Estava bem cedo, e Yami já se encontrava sentado na poltrona que costumava ficar quando acordava. Ainda sentia um pouco de sono, com reflexos da noite mal dormida pela qual passei. Ainda era difícil de acreditar que minha mãe tinha partido, não consegui ficar mais do que alguns dias com ela depois que retornei da missão. O peso da responsabilidade recaia sobre os meus ombros, mesmo que o Otsutsuki dissesse que nada era minha culpa. —‌ Que bom que acordou. ‌—‌‌ O semblante do mais velho estava calmo, mas indicava que ele queria falar alguma coisa comigo. —‌ Está tudo bem? ‌—‌ Ele se levantou e foi até a cozinha, onde trouxe uma xícara de café até mim.

Embora parecesse um homem durão, ele tinha um bom coração. —‌ Está sim, mas hoje preciso te entregar o presente que sua mãe me pediu para lhe dar. ‌—‌‌ Aquelas palavras soaram um pouco fortes demais para mim, não imaginava receber algo da minha mãe após sua morte. Com a xícara nas mãos, não soube como responder. —‌ Fique calmo, ela me pediu para lhe entregar um pouco antes de falecer. Venha comigo, não precisa responder nada por agora. Claro, tome um pouco de café. ‌—‌‌ O homem se virou na direção da porta, dando alguns passos até abri-la. Um pouco nervoso, tomei um pouco do café e deixei a xícara sobre a mesa.

Considerações:

Aquela foi a caminhada mais longa da minha vida. Sentia um misto de ansiedade e melancolia a medida que meus passos percorriam as ruas da vila, passando pelas mesmas pessoas que via pela manhã antes de ir ao campo de treinamento. Podiam ver, em meu rosto, essa confusão de sentimentos sem aquele sorriso costumeiro que aparecia em meu rosto, ao falar com eles. Entendiam, depois de saberem sobre a morte da minha mãe, que eu ainda não tinha melhorado. Yami permaneceu calado durante o percurso, talvez se sentisse tão mal quanto eu depois de perder uma amiga de muitos anos.

Senti um pequeno frio na espinha quando paramos diante do hospital. Perguntas preencheram minha mente, mas preferi ficar calado. Tanto ele, quanto eu, ficamos parados por alguns segundos olhando a fachada do local. —‌ Ela foi uma ótima amiga, me ajudou quando eu mais precisava. Jurei a ela que colocaria seu pedido em prática, e é por isso que estamos aqui. Ela lhe deixou um presente, então o entregarei a ti. Só espero que goste. ‌—‌‌ Não consegui olhar o semblante do mais velho, mas pela sua voz conseguia detectar um pouco de tristeza. O mais velho voltou a andar, adentrando no local sem nem passar pela recepção. Como já o conheciam, não havia necessidade de se apresentar.

Considerações:

Caminhamos pelos corredores do hospital, observando o vai e vem de médicos e pacientes até chegar a um dos andares mais altos. Ainda não tinha ideia do motivo de estar ali, ao menos o porque to presente estar ali. Pensei em perguntar para Yami, mas logo paramos na frente de uma sala. —‌ Aguarde um momento, preciso pegar algo antes de continuarmos. ‌—‌‌ Apenas acenei com a cabeça e fiquei parado próximo a porta. Tudo aquilo me dava com mais dúvidas do que respostas, e isso começava a me incomodar um pouco. —‌ Vamos. ‌—‌‌ O Otsutsuki apareceu depois de alguns minutos, carregando em suas mãos um recipiente estranho e aparentemente de metal.

Estranhei aquilo, e fui perguntar a ele o que era aquilo, mas ele se limitou a virar as costas e sair andando sem me dar a chance de questionar o que ele estava fazendo. ”O que está acontecendo?” Fui atrás dele, já que parecia que ele não me explicaria nada. O principal questionamento que passava pela minha cabeça era, o que minha mãe tinha deixado para mim que foi preciso ir até aquele lugar para buscar? Comecei a ficar na dúvida, se realmente receberia o meu presente ali mesmo.

