Ethan Hattori

Mesmo não tendo se recuperado totalmente dos danos sofridos na última missão, Ethan não deixou os deveres como professor de lado. Naquela manhã, sair da cama não foi fácil; preparar algo para comer também não. Mas diante de tantos empecilhos, ele fez o impossível para estar ali, na academia ninja. Talvez tivesse passado por cima de ordens médicas que indicavam repouso, porém, não se importava consigo mesmo o bastante para se importar com algo tão fútil quanto sua saúde.

Sem sombra de dúvidas, as primeiras aulas do dia foram as piores. Conforme Ethan forçava a voz, tentando se fazer audível, seu corpo estremecia. Em alguns momentos, tossia sangue; em outros, perdia o equilíbrio, a vista ficava embaçada e ameaçava uma queda. Muitos dos pequenos estranharam o comportamento, chegando até mesmo questioná-lo sobre, mas em todas às vezes um riso de nervoso acompanhava a desculpa de que não havia dormido muito bem na última noite. Sem outras opções, e também sem a malícia necessária para detectar as mentiras descaradas, boa parte das crianças acreditava no que o “Tio Ethan” dizia.

Quando o turno da manhã enfim havia chegado ao fim, Ethan não conseguia nem ao menos ficar de pé. Por conta disso, ao invés de permanecer na sala destinada ao descanso dos professores, ele pegou uma chave com o zelador e buscou refúgio no telhado. Deitado sobre o chão duro de concreto, encarava fixamente o céu, encantado com o formato das nuvens. Também aproveitava os ventos frios de outono que o alcançavam.

— Quem nesse mundo, em sã consciência, poderia adivinhar que chegaria o dia em que não precisaria mais te arrastar para “escola”? — De súbito, uma voz familiar pôde ser ouvida no telhado. Era Isshin Ashina, a pessoa que tirou Ethan das ruas e fez dele um ninja, trava-se do homem que o Hattori mais respeitava em todo o mundo.

— Nossa! Como você conseguiu ficar mais velho do que já era? — Rindo de alegria, Ethan brincou. Então, ele se levantou e mirou o olhar na direção da porta. De onde estava, tinha um vislumbre claro da silhueta robusta do outro. “Ele não mudou nada”, Ethan pensou consigo mesmo. Tinha o mesmo Kimono azul sobre o uniforme comum aos ninjas de Iwagakure. Sua pele continuava com os mesmos tons cadavéricos, algo incomum para alguém que vivia em um país infernal como aquele, mas que combinava perfeitamente com o brilho dourado que a lâmina em seu quadril reluzia quando desembainhada. Os cabelos, amarrados em um coque, continuavam mal tingidos de preto, assim como seu cavanhaque volumoso.

— Que honra, o grandessíssimo Ethan Hattori se lembra de um pobre velho como eu. De verdade, estou tocado — pagando na mesma moeda, o velho ironizou a recente fama adquirida pelo menor. Embora Ethan detestasse o fato, não poderia negar que agora era uma espécie de celebridade em Iwagakure.

— Não enche — virou o rosto em uma careta cômica, contraindo a face. — Como o “senhorzinho” deve saber, esses boatos não condizem com a realidade. Eu? Um herói? Uma pessoa honrada? Digno de admiração? — gargalhou, sentindo uma pontada nas costelas. Embora seu humor tivesse melhorado, continuava um caco.

— Verdadeiros ou não, você deveria ficar feliz. Alguns lutam a vida toda em busca de prestígio, e garanto que muitos não vivem o bastante para ter uma fração do que você esbanja. — Antes de continuar, fez uma pausa, corrigindo os fios rebeldes com a destra. — Enfim, apesar da minha vontade de rir da sua cara, grandessíssimo Ethan, vim aqui sobre outros pretextos. Recentemente, a inteligência da vila descobriu a localização de uma série de esconderijos da resistência. Você precisava ver, havia tantos homens guardando estes fortes que quase não conseguimos conquistá-los, sem contar nas baixas do nosso lado. O cerco, no entanto, provou-se frutífero no décimo dia, quando os rebeldes foram forçados a se renderem. Pelo empenho deles, imaginamos que a chave para acabar com a guerra estava ali. Porém, no fim, tudo o que conseguimos recuperar foram alguns baús cheios de livros. Sim, sei que não faz sentido, mas é a mais pura verdade.

— Deixa eu adivinhar: você acha que tem algum tipo de código neles e quer que eu dê uma olhada? — Ethan cortou a explicação, desanimado com as conclusões obtidas.

— Exato, professor. Ainda continuo te achando um cabeça-dura, mas se tem alguém que consegue isso, é você. O que me diz?

— Tá, tá... que seja. Procura o zelador e fala que os baús são para mim, ele vai te dar a chave do porão. — Após isso, Ethan ouviu as vozes dos alunos dentro da sala de aula, percebendo que já estava atrasado. — Agora o dever me chama — Antes de se levantar novamente, voltou a tossir sangue. — Não precisa se preocupar, isso não é nada.

Independentemente das dores, no restante do dia, Ethan ministrou suas aulas conforme o planejado. Houve momentos em que pensou que não conseguiria, porém, as mentiras se mantiveram mais afiadas do que nunca, e ninguém conseguiu perceber de fato o quão acabado ele estava. No final do expediente, por outro lado, não fez mais questão de esconder seu estado crítico, arrastando-se pelas paredes dos corredores até chegar no porão da academia ninja. Lá, cinco baús estavam à sua espera, ambos adjacentes a uma antiguidade que Ethan não se atreveria a chamar de mesa.

Na primeira noite, o objetivo do Hattori foi se inteirar, buscava entender o que tinha em mãos. Dentro das caixas de madeira, como Isshin havia alertado, jaziam apenas livros e pergaminhos igualmente decrépitos. Pelo que pôde perceber, eles não aparentavam ter nada de especial; na verdade, alguns se pareciam com exemplares que podiam ser encontrados facilmente na biblioteca do vilarejo. No entanto, Ethan não se deixou influenciar por primeiras impressões errôneas e formulou um método de organização, separando os exemplares por categoria.

Primeiro, os baús foram esvaziados e limpos. Não havia nenhum fundo falso neles. Depois, cada livro e pergaminho foi separado conforme o assunto que abordavam. O primeiro baú, majoritariamente, abrigava mapas e semelhantes; o segundo era focado em armazenar livros de histórias no geral; o terceiro ficou com as histórias que referenciavam clãs; o quarto e o quinto continham informações sobre particularidades especiais que desafiavam a compreensão do Jounin.

Nos dias seguintes, Ethan seguiu com sua vida normalmente, lecionando para os alunos da academia durante o dia. Já durante a noite, geralmente até as 1 da manhã, ele dedicava sua atenção para tentar encontrar alguma espécie de código nos achados, um detalhe que nenhum outro era capaz de encontrar. Até terminar de averiguar cada um deles e concluir que não havia nenhum detalhe oculto, aquilo foi tudo o que se propôs a fazer com seu tempo livre.