Mais um fim de tarde nas partes mais altas dos Arredores de Kirigakure no Sato. Posso dizer que tão comum quanto qualquer outro dia, exceto pela minha necessidade de entender como, quem e o que exatamente é a fera selada em mim e que anda causando alguns efeitos negativos no meu dia-a-dia desde depois de integrar o grupo dos Espadachins da Névoa. Comportamento incomum, grandes dificuldades de concentração e até mesmo de controlar meu próprio Chakra, como se as vezes eu tocasse numa barreira invisível e perdesse o controle. Fato é, não sei um ponto de partida, um conceito, mesmo que mínimo, para tentar uma solução para os problemas. E por isso... — Cansei de ficar olhando esse símio o dia inteiro. Ele conseguir ouvir todas nossas conversas, igual essa, também me incomoda. — Comentou Shibai no meu subconsciente em tom de irritação, no mesmo espaço mental onde "Ele" agora habita. — Aparentemente, você retruca tudo o que as pessoas falam, então... Sugiro que pra resolver seu problema você não se concentre e evite meditação. — Ele sugeriu a mim, com as primeiras sentenças sendo num tom menos audível que o restante.

— Ok, então o certo é eu meditar. — Comentaria automaticamente em resposta de forma completamente contrária à opinião do Rei, como se algo ou alguém estivesse influenciando minha personalidade e me impedindo de organizar meus próprios pensamentos. Shibai se manteve em silêncio. Nisso, suspiraria, logo após sentando-me no chão do cume, cruzando as pernas e me pondo em padmasana, com as mãos repousando sobre os joelhos e os olhos suavemente fechados. E então, o mundo ao meu redor começou a desaparecer enquanto minha respiração se acalma, permitindo que minha mente se acomodasse no silêncio interior.

No instante em que fechei os olhos, tudo desapareceu, como se o mundo tivesse sumido num piscar de olhos, deixando-me no vazio absoluto. Não há som e não há luz. Apenas o nada, uma vastidão sem fim que parece engolir qualquer traço de existência. Então, de repente, um calor crescente envolveu meu corpo, e, como um estalo, o ambiente ao meu redor mudou. Ao abrir os olhos novamente, vi que agora estou em um plano flamejante, dentro do meu subconsciente. O solo abaixo dos meus pés não é de pedra ou terra, mas uma superfície de magma endurecido, rachaduras incandescentes entrelaçando-se por todos os lados. No horizonte, chamas esparsas dançam ao vento, como se fossem pequenas fogueiras de energia pura, enquanto colunas de fumaça se erguem lentamente ao céu, tingido de um vermelho intenso, quase carmesim. Um lugar que exala poder bruto, força primitiva.

Ao meu lado, Shibai. Ele não disse nada, mas começou a caminhar. Seus passos são lentos, e eu o segui em silêncio, sentindo que algo muito maior nos aguarda. À medida que avançamos, o calor ao redor parece intensificar-se, e o caminho à frente eventualmente nos fez alcançar o que parece ser um imenso portão, cravado em rocha vulcânica. É massivo, feito de metal negro, decorado com inscrições antigas que eu não consigo decifrar. Além disso, o portão pulsa com uma energia viva, como se estivesse prendendo algo de outro mundo. E então, das sombras por trás do portão, algo gigantesco começou a se mover. No completo limbo além das barras, uma silhueta colossal emergiu: Yonbi. Seus olhos de um vermelho ameaçador brilham com fúria contida e seu rugido assim que me percebeu reverberou pelo plano, um som que sacudiu o próprio chão, fazendo-me tapar os ouvidos com as mãos, não parecendo ter incomodado Shibai, porém. E então, ele começou a me fitar com uma expressão agressiva e os dentes à mostra em um rosnado profundo. Mesmo preso, é evidente que sua força é avassaladora, uma fera cheia de ódio e poder que aguarda sua chance de se libertar. Seu corpo inteiramente feito de Chakra — perceptível através do orbes celestiais — me faz pensar na sua existência como sendo uma bizarrice da natureza. — Nunca vi isso antes... — Comentei, ainda tentando entender com o que estou lidando.

— O que você quer, humano? — Sua voz intensa e grossa quebrou o silêncio após o encerramento dos rugidos e rosnados. — Não, você não é humano... você é diferente, Ōtsutsuki. — O grande primata emitiu, aparentemente aguardando uma resposta da minha parte.

