Quando Ethan decidiu se exilar em uma área remota nos confins dos domínios da pedra, ele procurava uma forma de se conectar com a natureza e consigo mesmo, embarcando em uma jornada de autodescoberta. Os conflitos, as missões, as mortes, a busca desenfreada por poder, no fim, nada disso era o suficiente para abrandar a confusão e a pluralidade de sentimentos que residiam no coração do Hattori. A ideia, portanto, não passava de uma medida desesperada, era a luz no fim do túnel para alguém tão íntimo das sombras, vendo o mundo através das faixas que insistiam em roubar a sua luz. No entanto, até aquele momento, o objetivo de Ethan não passava de uma possibilidade incerta, pois, inevitavelmente, tudo dependia do que ele estava disposto a fazer, de como iria encontrar a paz e a estabilidade em meio à fluidez das suas emoções. Tendo levado consigo apenas um saco de dormir e mantimentos para passar as próximas semanas, era a resposta que esperava encontrar quando encarasse o seu pior lado.

Além da busca por sabedoria, a viagem também marcaria o confronto que o Hattori visou adiar durante anos, que selaria seu destino para todo o sempre. Pela primeira vez, os dois “lobos” que residiam em seu interior travariam uma batalha por controle. Um deles simbolizava a esperança, o homem que Ethan já sonhou ser um dia. O outro, sendo uma parte igualmente essencial para que ele se tornasse a pessoa que é hoje, representava a raiva que queimava em seu peito, o medo, a tristeza e, principalmente, a agressividade animalesca e irracional que vinha à tona em momentos difíceis. A dualidade fazia parte de quem Ethan era, isto era um fato irremediável, porém, o exílio podia mudar tudo, encerrando o ciclo de uma das metades.

Informações:

A primeira etapa dizia respeito à conexão. Enquanto se tornava uma única existência com os corpos rochosos que o cercavam, estes superando e muito a sua altura, Ethan tentaria criar um elo entre suas duas metades. Para poder se conectar plenamente com as entidades imaginarias que eram uma representação do seu subconsciente, antes precisava encontrar estabilidade, uma base firme para se apoiar. Saber do que precisava, no entanto, não garantiria o seu sucesso. Diferente dos elementos versáteis e harmônicos dos quais detinha certa afinidade, a terra era um elemento teimoso, onde, acima de qualquer domínio sobre o chakra, exigia firmeza e força. Portanto, antes de buscar a compreensão, Ethan precisava ser como aquela floresta de rochedos à sua volta, inflexível.

Trajando nada além das calças shinobi e da faixa nos olhos, embaixo de um sol escaldante e impiedoso, digno dos verões do país da terra, o Hattori continuava com a mesma postura de horas atrás. Seus joelhos se encontravam ligeiramente flexionados, separados, e os braços rente ao corpo. O suor salgado encharcava seu rosto; a vermelhidão começava a ficar evidente sobre a derme, mas nada daquilo interrompeu o foco do garoto, enquanto respirava profundamente — o ar entrava pelo nariz e saia pela boca, em um ciclo perpetuo.

Apesar de todo o esforço desprendido, sem dúvida, o maior trunfo do Hattori eram os seus sentidos. O olfato e a audição lhe conferiam perspectiva. E com a sola dos pés conseguia estabelecer a conexão que tanto buscava. Ao movimentar ambas as pernas em meia-lua, uma após a outra, realizando movimentos rígidos de tempos em tempos, as vibrações faziam com que os rochedos colossais se acendessem como lâmpadas. O tato, em uma ressonância incomum, permitia que Ethan tentasse alcançar as mesmas frequências das rochas. Como consequência, surgia os movimentos cíclicos que realizava, movendo os braços e pernas como em uma dança. Os pés deslizavam pesadamente pelo solo, as vibrações continuavam o alcançando e, por fim, os movimentos sísmicos eram convertidos em uma melodia única que guiava seus passos.

Ainda que tivesse um objetivo claro em mente, o de se dominar, isso não impediu o Hattori de continuar com a prática pouco ortodoxa. Nos primeiros seis dias que sucederam a sua chegada, sob o mesmo clima tórrido, aquilo foi tudo o que se dignificou a fazer.

Informações:

— Meu pequeno floco de neve, por que está tão triste? — a voz afável de sua mãe ecoou, vindo de algum momento do passado. — Sei que eu e seu pai não sorrimos mais como antigamente, mas nunca se esqueça que continuamos te amando “um montão bem grandão”. Quer saber, vou te contar um segredo — junto dos cabelos azuis que caiam em cascata pelos ombros, ela dava um sorriso travesso. — Às vezes, o seu pai também fica chateado e com raiva, mas isso só me faz amar ele ainda mais. Isso me lembra de quando éramos bem jovens e impetuoso, quando me apaixonei por ele após nossa primeira discussão. Céus, já faz tanto tempo. Então, se continuar com essa cara emburrada, vou te encher de beijos. — Ela o abraçou e todos os problemas do mundo desapareceram no calor dos seus braços. — Sabe, nossa família pode não ter o melhor temperamento do mundo, seu avô mesmo era um tremendo cabeça-dura, mas mesmo assim não nos julgamos por sermos quem somos, apenas seguimos nos amando incondicionalmente e acreditando que no futuro as coisas vão melhorar…

Por fim, duas semanas depois, veio a aceitação. Sendo aceito pela floresta de rochedos, Ethan havia encontrado uma base sólida para se apoiar. Ele não entendia necessariamente o que aquilo significava, e tampouco poderia descrever a sensação de pertencimento com palavras. Apenas se sentia bem e não ficaria mal por isso. Logo, já não via motivos para promover um duelo sanguinolento entre as suas contrapartes. Gostando ou não, para o bem ou para o mal, chegava à conclusão de que não podia continuar negado o seu verdadeiro eu, mesmo tendo motivos para tal.

Como um dos últimos feitos ali, daria início a sequência de movimentos que simbolizava seu aprendizado, sendo esse o reflexo do homem que regressaria para Iwagakure. Começou com três inspirações rápidas e caiu em um estado de consciência flutuante. Focalizou a percepção através das vibrações, e os rochedos em volta voltaram a se iluminar em pequenas chamas pálidas. Ajustou a postura, deixando marcas enegrecidas emergirem. Selos de mão evitavam o mecanismo divagador da mente. Sangue enriquecido e amaldiçoado regando as áreas sobrecarregadas. — Não se obtém comida, abrigo e liberdade somente com instinto — pisou com força no chão e cinco pilares o cercaram. — A consciência animal é incapaz de se estender para além do momento presente. O animal destrói e não produz. Todos os seres são inconstantes. Lute pela permanência do fluxo interno. — Então, selos de mão interromperam o fluxo de pensamentos, fazendo com que os pilares erguidos outrora fossem disparados por todas as direções. A dor se fazia presente, o estresse acumulado por dias também, por conta disso, a consciência flutuante e sonolenta o derrubou no chão, inconsciente.

Informações: