo, no entanto, tornava o jovem Kaguya uma presença menos amistosa, menos educada. Ao avistar o homem que trajava preto no meio do Verão do País do Vento, o governante indagou:

— O que é que foi agora? Mais homens-morcegos? Lobisomens? Lobisomens-Morcegos? — disse sem cumprimentar, tratando sem hospitalidade o homem que havia se provado um aliado até então como um mensageiro de más notícias

Apesar de destratar o homem do tapa-olho, ainda que de maneira quase inconsciente, o jovem Kaguya teve suas indagações respondidas. Karma rapidamente dissipou as dúvidas do Kazekage sobre a possibilidade de novos monstros estarem correndo à solta pelos desertos do País do Vento, o que concedeu conforto ao coração do braqnuelo.

Não durou muito. Em rápida sequência, o caolho (ou aparente caolho pois não se sabia o que havia por debaixo de seu tapa-olho) fez menção à Besta de caudas que Maeda havia selado nas costas de Ken, a uma investigação misteriosa no País do Vento e ao rapaz da Névoa por quem o adolescente de cabelos brancos nutria sentimentos. Existia uma ponta de inveja na Sombra do Vento depois das falas de Karma. O Cavalo que tinha dentro de si não permitia que o falso dissimulasse o que sentia. A expressão de Ken, que não havia sido afetada pelo sol do verão da Vila Oculta da Areia, mudou as palavras de Karma, com os olhos apertados e testa franzida:

— Caralho, não dá pra esconder porra nenhuma de você, hein? Do Cavalo, eu não me surpreendo de você dar seu jeito de conseguir essa informação, mas eu não contava com você sendo esquisito o suficiente pra investigar dois adolescentes se beij-

Por mais que a influência negativa da fera alterasse o comportamento do Algoz dos Ossos, ele ainda se sentia obrigado a proteger Nari-san. Só havia destituído um dos 4 Anciões apoiadores de Sagishi, substituindo-o com um aliado, Maeda Senju. Como queria manter um verniz de naturalidade na situação da política interna da Areia, o então Ancião só foi destituído depois de provado o envolvimento do mesmo no atentado no Mandaray. Esperar o erro do adversário era uma tática perigosa, mas fazer uma limpeza da oposição era a única alternativa que o governante enxergava. Rechaçando a alternativa, restava proteger quem era importante para ele:

— É melhor entrar, mesmo. Siga-me

Ignorando seus guardas, o Mestre da Botânica levou Karma até o interior do seu escritório de trabalho, o Gabinete do Kazekage. O aroma verde e fresco das suas plantas tornavam o ambiente menos inóspito para o adolescente, mas não o suficiente para relevar o peso que aquela sala e a o kanji de “ferro” em suas costas exerciam sobre seus ombros. Sentou na cadeira onde passava a maior parte de seu tempo no escritório e, com o braço direito, apontou para uma poltrona bege claro num movimento rápido e desleixado, como se se sentisse obrigado a manter a hospitalidade:

— Quê que tem o Naritoshi? Tá tudo bem com ele? Aconteceu alguma coisa? — Ken olhou pros lados e vendo onde estava e a função que exercia naquele lugar, percebeu que por mais que quisesse saber mais sobre o Karma tinha a falar sobre o rapaz de dentes serrilhados, precisava, ali, tratar de assuntos referentes ao Vilarejo. Pigarreou, como se a organização das ideias morasse na garganta e, com as ideias alinhadas ao cargo que lhe era encumbido, continuou — Mudando de assunto, que história é essa de investigação no País do Vento? Quem autorizou? Se bem que...quer saber? Esquece, a essa altura isso não importa mais. Pelo menos você se deu ao trabalho de vir me reportar. — fez uma pequena pausa, sua boca se contorceu um pouco, como se não quisesse dizer o que estava por vir. Apesar de grosseiro, o governante ainda precisava não melindrar apoio importante — Obrigado por isso, inclusive. — um agradecimento quase inaudível se esgueirou pelo canto da boca do jovem Kaguya.

Atento às palavras que Karma dizia, Ken sentiu alívio ao ouvir que Naritoshi estava bem com seus ombros, largos para um adolescente de sua idade, saindo de uma posição de tensão para uma de maior relaxamento. No entanto, as palavras, um tanto jocosas, sobre uma investigação acerca do relacionamento do Hozuki e do Kaguya trouxeram uma resposta inesperada. Uma de suas sobrancelhas albas, do olho esquerdo, saltou quando Karma fez questão de dizer que ele e Naritoshi eram “simplesmente amigos”.

”O que mais seriam? Já é um homem feito. Com essa idade, se estivesse atrás do Nari-san… Mas pra quê ele fez questão de falar isso? Me tranquilizar? Colocar uma pulga atrás da minha orelha?”

— Que bom que meu Nari-san está bem. — disse o Algoz dos ossos, certificando-se de se prevenir ao marcar território como suas palavras como se fosse um cachorro num cacto

O Kazekage se surpreendeu com uma informação trazida por Karma sobre seu trabalho: trabalhava diretamente com os Senhores Feudais. Esse fato, por si só, não seria surpreendente se tratando de qualquer outro País, mas no País do Vento ninguém havia avistado Lorde Ishtar desde a batalha do Castelo da Lua, com um assistente interinamente atuando em seu lugar. A Sombra do Vento estava curiosa em saber se o homem do tapa-olho estava de fato trabalhando com Ishtar ou se ele se referia ao Assistente, no entanto ele deixou essa indagação para outro momento, pois o restante da informação passada pelo rapaz do manto negro era muito mais importante.

Enquanto olhava fixamente para o olho de Karma, os ombros do Kaguya se tensionaram novamente ao ouvir a palavra “culto” sair da boca do homem. Aquele pesadelo parecia não ter fim. A piada sobre lobisomens tinha uma dose importante de receio de algo do tipo voltar a assombrar seu Vilarejo. Os ombros do Monstro foram subindo com cada gatilho que saia da boca de Karma. “Culto”. “Batalha da Lua Minguante”. “Experimento”. “Soramaru”. Uma líder de culto com chakra poderoso. Depois de ouvir tudo aquilo, o Kazekage quase não tinha mais pescoço, afogado entre seus trapézios e ombros definidos e, graças a tensão, enrijecidos.

Numa tentativa de aliviar, para si mesmo, a situação e o que estava sentindo, o Herbalista ergueu os braços num movimento de quem quer se espreguiçar após uma longa noite de sono. Ao fim do movimento, foi possível ouvir alguns estalos enquanto o Kaguya colocou seus ombros no lugar, estufando o peito e preparando-se fisica e mentalmente para dar o fim definitivo a noite mais longa da vida do jovem Ken.

A possibilidade da mulher ter ligações com Soramaru, ter esse chakra Otsutsuki poderoso e estar agindo no País do Vento eram motivos suficientes para o Kazekage ir atrás dela naquele exato momento de maneira intempestiva, mas ser intempestivo não fazia seu feitio, pelo menos não até ter aquela besta selada em si. No entanto, Karma deu um motivo a mais para o Kaguya: Uma cura para a Fibrodisplasia Ossificante. Hakuryuu já havia prometido que faria uma investigação sobre o assunto, mas fazia tempo que não via o amigo.

Ser um Kaguya é viver ao máximo enquanto seu corpo permite, ser precoce para os padrões do resto do mundo. A longevidade era algo que o clã não tinha. A maioria já nascia de cabelo branco pois naquele clã o novo já nasce velho. Muitas mulheres, como a própria mãe de Ken, engravidavam na adolescência, uma forma de ter mais tempo com sua prole, de ter tempo de criá-los antes da doença do clã levá-las. A Kashitsu mesmo, já estava nas últimas.

A possibilidade de ir além, de não sofrer com os problemas que sua mãe sofreu e sofre, seria esse o motivo da “missão especial” de seu pai ausente? O adolescente absorvia as palavras de Karma e se perguntava se não havia uma forma de livrar o clã inteiro daquela chaga, mas ainda não sabia como se livrar da mesma, apenas que aquela mulher parecia ter dentro de si a resposta para o que viria a seguir:

— Não é óbvio? Eu estou na flor da idade. — fazia um trocadilho com os jutsus de seu clã e com sua profissão — O que, para um Kaguya, quer dizer que sou um homem de meia idade e que daqui pra frente só vou me fuder e definhar. Já havia falado para Maeda e Haku que eu não poderia ser Kazekage por muito tempo, essa merda de corpo não permite, parece que fomos amaldiçoados pelos deuses. Mas aparentemente o chakra dessa líder de culto permite? É só do chakra dela que eu preciso? Eu apanhei do Soramaru, fiquei com essa cicatriz e experimentei em primeira mão o que os viciados em Orquídea Vítrea buscavam. Mesmo assim não fui salvo, tô aqui na merda. Imagino que, tendo investigado essa zinha aí, você tenha informações do paradeiro dela, próximos movimentos, esse tipo de coisa.  Que porra que eu preciso fazer quando encontrar com essa daí?

Apesar da grosseria, Ken colocou seu cotovelo esquerdo em cima de sua mesa, repousando seu queixo em seu punho, como se estivesse conversando normalmente com alguém. O interesse no que Karma teria a esclarecer em seguida era óbvio, poder unir interesses do vilarejo, do clã e os interesses individuais de sobrevivência era um prognóstico bom demais para ser verdade, mas se fosse verdade, não queria perder uma palavra do que Karma tinha a dizer.

Ken, ainda debruçado sobre a mesa de seu gabinete, ouvia com atenção as palavras de Karma. O homem do Tapa-olho corroborava as palavras de Soramaru sobre as origens de seu clã e de serem descendentes de Kaguya Otsutsuki. Ainda não sabia o motivo dela ser uma inimiga dos homens, talvez tivesse alguma relação com a história que Kinsetsu havia lhe falado sobre o meteoro. A história da matriarca original de seu clã ainda era uma incógnita fascinante para o adolescente.

O Kaguya tomava nota mental das palavras do visitante misterioso sobre a cura da doença de seu clã. Não era apenas do chakra da mulher que Ken precisaria para impedir o destino que fora traçado na noite em que foi concebido por seus pais, mas das células células que seus pais não tinham. Se perguntava se a ausência de seu pai desde muito novo e a tal missão especial seriam em busca da cura, das células capazes de salvá-lo e sua família.

Segundo o Caolho, ele iria convocar uma expedição contra a mulher e seu culto com os senhores feudais. Dada a necessidade de uma força tarefa que o homem indicava com suas palavras, Ken percebeu que precisaria se preparar e treinar ainda mais para encarar a adversária que seria sua salvação. Também tomou nota sobre precisar, de algum jeito, de garantir que traria para suna o corpo da mulher milagrosa.

Karma parecia comprometido em dar motivos para a Sombra da Areia se manter viva e lutar por sua vida, usando Naritoshi como um motivo a mais para o Kazekage continuar lutando pela própria vida. Ao ouvir o nome do adolescente dos dentes serrilhados, o Algoz dos Ossos parou de se debruçar sobre a mesa, tirou da mesma o braço que apoiava seu queixo e grudou suas costas em sua cadeira.

Felizmente, o Kazekage estava sentado. A mensagem de Naritoshi que Karma trazia era chocante. A primeira reação de Ken foi de confusão. Sabia que casamento infantil era algo comum dentro de seu clã, sendo o caso de seus pais. Havia participado de uma espécie de festa de debutantes para os jovens Kaguyas, onde o líder local ofereceu a mão de sua filha à Ken, que negou por motivos óbvios.

Não sabia o que dizer, não sabia o que sentia. Um turbilhão de emoções, de sentimentos. Medo de não sobreviver até lá, medo de, aceitando, ficar decrépito como os membros de seu clã, medo de torná-lo num viúvo tão jovem. Apesar dos receios, ele não sentiu a repulsa e raiva que sentiu quando ouviu proposta semelhante da boca de Hon. Era um futuro que ele queria, que ele esperava poder viver. Para isso, como Karma havia dito, ele precisaria viver.

Faltavam-lhe palavras sobre o que responder acerca da proposta de Naritoshi. Seu corpo, no entanto, dava respostas. Sua garganta, depois de viver 15 anos no clima árido do País do Vento, secou pela primeira vez. O coração batia mais forte que se estivesse sob o efeito do Vuikku Vueporabbu. O hábil usuário de Shichi Tenkoho parecia que iria inventar a oitava liberação da habilidade pelo jeito acelerado e carregado que respirava. Levou a destra aos cabelos brancos e puxou a franja para trás, o que, inconscientemente, dava mais ênfase aos olhos arregalados da Sombra. Apesar da falta de palavras, não deixou Karma sem uma resposta, balançando a cabeça pra cima e para baixo, fazendo sinal de afirmativo.

Karma se encaminhava para a porta de saída, dizendo que Naritoshi não esperava uma resposta imediata por saber da implicação daquela situação e que desejava se tornar um Mizukage. O Caolho se despediu com um conselho que mais parecia uma ordem: Sobreviver por si, não pela Vila da Areia. Ken completou a fala do homem que se ausentava de seu gabinete mentalmente.

“Por mim e pelo Nari-san.”