Caminhava feliz em direção da residência Abusaki, com o peito estufado de orgulho ao carregar a bandana ninja do vilarejo nas mãos. Enfim poderia mostrar aos mais velhos como todo meu esforço havia valido a pena, sendo capaz de começar meu trajeto como uma kunoichi de respeito. Conforme os passos eram dados, rápido como um raio, as nuvens se movimentavam e o céu escureceu por completo, deixando-me presa na penumbra. Antes que a visão se acostumasse à escuridão, as chamas que engoliam a grande construção iluminaram o caminho, permitindo que enfim chegasse ao destino.

Os gritos, tantos gritos preenchiam o ambiente, junto ao sangue que manchava cada tábua do chão, transformando o solo das redondezas em um grande lamaçal avermelhado. Gritava em desespero, mas não ouvia minha própria voz, apenas poderia assistir tudo em silêncio, antes que sombras se movimentassem em minha direção, me imobilizando e então me atirando num oceano escuro, onde nada mais poderia ser visto.

Senti a dor que senti naquele dia, senti o medo, a vergonha e a frustração, mas nada poderia fazer para mudar o trágico fim daquele evento. Como força do hábito, abri os olhos ao levantar em susto da cama, ofegante e encharcada de suor. Talvez não tivesse tanta culpa na tragédia da família Abusaki quanto pensava ter, mas minha fraqueza era inegável, pois enquanto outros tentaram ajudar, eu apenas observei tudo, imóvel e aterrorizada.

Seria perda de tempo tentar voltar a dormir agora, então apenas me levantei da cama e botei algo adequado para sair. Uma volta talvez servisse para refrescar não apenas o corpo, mas a mente como um todo.

Não sentia frio, tampouco calor, talvez isso mostrasse como a primavera no vilarejo da pedra pode ser tranquila e neutra. A bengala, como sempre, guiava meu caminho até o jardim da residência Abusaki, onde passei grande parte da infância me escondendo dos instrutores e professores contratados para me educar. Desejava ir até a praça da cidade, já que sempre quis ter brincado naquele lugar durante a infância, mas sair de casa já seria difícil, perder tempo de treinamento com brincadeiras infantis seria impensável para a família. Os passos solitários ecoavam pelos corredores vazios da casa, conforme mais avançava, mais sentia a solidão me apertar o peito, a infelicidade não ser mais capaz de admirar as belezas de um jardim tão próspero.

A grama suave enfim acariciou meus pés, indicando que meu caminho havia sido tomado corretamente. Largando a bengala, escorada sobre o pequeno vão entre o piso amadeirado e o solo fértil, me aventurei pela relva tão conhecida, sentindo-me criança mais uma vez. Apenas as lembranças do local me inundavam a mente, agindo como um tipo de guia para que não caísse ou me machucasse. Poderia sentir o cheiro de forma mais completa, começando aos poucos a relaxar, tal como esperava. Ficaria ali por alguns minutos, antes de voltar para dentro, caso um som sibilante não me fizesse ganhar interesse, sem sequer imaginar que uma voz repentinamente surgiria ao meu lado, rouca e arranhada, se parecendo com a voz de um senhor de idade.

— Você não mudou nada, Sawako! Por que está fora da cama a essa hora?

— Quem é- Você me conhece? Como? — Indaguei, assustada e curiosa.

Podia ouvir um sibilo leve, curto e baixo, quase oculto graças às pequenas correntes de vento que moviam a grama suavemente. A voz do sujeito não era estranha, mas não poderia me lembrar adequadamente caso houvesse o conhecido antes da cegueira; minha audição antes disso não era nada comparada ao que é hoje.

— Claro que conheço, mas você não se lembraria… Era tão pequena! — Fez uma pausa para limpar a garganta, como se falar o incomodasse — Pode me chamar de Stick, garota. Estou aqui para te ajudar com… Bem, com isso aí! — Apesar da falta de visão, senti como se ele falasse de meus olhos.

Inegável dizer que a cegueira me incomodava, como tem sido já há algum tempo, mas após tantos anos, imaginei que jamais voltaria a enxergar. A menos que as habilidades de Stick envolvessem dons médicos milagrosos, guardaria minha esperança para outro momento, mantendo-me em silêncio, com o semblante cabisbaixo e pessimista.

— Claro que não estou falando de sua visão, sua boba. Eu não sou médico, afinal. — E ele falou tão naturalmente, como se possuísse o dom de ler minha mente — Não… Estou aqui para te deixar mais forte, já que é isso que você quer, não é? Venha comigo! — Colocou então a mão sobre meu ombro, me guiando de volta à engawa da residência, onde nos sentamos.

Me perguntava apenas como ele me faria ser mais forte, se alguém como eu, que não consegue sequer caminhar sem auxílio, tampouco poderia lutar ou proteger os outros tão facilmente. Respirei fundo e então joguei o pescoço para trás, relaxando a mente e buscando paz. — Você diz que pode me deixar mais forte, mas como exatamente? — Perguntei com genuína curiosidade, esperando alguma baboseira sobre fé ou coisa parecida.

— Bom, existe algo chamado Técnica de Invocação, já ouviu falar? Você deve ter visto algo assim na academia, eu acho… De qualquer forma, é uma maneira de pedir por auxílio de criaturas durante uma luta ou atividade qualquer, com um mísero preço… — Ele limpou a garganta outra vez, vindo a tossir e se perdendo por um segundo no silêncio — O preço é um pouco do seu sangue, para trazer a criatura até você. Estou velho demais para continuar perambulando por aí, acho que chegou a hora de passar a bandeira para alguém mais novo, como você. — Sua mão repousou em meu ombro, com certa ternura e tranquilidade, como se fôssemos parentes que se falam há muito tempo.

— Hmm… É uma oferta e tanto, mas não tem nenhum perigo? Eu vou morrer por falta de sangue por acaso? — As dúvidas eram muitas, mas me contive em interrogá-lo, não desejando tornar a noite mais longa do que já estava sendo. — Se isso for realmente me deixar mais forte, creio que posso tentar… O que eu preciso fazer?

Às vezes mais difícil do que ler sem enxergar, o que já é impossível, se tornou o ato de escrever. Pelas instruções de Sticks, tudo que precisaria fazer era assinar meu nome e colocar minhas digitais em um antigo pergaminho que ele, por acaso, possuía. Era inegável que isso soava um pouco suspeito, mas por me conhecer, imaginei que ele realmente pudesse ser alguém do passado, com boas intenções para alguém como eu.

— Certo, com que caneta eu devo assinar? É difícil escrever agora, como deve imaginar. Provavelmente minha letra ficará um pouco torta. — Tentei aliviar o clima para mim mesma, deixando a tensão de lado, mas as surpresas ainda não haviam acabado.

— Não é com uma caneta… Eu lhe disse que há um sacrifício, não é? — Com facilidade, suas mãos capturam minha destra, criando uma fissura na ponta do indicador de forma tão ágil que quase não fui capaz de sentir o corte. — Vamos, eu guiarei sua mão.

Senti o calor de meu próprio sangue vazando pela ponta de meu dedo, conforme ele era pressionado e movimentado para formar os kanji de meu nome, 咲和子 虻崎. Cada dedo foi pressionado contra o indicador, manchando-se com sangue, antes de que a palma toda fosse forçada contra o papel, enfim terminando todo aquele processo. Os cinco selos da técnica me foram ditos então, sendo este o momento em que deveria colocar minha capacidade à prova.

— Kuchiyose no Jutsu! — Vociferei em um sussurro, buscando não acordar ninguém assim tão tarde. Minha manipulação de chakra havia melhorado recentemente, então esperava que tudo ocorresse conforme o planejado, mas por ironia do destino, nem tudo sai como planejado a primeira vez.

— Hmm, talvez isso seja algo pesado demais para você ainda… — Ele disse, com uma voz distorcida, levemente ondulada, como se minha consciência se esvaísse repentinamente, caindo em sono profundo após outra voz ser ouvida reclamando.


O canto dos pássaros chama minha atenção, despertando meu corpo para mais um dia. Por um segundo, pensei no incrível, embora estranho, sonho que havia tido. Se quisesse realmente me fortalecer, talvez precisasse de mais do que um contrato ou coisa do tipo. Com toda agilidade possível para uma deficiente visual, me arrumei e sai de casa com uma fatia de pão entre os dentes, aguardando algum desafio para o dia de hoje.

Alguns sonhos são mais do que realmente sonhos, não é mesmo?