— Você. Quero compreendê-lo. — Responderia de forma direta e sucinta à indagação do primata. Shibai cruzou os braços, aguardando a reação da besta. — Você? Me compreender? — Ele fez uma pergunta retórica em tom de ignorância, claramente desaprovando minha ideia. — Não, você nunca me compreenderia, mestiço. Não deixarei que me use como fonte de poder e seja sua arma. — Emitiu Yonbi de forma raivosa, deixando hostil e bastante pesado o ar do ambiente. — É questão de tempo até eu sair daqui. Suma. E não volte mais. — Fora as últimas palavras que ouviria da estridente e nervosa voz do primata antes de me ver novamente no alto do cume, sentindo como se minha cabeça estivesse fritando e uma onda de raiva tentando acometer o meu ser, me deixando impotente. Ofegante, me veria de joelhos no alto do cume, apoiando uma das mãos no chão e outra na cabeça, torcendo para que a dor logo parasse. Tudo o que eu posso sentir é a fúria do Yonbi e seu desejo de libertação queimando dentro de mim.

— Entendi. Você precisa deixar que a raiva o consuma e não tentar controlar esse poder. É o único jeito. — Shibai expressou usando a psicologia reversa, no qual meu mental tratou a sugestão como "Se ele sugeriu assim, farei o oposto". Fechei os olhos com força, tentando me concentrar, mas encarando dificuldades. De repente comecei a me ver em memórias, revivendo momentos. Naritoshi e Nobara apareceram em minha mente, seus rostos me dando forças. Pensei em Naritoshi me apoiando e me dizendo que sou mais forte do que isso. Também pensei em Nobara, a forma como a mesma seus próprios desafios e seu espírito de aço, sem nunca hesitar. Preciso ser como eles, preciso segurar a raiva antes que ela me domine por completo. Lentamente, tentei respirar fundo, mesmo com o ar parecendo pesar toneladas. Concentrei-me em meu interior, tentando unir o que é meu do que é do Yonbi. Focar, Hakari. Focar. A dor pulsa em minha cabeça, minhas mãos tremem, mas comecei a tentar puxar um pouco daquele Chakra. Só um pouco, o suficiente para misturá-lo com o meu.

No momento em que comecei a sentir o Chakra do Yonbi fluir, foi como tentar segurar uma tempestade em minhas mãos. Denso, avassalador, e minha primeira reação foi querer soltar. Mas eu não posso. Eu preciso controlá-lo. Meu corpo ainda dói e meus músculos estão à beira do colapso. Nisso, senti todos os poros do meu corpo formigarem como se estivesse prestes a explodir. Continuando a me esforçar, comecei a mesclar uma parte do Chakra da besta com o meu, como se estivesse tentando misturar óleo e água. O Chakra do primata começou a lutar contra o meu, resistindo a cada tentativa. Então, puxaria ainda mais, canalizando o que resta da minha força de vontade. A tensão nos músculos persistiu, mas, em instantes, algo mudou. A resistência começou a diminuir. A dor, que antes parecia insuportável, gradualmente começou a se dissipar. A raiva que fervilhava dentro de mim também se esvaiu, como se estivesse sendo drenada. Minhas respirações começaram a se normalizar, sentindo uma paz profunda. O Chakra do Yonbi então começou a fluir em harmonia com o meu, e, pela primeira vez, eu consegui moldá-lo, controlá-lo, mesmo que apenas uma pequena fração dele, sentindo um ligeiro aprimoramento nas minhas capacidades físicas em conjunto com uma aura carmesim me rondando. Uma aparência mais bestializada que o comum também fora um dos efeitos.

— Consegui? — Indagaria para mim mesmo, fitando minhas mãos e alguns instantes após sentindo a aura e seus efeitos se dissipando aos poucos. — Como se sente? — Perguntou Shibai, curioso. Talvez preocupado, mas deuses não sentem preocupação, né? — Tô bem, valeu. Por enquanto, vamos voltar. Preciso tentar entender o que aconteceu e descansar um pouco. — Finalizei, me erguendo e dando uma última olhada para a paisagem antes de começar meu caminho em direção à Kirigakure no Sato, estranhamente sentindo como se meu corpo tivesse mais durabilidade do que o normal. Talvez também seja um efeito do Quatro-Caudas?

Ah, e não posso esquecer de comer meu chocolate, claro.