Eu me lembro claramente do dia em que recebi minha primeira espada no templo. Tinha ido até lá para mais uma das lições espirituais com o monge Dlashin, o respeitado chefe do lugar. Era uma tarde tranquila e, enquanto caminhava pelo pátio, me deparei com o monge Joren, um dos mais antigos do templo. Sua presença sempre me trouxe uma sensação de paz e sabedoria, algo que eu tanto buscava.

Eu frequentava o templo há meses, em busca de algo que eu não conseguia definir completamente. Sentia um vazio, uma dor constante que me consumia por dentro, e os ensinamentos de Dlashin eram como um bálsamo para minha alma ferida. Naquele dia, porém, foi Joren quem se aproximou de mim, segurando uma espada simples, mas elegantemente trabalhada.

― Tousen - disse ele, sua voz grave e suave ao mesmo tempo ― Gostaria de te presentear com esta espada.

Fiquei surpreso e um pouco confuso. Nunca imaginei que alguém como eu, em busca de purificação e compreensão, precisaria de uma arma. Mas Joren, percebendo minha hesitação, continuou.

― Não é apenas uma arma, mas um caminho para a prática e a purificação da alma. Ao aceitar e dominar a espada, você poderá transformar sua dor em força e compaixão.

Aceitei a espada com reverência, sentindo o peso dela em minhas mãos, uma mistura de responsabilidade e potencial. A lâmina brilhava sob a luz suave do templo, refletindo minha determinação recém-descoberta. Joren me observou com um olhar tranquilo, mas cheio de expectativa.

― Os quatro pilares da purificação que transcende do físico ao espiritual é "Shitagi" (四体清). Esta expressão combina "shi" (quatro), "tai" (corpo, físico) e "ki" (purificação, limpeza espiritual) - ele me explicou ― Se aceitar, irei lhe conduzir. A espada é o primeiro caminho do Shitagi, Yūki, que significa: Coragem - ele complementou.


Nos primeiros dias, os treinamentos eram intensos e exigiam uma concentração que eu nunca havia experimentado antes. Joren começava cada sessão com uma meditação, ensinando-me a acalmar a mente e a focar na respiração. Aprendi a esvaziar meus pensamentos, permitindo que a tranquilidade tomasse conta de mim. Somente então, com a mente clara, ele me entregava a espada.

Os movimentos iniciais eram simples, mas carregados de significado. Joren me mostrava como segurar a espada corretamente, a postura que eu deveria adotar e os movimentos básicos. Cada golpe, cada corte era executado lentamente, com precisão. ― Sinta a espada como uma extensão do seu corpo - ele dizia. ― Deixe sua energia fluir através dela.

Com o tempo, os movimentos tornaram-se mais complexos. Joren me ensinava sequências de golpes e paradas, enfatizando a importância da fluidez e do equilíbrio. Cada sessão era uma dança silenciosa, onde a espada se movia como se fosse parte de uma coreografia cuidadosamente ensaiada. Aos poucos, comecei a perceber que a prática não era apenas física, mas também emocional e espiritual. A cada movimento, eu liberava um pouco mais da dor que carregava, transformando-a.

Nos momentos de dificuldade, quando eu sentia que não conseguiria continuar, Joren estava sempre lá para me guiar. Ele compartilhava histórias de grandes guerreiros e mestres que também enfrentaram desafios, mostrando que a persistência era a chave para o verdadeiro domínio. ― A espada não é apenas para a batalha externa - ele me lembrava. ― É um instrumento para a batalha interna, para superar seus próprios demônios.

A prática diária trouxe uma nova disciplina à minha vida. Acordava cedo, com o nascer do sol, e começava o dia com meditação e exercícios físicos para fortalecer meu corpo. Depois, passava horas treinando com a espada, aperfeiçoando cada movimento, buscando a perfeição. No início, meus braços doíam e meu corpo protestava contra o esforço, mas com o tempo, a dor física se tornou uma companheira familiar, uma prova do meu progresso.

