O período em que frequentei psiquiatras foi um dos mais sombrios e introspectivos da minha vida. Cada visita semanal era uma batalha interna, um confronto entre o meu desejo de entendimento e a profunda vergonha que sentia por meu ato impensado. Aos seis anos, na ingenuidade da infância, acreditava que arrancar meu próprio olho direito me traria sabedoria e poder, como na lenda do deus que sacrificou seu olho. No entanto, a realidade era muito mais cruel e menos poética. O resultado foi uma perda permanente que trouxe dor física e emocional, além de um estigma que me acompanharia pelo resto da vida.

— Como você se sente hoje, Ruri? — perguntava o psiquiatra, toda vez que me encontrava. Eu sabia que essa era a maneira deles de tentar me abrir, de tentar entender minha mente confusa e atribulada.

“Como você acha que eu me sinto?” era o que sempre pensava, mas respondia com um educado e forçado sorriso, dizendo:

— Estou bem, doutor.

Ele sempre anotava algo em seu caderno, e eu me perguntava o que aquelas anotações significavam. "Será que ele realmente entende o que se passa aqui dentro?", pensava. Os psiquiatras, por mais que tentassem, nunca poderiam realmente compreender a profundidade do meu arrependimento e a constante luta que travava comigo mesma. As sessões eram uma mescla de perguntas repetitivas e exercícios de reflexão que, embora bem-intencionados, muitas vezes me deixavam mais perdida do que esclarecida. Com o tempo, percebi que o que havia feito era algo incomum e profundamente errado. Não havia deuses para atender meu sacrifício, e a sabedoria que eu tanto almejava não viria com a dor auto-infligida. Em vez disso, fiquei cega de um olho e com uma cicatriz que me lembrava diariamente do meu erro.

Adaptar-me à vida com apenas um olho foi um desafio colossal. A profundidade, algo que antes eu nunca tinha realmente valorizado, tornou-se um constante lembrete de minha nova limitação. Caminhar pelas ruas de Konoha se tornou uma experiência repleta de incertezas e tropeços. As sombras e os contornos eram diferentes, e objetos antes familiares agora pareciam ameaçadores e desconhecidos. “Como vou ser uma ninja agora?” era uma pergunta que me assombrava constantemente. Precisava treinar meu corpo e minha mente para compensar a visão reduzida, e isso exigia uma determinação que eu não sabia se possuía. Cada dia era uma luta para me adaptar, para aprender a confiar mais nos meus outros sentidos e menos na visão prejudicada.

Os primeiros treinamentos foram desastrosos. Durante os exercícios de lançamento de shurikens, minha precisão estava completamente fora de sintonia. Shurikens e kunais voavam para direções erradas, algumas vezes quase atingindo meus colegas de treino. Lembrava-me vividamente da expressão no rosto deles — uma mescla de pena e medo.

— Ruri, você precisa se concentrar mais! — gritava o sensei, exasperado.

“Eu estou tentando”, pensava, com raiva de mim mesma e da minha situação. Mas, ao invés de me abater, usei essa frustração como combustível para me esforçar ainda mais. O treinamento físico também era um desafio. Com um campo de visão reduzido, tinha dificuldade em manter o equilíbrio durante os exercícios de combate corporal. Lembro-me de inúmeras quedas dolorosas e hematomas adquiridos durante essas sessões. Cada golpe perdido, cada queda, eram lembretes implacáveis de minha limitação. Havia um exercício específico que me torturava: caminhar em troncos de árvores. A profundidade e a percepção de distância eram cruciais, e eu tropeçava mais vezes do que conseguia contar. Mas, com o tempo, comecei a desenvolver um novo método de equilíbrio, usando a sensação do vento e a audição para orientar meus passos.

— Você está melhorando, Ruri — disse meu sensei, certo dia, após finalmente conseguir atravessar um tronco sem cair.

“Não é o suficiente”, pensava, ciente de que minha jornada estava apenas começando.

Além das habilidades físicas, tive que aprimorar meu controle de chakra para compensar a visão perdida. Subir árvores e andar na água se tornaram práticas diárias, não apenas para melhorar meu controle de chakra, mas também para desenvolver uma maior confiança em minhas capacidades. A noite, no silêncio do meu quarto, muitas vezes refletia sobre o que havia aprendido durante o dia. “Cada dia é uma nova chance de melhorar”, repetia para mim mesma, um mantra que me ajudava a continuar.

As sessões com os psiquiatras, embora ainda desconfortáveis, começaram a ter um efeito positivo. Eles me ajudaram a canalizar minha frustração e dor em determinação e foco. Comecei a entender que meu verdadeiro poder não viria de um sacrifício insensato, mas do trabalho árduo e da perseverança.

— Você está progredindo, Ruri — comentou o doutor, com um raro sorriso. — Continue assim.

Essas palavras, por mais simples que fossem, me deram um impulso. “Eu posso fazer isso”, pensei. E assim, continuei a me empenhar, treinando incessantemente, adaptando-me e superando minhas limitações. Com o tempo, meus colegas de treino começaram a notar a diferença. Minhas habilidades estavam melhorando, e minha determinação era evidente. Havia dias em que ainda falhava, claro, mas ao invés de me abater, usava essas falhas como lições valiosas. O maior teste veio durante um treino de combate real. Enfrentar um oponente com apenas um olho funcional exigia uma combinação de estratégia, velocidade e precisão. Durante a luta, percebi que meu adversário explorava meu ponto cego, tentando me desestabilizar.

“Não posso deixar isso acontecer”, pensei, canalizando todo o meu foco e energia. Usei uma kunai para aparar golpes e contra-atacar com precisão calculada. O combate foi intenso, mas consegui sair vitoriosa.

— Excelente trabalho, Ruri! — elogiou meu sensei, visivelmente impressionado.

A partir daquele momento, percebi que minha limitação não me definia. Eu era mais do que a soma de minhas partes, mais do que o meu olho perdido. Era uma shinobi de Konoha, determinada a proteger minha vila e aqueles que amo. O caminho foi longo e árduo, mas cada desafio superado me tornou mais forte. As sessões com os psiquiatras, embora dolorosas, me ajudaram a entender e aceitar minha condição, a canalizar minhas emoções de maneira construtiva. E, com o tempo, aprendi a ver minha cicatriz não como um símbolo de fracasso, mas como um lembrete constante de minha força e resiliência.

Agora, ao olhar para trás, vejo aquele período como uma fase crucial de meu crescimento. Não foi fácil, mas foi necessário. E, com cada passo que dei, com cada desafio que superei, me tornei a pessoa e a ninja que sou hoje. Minha jornada ainda está longe de terminar, mas estou pronta para enfrentar o que vier, com um olho no futuro e o outro focado no presente.

Considerações: