Aroma amargo, um cheiro levemente forte de queimado, mas as notas diversificadas se apresentavam aos poucos. "Tem certeza?", pergunta a voz feminina à minha frente, disposta ao lado oposto do balcão. Os olhos fechados escondiam um pequeno brilho nos olhos opacos, conforme a cabeça parava por alguns segundos, em certa incerteza, antes de assentir positivamente. A mão esquerda tateou o balcão suavemente, até tocar levemente na asa da xícara, onde agarrou firmemente, levantando-a com calma. O corpo se inclinou suavemente para frente, tornando mais fácil para o nariz perceber tudo com clareza.

— Laranja, chocolate e…

Pouco importava o restante, o líquido quente foi levado aos lábios, que se contorceram suavemente graças à temperatura e sabor pouco agradável. A xícara retornou para seu lugar antes que tossisse um pouco, demonstrando desconforto.

— Acho que você tinha razão, algo doce teria sido melhor. Mas obrigada por me deixar experimentar o café.

Já fazia algum tempo desde que havia vindo até a cafeteria sozinha, mas lá estava eu, sentada no balcão, me preparando psicologicamente para o que estava por vir. Já fazia algum tempo desde minha última saída de casa, então era apenas normal que me pedissem para ser mais ativa. Se ao menos minha visão não fosse nula, provavelmente seria mais fácil de fazer as atividades que deveria estar realizando como uma ninja.

— Agradeço por tudo, Nina. Até a próxima, se cuide.

Me levantei do balcão enquanto me despedia, agarrando fortemente a bengala de madeira que me servia como guia, tateando o caminho lentamente. Ouvindo apenas um som proveniente da moça, uma expressão de contentamento ou “graça”, provavelmente caçoando de mim ao pensar “cuide-se você”. Com um sorriso no rosto, o sino da entrada soou ao fechar a porta atrás de mim.


O caminho para o campo de treinamento da academia já se encontrava gravado em meu cérebro, de cór e salteado, graças a tantas visitas e caminhadas ao mesmo local. Antes de perder a visão, era simplesmente seguir por onde fosse mais confortável ir, mas agora, tudo se tornou um pouco mais engessado, já que qualquer imprevisto na rota se tornaria problemático.

Engraçado era sempre chegar ao local indicado já ouvindo o estalar da língua do instrutor Daiki, impaciente com minha clássica lentidão. Poderia já ouvi-lo de longe, tornando, de certa forma, cômico caminhar até ele, sabendo que poderia desacelerar para irritá-lo ainda mais, mas temendo as possíveis represálias. Estacionada diante do homem, levei a destra até a testa, realizando uma clássica saudação militar, zombando um pouco da seriedade da situação para aliviar o clima.

Já ciente do que me aguardava, algumas poucas palavras foram trocadas com o homem, antes que fosse levada para uma sala especial, com paredes acolchoadas e tatamis levemente macios. Com os pés descalços, era possível sentir bem a textura do piso, quase podendo distinguir cada fibra da palha. A bengala foi enfim deixada de lado, conforme os exercícios me eram apresentados um por um.

Primeiro deveria correr de um lado ao outro da sala, então comecei por me aquecer com leves saltos, pulando no lugar para despertar bem os músculos, antes de fazer um rápido alongamento e respirar fundo. Correr é perigoso em ambientes movimentados ou desconhecidos, mas o relevo do tatami me orientava constantemente para que direção me encaminhar e as paredes macias impediram qualquer impacto danoso. Sem receio algum, comecei a correr o mais rápido possível, inspirando pelo nariz e expirando calmamente pela boca, impulsionando o máximo possível para ganhar velocidade. Após um tempo, você acaba se acostumando a correr sem as mãos para frente, se tornando capaz de perceber onde é o limite do cômodo e parando antes de bater — para mim, foram necessários alguns meses dando de cara na parede para aprender.

Tempo vem, tempo vai, até que um apito é soprado, indicando a hora de parar. O calor era perceptível a qualquer um, notando-se o suor que parecia escorrer de minha pele, indicando que estava realmente me esforçando ao máximo. Com a pior parte tirada do caminho, restavam apenas alguns exercícios simples de resistência, que seriam realizados até que Daiki estivesse satisfeito — geralmente após uma ou duas falhas, quando ele percebia que era inútil continuar. Assim o dia seguiu, com sequências prolongadas e estressantes de flexões, abdominais, polichinelos e agachamentos.

— Eu realmente… preciso começar a me movimentar mais.

Talvez passar o dia em casa, tomando chá e sentada imóvel estivesse drenando minha resistência, mas estava feliz em impor a mim mesma a necessidade de mudar isso a partir de agora, começando com um passeio diário pelo vilarejo. Após essa longa sessão de tortura física, o caminho para casa se tornou mais lento, além de cansativo, do que o normal.

Talvez fosse meu dia de sorte, embora pudesse também ser azar. Um pergaminho foi entregue à residência Abusaki pela manhã, fazendo com que as criadas possuíssem uma desculpa para me retirar da cama ainda cedo. Hibiki parecia estar disposta a me deixar descansar após os treinamentos pesados que havia feito recentemente, mas a vila da pedra tinha outros planos.

Sim, senhorita. Uma missão. — Confirmou a serpente, encarando o conteúdo do pergaminho aberto diante dela com os próprios olhos. — Mas que saco, só queria descansar… — Resmunguei, rabugenta pelo cansaço, penteando o cabelo.

Saí de casa o mais depressa possível, crente que poderia cumprir meu objetivo rapidamente e então retornar para a cama  quanto antes. Talvez minha sorte fosse a de não precisar encarar diretamente a imundice daquele lugar, mas Hibiki seria meus olhos durante a função de organizar e limpar o que fosse possível da academia ninja.

Aparentemente, os pequenos ninjas em formação estavam de férias, então os ambientes escolares não estavam sendo utilizados. — Que ótimo. — Ironizei, confiando nas indicações da serpente ao mover desajeitadamente a vassoura para lá e para cá, no intuito de varrer a poeira da sala de aula. O lado bom é não estar sozinha, de certa forma, pois havia outros ninjas cuidando de outras áreas, então poderia focar apenas naquela sala por enquanto.

Além de varrer o chão, tive de passar pano nas janelas, remover o excesso de giz dos apagadores, endireitar as cadeiras e remover chicletes grudados embaixo das cadeiras. Esse tipo de ambiente só me fazia ter a certeza de que os jovens de hoje em dia são umas pestes. Com tudo finalizado, rumei para casa a fim de ter meu merecido descanso.

Com os pés por definitivo de volta à minha residência, fui recebida por uma das criadas de forma inesperada. — Outra? — Indaguei, após a notícia de que outro pergaminho havia sido entregue em minha ausência. Hibiki sequer precisou ler seu conteúdo, pois a própria mulher o fez, explicando a tarefa simples, porém cansativa para mim. Assim como havia acabado de passar pela porta para entrar, dei meia volta e passei para o lado de fora outra vez, seguindo em direção à periferia.

O pior que poderia acontecer ali seria alguma manobra obscura da resistência, talvez no máximo um simples assalto, alguma tentativa vergonhosa de algum desocupado conseguir seus cinco minutos de fama ou qualquer coisa parecida. Já estava cansada e careca de saber como o vilarejo estava em paz ultimamente, talvez o único problema fosse, de fato, o mandato do Tsuchikage anterior, que já havia acabado.

Caminhei tranquilamente pelas ruas, permitindo que Hibiki sentisse os odores presentes por toda a região, buscando qualquer coisa fora do comum, como sangue, explosivos, químicos ou qualquer coisa parecida. — Nada. — Foi o que ela farejou. — Nada? — Indaguei, recebendo uma afirmação logo em seguida. — Sim. Nada, senhorita. — Ela insistiu.

Aparentemente havia apenas perdido meu tempo ali, mas ao menos receberia por essa pataquada. — Que piada de mal gosto mandar uma cega para fazer uma patrulha, fala sério. — Reclamei aos ventos, iniciando meu caminho de volta para casa em seguida.

O vilarejo da pedra havia finalmente descoberto o potencial que possuía em meu âmago, infelizmente isso começou a me irritar quando todas as missões que recebi durante a semana eram do nível mais baixo possível. — Onde estão as missões mais difíceis? — Resmunguei para as paredes de meu quarto, caminhando em círculos pelo mesmo, irritada. — Provavelmente seu sensei está ocupado e não pode levá-la em missões mais importantes no momento, senhorita. — Disse a serpente, buscando uma justificativa plausível para aquilo. — Ah, não interessa… Vamos fazer o que estão nos pedindo e esperar que eventualmente percebam minha capacidade, certo Hibiki? — Vesti uma roupa adequada para a ocasião e deixei minha residência.