Com o passar das semanas, comecei a notar mudanças significativas. Minha mente estava mais clara, minha concentração melhorava a cada dia. A raiva e a tristeza que antes me consumiam começaram a se dissipar, substituídas por uma sensação de paz e propósito. Eu aprendi a canalizar minhas emoções através da espada, transformando a dor em força e a compaixão em uma nova forma de poder.

― Você está começando a entender - ele me disse um dia, após uma sessão particularmente intensa. ― A verdadeira força vem de dentro. Continue assim, e encontrará a paz que busca.

E assim, dia após dia, eu continuava a treinar. Cada golpe, cada movimento era um passo em direção à minha purificação. A espada, que antes parecia apenas uma arma, agora era um símbolo de minha jornada pessoal, um caminho para a redenção e a autocompreensão. Eu estava determinado a seguir em frente, sabendo que, com o tempo e a prática, alcançaria a verdadeira maestria e a paz interior que tanto desejava.

Eu estava pronto para começar o segundo caminho do Shitagi com o monge Joren. Ele me conduziu até o pátio tranquilo do templo, onde a luz suave da manhã filtrava entre as folhas das árvores. Diante de nós, eu segurava minha espada com as duas mãos, sentindo o peso familiar da lâmina enquanto Joren observava com seu olhar sereno e experiente.

― Este é o segundo caminho do Shitagi, Nintai, que significa: Paciência - disse ele, pronunciando as palavras com calma. ― Significa mais do que simplesmente esperar. É a arte de persistir com determinação e equilíbrio, independentemente das circunstâncias.

Com essas palavras, começamos. Joren guiou meus movimentos, corrigindo minha postura, ajustando a maneira como segurava a espada. Cada movimento era lento e deliberado, exigindo concentração absoluta. A espada se tornava uma extensão natural de mim, enquanto eu aprendia a coordenar o movimento das duas mãos com precisão.

― Encontre o ritmo - Joren instruiu suavemente. ― Deixe que sua mente e seu corpo se fundam como um único fluxo de energia.


Com o passar dos dias, mergulhamos mais fundo na prática da Nintai. Eu aprendi a controlar cada movimento, a sentir a tensão e a liberação nos músculos de meus braços e ombros. Cada sessão era uma lição de resistência e persistência, tanto física quanto mentalmente. Numa manhã fresca e serena, Joren conduziu-me até o centro do dojo, onde preparou um exercício peculiar. Ele amarrou meu braço direito firmemente ao lado do corpo, deixando-me apenas com a mão esquerda livre para segurar a espada.

― Tousen, hoje vamos explorar um aspecto crucial da Nintai - explicou ele com sua voz tranquila. ― Replicar os movimentos que você dominou com as duas mãos, agora apenas com uma, com a qual não possui afinidade. Isso requer não apenas paciência, mas também uma nova compreensão do equilíbrio e da coordenação.

Concentrei-me, inspirando profundamente enquanto ajustava minha postura. Segurei a espada com firmeza, sentindo a diferença imediata na distribuição de peso e na amplitude dos movimentos. Cada golpe, cada defesa exigia um ajuste preciso, uma adaptação contínua para compensar a falta de apoio do meu braço direito.

Joren observava atentamente, ocasionalmente oferecendo orientações sutis para corrigir meu ângulo de ataque ou a posição da minha guarda. ― Lembre-se, Tousen… - ele incentivou ― ... a verdadeira paciência não é apenas esperar, mas persistir com diligência mesmo quando enfrenta obstáculos.

Dediquei-me aos exercícios propostos, repetindo os movimentos meticulosamente aprendidos, com a mão esquerda. A princípio, foi desafiador e desconfortável, mas à medida que me acostumava com a nova dinâmica, comecei a encontrar um novo ritmo e fluidez. Ao longo das semanas seguintes, essa prática intensiva não apenas fortaleceu minha destreza física, mas também aprofundou minha compreensão da Nintai como um princípio de vida. Aprendi a adaptar-me às circunstâncias, a encontrar soluções criativas para os desafios e a cultivar uma paciência resiliente que transcendia os limites físicos do meu corpo.


Eu estava diante de Joren no centro do dojo, o sol da manhã lançando uma luz suave sobre o tatame. Meu braço direito estava firmemente amarrado ao lado do corpo, deixando-me apenas com a mão esquerda livre para segurar a espada. Era hora do desafio que Joren havia preparado para testar meu progresso na Nintai.

― Você está pronto, Tousen? - Joren perguntou com serenidade, segurando sua própria espada com uma postura relaxada, mas alerta.

― Sim! - respondi, minha voz calma refletindo a concentração que eu sentia. Segurei a espada com firmeza na mão esquerda, ajustando minha postura para compensar a falta de equilíbrio que vinha com a ausência do meu braço direito.

O combate começou com movimentos cautelosos, cada um de nós avaliando o outro. Joren atacava com uma combinação de golpes rápidos e precisos, testando minha capacidade de defesa e resposta. Eu me movia com cuidado, bloqueando seus ataques com a espada e buscando oportunidades para contra-atacar. A falta de uso do meu braço direito era desafiadora, limitando minha amplitude de movimento e a força que eu podia aplicar nos golpes. No entanto, eu me concentrei em usar a mão esquerda com eficiência, aplicando os princípios de equilíbrio e precisão que Joren havia me ensinado.

Conforme o combate progredia, comecei a encontrar meu ritmo. Adaptei minha técnica, fazendo movimentos mais curtos e controlados, aproveitando a agilidade e a velocidade proporcionadas pela mão esquerda. A paciência que desenvolvi durante os treinos me ajudou a esperar o momento certo para cada movimento. Joren, por sua vez, continuava a me desafiar, variando sua estratégia e intensificando a velocidade dos ataques. Eu me mantinha firme, concentrado em cada troca de golpes, buscando maneiras de surpreendê-lo.

À medida que o combate se aproximava do seu ápice, uma oportunidade finalmente se apresentou. Com um movimento rápido e decisivo, consegui libertar-me das amarras com um dos golpes de Joren e contra-atacar com um movimento ensaiado muitas vezes. A espada cortou o ar com precisão, encontrando seu alvo imaginário à frente de Joren. Ele reconheceu o golpe, e com um leve sorriso, ergueu a mão em sinal de parada.

― Você conseguiu. - disse ele, sua voz cheia de orgulho. ― Este é o verdadeiro domínio da Nintai.

Eu abaixei minha espada, sentindo uma mistura de exaustão e triunfo. O desafio não foi apenas uma prova de minhas habilidades marciais, mas também um teste de minha resiliência e capacidade de superação.

Em outro dia, após o combate, Joren me conduziu para um local mais reservado do dojo, onde a luz do sol penetrava suavemente pelas janelas de papel. Ele me pediu para sentar, e eu obedeci, sentindo a quietude do ambiente.

― Tousen - começou Joren, sua voz calma e cheia de sabedoria ― Você demonstrou grande habilidade e paciência ao dominar a Nintai. Agora, é hora de avançarmos para o terceiro caminho do Shitagi: Chie.

Eu o olhei com atenção, ansioso para saber o que vinha a seguir.

― A sabedoria que buscamos não é apenas intelectual - continuou ele. ― É a capacidade de entender e aplicar o conhecimento em situações práticas, especialmente em combate. Para isso, você deve aprender uma nova forma de usar a espada em conjunto com selos manuais para realizar jutsus. Mas há um desafio: você terá que reaprender os selos manuais, utilizando uma única mão.

― Uma única mão? - perguntei, intrigado. ― Eu nem sabia que isso era possível!

― Sim - ele confirmou. ― Tanto a mão esquerda quanto a direita. Cada selo, cada gesto que você aprendeu antes, agora precisa ser dominado com uma única mão. Isso exigirá um novo nível de destreza e compreensão.

