Nunca vão se recuperar disso. A constatação levaria minha mão à boca, em choque, sem perceber. Do barco, seria possível visualizar o cenário arrebatado: uma aldeia pequena e remota em uma ilhota menor do arquipélago, condensada pela neblina espessa, mas reluzente em meio aquele... fogo? Era outra coisa. Labaredas escuras bruxuleavam no que já foi um aglomerado de moradias. Quase tudo vandalizado. Estruturas quebradas, casas partidas ao meio, lixo, sangue e bens revirados, amontoando-se numa bagunça indistinguível. A destruição se expandia por tudo que eu conseguia enxergar. Cruel, pensaria ao lutar para deixar que aquilo me paralise. Há muito a ser feito.

A embarcação que me levaria teria o máximo de mantimentos possíveis de serem carregados, mais as pessoas, sem que tudo afundasse. Prontamente, ajudaria a carregar o que me fosse ordenado para lá e para cá — a sinfonia de choros e revolta dos desabrigados embalando tudo numa atmosfera terrível.

Pararia entre uma tarefa e outra para dar atenção a uma criança pequenina que puxa minha manga da blusa. As roupas são só retalho e fuligem. Chorando muito, ela apontaria para um casebre em ruína — paredes caídas de madeira e pedra amontoados sobre um teto que cedeu — todo envolto naquele fogo obscuro. Atônito, tentaria compreender o que ela me pede, seguindo para onde aponta... e, então, identificaria.

Um bicho de pelúcia, identificaria, apesar da espécie estar irreconhecível. Sendo consumido pelas chamas. Marcharia até lá, abrindo mão do que estava fazendo.

Estenderia a mão, concentrando-me na neblina que nos rodeia, reunindo-a e devolvendo suas moléculas para a composição aquosa. A chama me desconcentra, todavia. Que cheiro estranho, pensaria, um pouco hipnotizado pela escuridão oscilante. A criança parece apreensiva ao meu lado, assistindo-me enquanto disparo as gotículas... que evaporam antes de encostar no objeto.

— Isso não funciona — irromperia uma voz em meio à minha confusão. Um homem mal encarado puxaria a pequena ao meu lado pelo braço. — Acha que não tentamos usar Suiton? No País da Água? Ninja idiota, ao invés de ajudar de verdade... — resmungaria a última parte antes de bradar para a criança, arrastando-a para longe dali. — Vamos! Sem choro! E não sai mais de perto da tua mãe!

O olhar da coisinha miúda era de partir o coração. Toda aquela violência só a faria chorar ainda mais, seu desespero ecoando em minhas orelhas conforme volto a encarar as chamas com um amargor profundo na expressão. Assistiria, inerte, enquanto consomem o que sobra do brinquedo. Maligno. Apenas destruição.

Não me permitiriam ficar muito tempo contemplando aquilo, o que era esperado com todo o caos. Uma mulher correria pela multidão, clamando aos quatro ventos sobre sobreviventes encontrados nas construções aos ermos da floresta. Uma aglomeração se formaria para acudi-la e entender seu pedido com clareza.

Ajudar de verdade, pensaria antes de me juntar à ela.

O desespero da mulher era justificado dada a complexidade da situação. A floresta era um manguezal emaranhado para dentro da ilhota, e alcançá-la já era uma tarefa notável antes do ataque — seguir o caminho correto entre árvores intrincadas e pontudas, desviando de poços sem fundo de lama. Agora, adicionado ao caminho tortuoso, haviam destroços, restos cruéis de combate e mais daquelas malditas chamas.

Guiado pela força-tarefa de ajuda, eu seguiria até o epicentro: um grande espelho d'água em que casas marítimas feitas de pau-a-pique e bambu levantavam-se sobre o lago, onde a comunidade que ali habitava colhiam pescados e ervas-aquáticas encontrados apenas naquele habitat — me seria dito, ao menos.

Os sobreviventes foram ouvidos pedindo socorro em três construções esmagadas em uma só. Após saquearem tudo, a moradia foi soterrada, deixando a família de três lutando para respirar sob um nível d'água que só aumenta. Em meio a esse risco, um teto engolfado pelo fogo escuro está prestes a ser derrubado sobre as vítimas se tudo não for manuseado com cuidado.

Aquilo iria requerer a manipulação com maestria das águas. Temeroso, eu me prepararia para a tarefa. Unindo-me aos moradores, traçaria um plano com eles, ouvindo atentamente as etapas definidas. Rápido, mas preciso. Acometido por uma súbita secura da garganta, seja pelo nervosismo com a tarefa, seja pelo minha biologia, bebericaria o cantil uma última vez antes de começar.

A tarefa exige tudo de mim. Concentraria os instantes iniciais imbuindo-me do Chakra Elemental presente, garantindo que a água seja maleável à minha vontade — o sucesso dependeria dessa tênue precisão. Os outros ajudantes moveriam-se ao redor da casa arruinada, fazendo contagens de "um, dois" antes de juntarem-se para mover parte dos destroços. Estavam preparando tudo para minha ação, e os pedidos de socorro que ainda ecoavam não eram tranquilizantes.

Não faça besteira, rezaria. Com a remoção de um resto de parede, moveria-me da posição estratégica em que fui posicionado, estabelecendo uma manipulação complexa com a maior agilidade que posso — assim que removem, os sobreviventes podem finalmente ser vistos... no instante seguinte em que toda a estrutura começa a desabar. Minha hora. O Suiton engolfaria o trio numa bolha disforme e seriam erguidos; eu lutaria para desviar das incólumes chamas que os cercam...

E então, o ataque viria. Só posso julgar como sorte ter percebido, de soslaio, a figura que se aprumava entre o manguezal. Muito provavelmente, foi o som. O braço ressoava eletrificado, mirando na água do lago... Raiton, perceberia em desespero. Dedicaria tudo que posso para desconectar a bolha dos feridos do lago, fazendo-os flutuar. Não é o suficiente para proteger todos. Alguns dos ajudantes em contato com o lago caem inertes, eletrocutados. Desajeitadamente, eu devolveria a bolha ao píer da maneira mais delicada que conseguisse, dadas as circunstâncias.

O agressor estava fugindo.

— Ajudem os feridos — berraria aos conscientes. — Levem-nos para longe daqui! Agora!

Dada a ordem, correria em direção à mata sombria.

O farfalhar de mato, pedra e lama sob meus pés era inquietante. Correria tentando me manter atento a tudo. Não pode ter ido longe. Avançaria entre galhos e arbustos pontudos, sentindo a vegetação deixando cortes e arranhões na minha pele desprotegida. Arfaria de dor, sem parar. Não posso parar. De súbito, então, viria aquele mesmo som. A rajada elétrica disparada em um feixe único me obrigaria a jogar meu corpo para o lado, rolando e me ferindo ainda mais entre as aparentes centenas de agulhas que me perfuram.

Não haveria tempo para sentir aquela dor. Da esquerda, traçaria o caminho mentalmente para identificar de onde viera o golpe. Canalizando eu mesmo a eletricidade em meu punho com toda a agilidade que possuo, sentindo o membro queimar, mirando e disparando um pouco à direita... Um palpite. Acerte, imploraria. Em segundos, a resposta: a projeção elétrica resultaria numa explosão pequena, resultado do impacto. O matagal foi inundado pela fumaça.

Dela, o homem com lacerações no corpo e queimaduras surgiria. A névoa me desnorteia e seu soco me atinge em cheio no estômago. Seu tamanho e força são demais para mim. Enquanto lutaria para devolver ar para meus pulmões, logo viria um chute na costela que me derruba totalmente. Não, imploro. Minha visão estaria embaçada quando o homem ficasse de pé, preparando um punho eletrizado final... com a mão diferente da que usou antes. O outro braço paralisou, concluiria. Disporia da força restante para lançar um chute no membro, assistindo-o titubear como resultado. Canalizando água no estômago logo em seguida, dispararia uma rajada de Suiton eletrificada em seu abdômen para imobilizá-lo por completo.

O homem cairia, inerte, enquanto eu me esforçaria para voltar a ficar de pé. Como um milagre, reforços chegariam até nós, o suficiente para terminarmos de contê-lo. As próximas seriam dedicadas a movê-lo para o centro da ilhota — conseguindo ser um percurso ainda mais extenuante que os levou até ali, agora tendo que mover um brutamontes sob lama escorregadia. Quando o próximo barco de suprimentos chegasse, eu partiria no mesmo para entregar o capturado ao interrogatório da Ordem.