Talvez não fosse de me gabar, mas já havia ajudado muito nas plantações de casa, então uma plantação diferente só diferiria em tamanho e esforço, ao menos é o que esperava.

Com Hibiki como meus olhos, arar a terra e plantar algumas sementes se tornou uma tarefa relativamente tranquila. Pelo que a cobra me disse, poucos eram os agricultores dispostos a trabalhar naquele calor, algo que honestamente senti admiração. Lavrar sob um sol tão escaldante era para poucos, mas lá estava eu, com nada mais que uma garrafa de água, um chapéu de palha bem grande e muita raiva.

Haviam alguns poucos dispostos a regar as plantações, então fui até os campos em época de colheita. Talvez não fosse muito, mas havia variedade ao menos, com soja, milho, café e arroz, provavelmente a vila não passaria fome por um tempo razoável. Hibiki me ajudou a localizar os itens de melhor qualidade por meio de seu olfato, o que reduziu bastante o tempo de trabalho e garantiu melhores resultados do que teria sozinha. — Isso aqui é mais difícil que ser ninja…

Gritos, lágrimas e pesar. A senhora caída ao chão se desatou a chorar, fazendo uma cena relativamente constrangedora. Talvez fosse um exagero, mas no fundo, bem lá no fundo mesmo, também seria capaz de imaginar a dor de se separar de um animal querido que se considera membro da família. Esse era o objetivo da missão de hoje, a propósito, encontrar o dito animal. — A senhora possui algum item que ele interagia bastante? Sabe me dizer para onde acha que ele iria? — Fiz as perguntas mais simples de início, esperando que ela cessasse o berreiro e me entregasse as informações necessárias para a investigação.

Uma coleira foi tudo que ela possuía, além da localização de um parque que costumava passear com o felino. Talvez Hibiki não fosse muito fã de buscar um gato, mas ela me ajudaria nessa tarefa por muito amor à minha pessoa. Com a coleira em mãos, bastou que a serpente farejasse o odor do animal e me guiasse até o mesmo pelas ruas.

Ao que parecia, em uma viela escura e silenciosa, um pequeno gatuno fazia a festa em uma das latas de lixo, comendo restos de peixe e outras guloseimas. — Ahá, seu safado! Agora você vem comigo… — Disse ao animal enquanto o capturava pelo pescoço, puxando-o pela pele como suas mães costumam fazer durante a infância. — Quem diria… funciona mesmo. — Ficaria até mesmo surpresa com a facilidade em pegá-lo, mas depois seria fácil notar que o pequeno gato era apenas um filhote. Sem muita demora, retornei até o salão de missões para entregar o bichano.

A comida já está pronta, mas eu preciso sair logo. Você dá conta mesmo? — Perguntou a filha, preocupada com sua mãe já idosa. — Não se preocupe, pode deixar comigo. — Lhe respondi, confiante em minhas capacidades, permitindo que ela fosse embora pela porta em direção ao trabalho. Resumidamente, a missão da vez seria a de cuidar de uma senhorinha, algo relativamente simples. Provavelmente o mais difícil seria alimentar a mulher sem derrubar a comida, mas nisso eu daria um jeito eventualmente.

Havia uma pequena lista de afazeres por realizar, então tratei de começar com o que estava mais próximo. Fui até a cozinha e lavei a louça disposta na pia, aproveitando bem o tempo para fazer tudo com cuidado para não quebrar nada. Servi um prato para que a senhora Jinko pudesse almoçar e comecei a lhe alimentar com cuidado para que não houvesse nenhum acidente. Hibiki foi muito prestativa por se enrolar em meu braço para conduzir a colher em minha mão com facilidade até a boca da mulher.

Com o almoço finalizado, deixei a louça sobre a pia e a ajudei a se deitar em sua cama para descansar, aproveitando a ausência de outras pessoas para varrer e passar um pano no chão, além de recolher as roupas secas do varal e as dobrar sobre a mesa. Me senti em apenas mais um dia de tarefas domésticas, igual a como costumavam me cobrar em casa, então foi um dia relativamente tranquilo de se levar até que a contratante retornasse.