Ele me deu um pequeno sorriso antes de se levantar e me mostrar uma série de selos manuais, executando-os com precisão apenas com a mão direita. Depois, repetiu o processo com a mão esquerda, cada movimento fluindo de forma suave e natural. Após cada sequência de selos, uma técnica elemental era emanada, demonstrando que aquele feito era possível.

― Começaremos do básico - disse ele ― para que você possa desenvolver a habilidade de realizar os selos manuais com ambas as mãos, individualmente. Essa prática não só aumentará sua capacidade de realizar jutsus em combate, mas também aprofundará sua sabedoria, pois exige uma compreensão completa de cada movimento e de sua finalidade.

O treinamento começou com a repetição exaustiva dos selos mais simples. Cada dia, eu me dedicava a uma mão de cada vez, repetindo os selos até que se tornassem uma "segunda natureza". Joren estava sempre ao meu lado, corrigindo pequenos erros, ajustando a posição dos dedos e compartilhando sua filosofia.

― A sabedoria não é adquirida apenas pelo conhecimento - ele dizia enquanto eu praticava. ― É pela aplicação prática e a reflexão sobre a experiência. Quando você compreende a essência de um selo, a energia que ele canaliza, você transcende o simples ato físico e se aproxima do verdadeiro entendimento.

Apesar de ser um ninja experiente, a frustração frequentemente voltava à tona, acompanhada por questionamentos incessantes: ― Por que estou passando por isso de novo? Selos manuais eu já aprendi na academia ninja. Por que tenho que revisitar isso? Um ninja habilidoso como eu, treinando o básico, não faz sentido.. No entanto, parecia que Joren lia minha mente. De alguma forma, ele sempre surgia no momento certo e respondia minhas perguntas não ditas, oferecendo respostas que me guiavam à sabedoria de compreender os motivos.

Um dia, enquanto eu praticava os selos manuais com a mão esquerda, minhas frustrações estavam particularmente intensas. Eu mal conseguia concentrar-me, e meus movimentos eram desajeitados. Como de costume, Joren apareceu silenciosamente ao meu lado, sua voz suave quebrando o silêncio do dojo.

― Vejo a turbulência em seu espírito. Você se pergunta por que deve revisitar o básico, não é?

Assenti, sentindo uma mistura de alívio e curiosidade.

― Os selos manuais não são apenas movimentos - ele continuou. ― Eles são uma linguagem, uma forma de conexão profunda entre mente, corpo e energia espiritual. Quando você os pratica com uma única mão, está não apenas fortalecendo sua destreza, mas também desenvolvendo uma nova compreensão de equilíbrio e controle. A sabedoria verdadeira vem da capacidade de revisitar o básico com um novo olhar, de encontrar profundidade onde antes havia apenas superfície.

Eu respirei fundo, tentando absorver suas palavras. Joren tinha uma habilidade incrível de transformar minha frustração em curiosidade e motivação. Sob sua orientação, comecei a ver os selos manuais sob uma nova perspectiva. Cada movimento, por mais simples que fosse, tinha um propósito e uma essência que eu precisava compreender.

― Quando você questiona o processo, lembre-se de que a sabedoria não está apenas no conhecimento que você já possui, mas na disposição de aprender e reaprender com humildade

Essas palavras se tornaram um mantra para mim. Sempre que a frustração ameaçava me dominar, eu me lembrava da sabedoria de Joren. Ele não estava apenas me ensinando a usar selos manuais com uma única mão; ele estava me ensinando a ser paciente, a aceitar minhas limitações e a enxergar além do óbvio.

Gradualmente, comecei a apreciar a beleza e a complexidade dos selos manuais. Cada sessão de treino se transformava em uma meditação em movimento, onde eu explorava a conexão entre meu corpo e minha energia espiritual. Sob a orientação de Joren, o terceiro caminho do Shitagi, Chie, revelava-se como uma jornada profunda de autoconhecimento e sabedoria.