Mais alguns minutos de caminhada, e então chegamos em uma sala. A mesma estava vazia, mas com diversos tipos de equipamentos organizados em alguns pontos do local, principalmente ao redor de uma maca. —‌ Isto aqui é uma sala de cirurgia? ‌—‌ As palavras escaparam sem que eu percebesse, questionando o homem sobre onde estávamos. Ele se virou, mantendo um semblante tranquilo no rosto.

Considerações:

Yami mexia em alguns quando foi pego pela pergunta. Ele parou por alguns segundos antes de se voltar para mim, com um semblante tranquilo mas um pouco preocupado. —‌ Sim, você está aqui para receber o presente que sua mãe te deixou antes de morrer. ‌—‌‌ Continuei sem entender, fiquei ainda mais confuso quando ele falou aquilo. —‌ Deite-se sobre a maca, logo te explicarei. ‌—‌‌ Fiquei parado por alguns segundos, tentando processar a situação em que me encontrava. Estava com dificuldade, mas mesmo assim segui o que ele havia me pedido. Deitei-me sobre a maca, ainda cheio de perguntas a fazer, o vendo abrir o recipiente que pegou na outra sala.

Yami parou depois de abrir o recipiente, fechou os olhos e respirou profundamente. Fiquei sem entender, mas logo ele se voltou para mim. —‌ Sua mãe me fez um último pedido depois que faleceu. Ela me pediu para lhe entregar os próprios olhos, pois sabia que somente assim você conquistaria o poder máximo do Byakugan. ‌—‌‌ Senti um aperto no peito quando ele falou aquilo, não conseguia acreditar que havia uma forma de elevar ainda mais as habilidades dos meus olhos. —‌ Do que está falando? Porque ela faria isso? ‌—‌ O vi retirar o par de olhos albinos de dentro do recipiente, os colocando sobre uma proteção na mesa. —‌ Não questione, muito menos se negue a receber. Foi um pedido difícil que ela me fez, então receba de bom grado. Sua mãe o ama, e foi por isso que fez isso. ‌—‌‌ Engoli a seco, e apenas acenei.

Voltei a me deitar sobre a maca, vendo o mais velho preparar uma seringa. —‌ Vou precisar te dar uma anestesia, então fique calmo. Você estará dormindo enquanto coloco os olhos de sua mãe. Assim que acordar, farei a última etapa. ‌—‌‌ Senti o líquido percorrer minhas veias, gerando um cansaço incontrolável a ponto de não conseguir manter os olhos abertos. Minha última visão foi de Yami colocando uma máscara e algumas luvas, com os olhos demonstrando certa preocupação. Abri um pequeno sorriso, o que não fazia há bastante tempo, e adormeci.

O Otsutsuki fez todo o processo de extração dos meus próprios olhos e inseriu os da minha mãe. Para ele, por ser um médico, foi algo muito mais simples de se fazer. Por mais que o processo não fosse difícil, havia um peso enorme por se tratar dos olhos que ele mesmo precisou retirar do corpo morto da minha mãe. Fazer algo assim, tinha um peso enorme e o fazia lembrar de várias coisas. Ainda assim, depois que terminou de colocar os novos olhos em ambas as cavidades em meu rosto, ele as enfaixou.

Considerações:

Com os olhos enfaixados, ergui-me da maca sentindo a cabeça rodar. Estava um pouco enjoado, me sentindo um pouco fraco ainda. Não sabia se Yami ainda estava ali, ou se tinha saído. Tentei me ajeitar, mas quase caí. —‌ Vai com calma, o efeito da anestesia ainda não passou completamente. ‌—‌‌ Ele me segurou para que eu não fosse contra o chão, me ajudando a colocar as pernas para baixo. —‌ Como está se sentindo? ‌—‌‌ Bom, eu não sabia ao certo como estava me sentindo naquele momento. Pensei em uma resposta, mas tudo o que consegui fazer foi balançar a cabeça negativamente. —‌ Está tudo bem, mas ainda falta a última parte. ‌—‌‌ Já tinha ouvido ele falar sobre isso, mas o que mais ele poderia fazer?

Notei a aproximação de Yami, e logo senti suas mãos pousarem sobre os meus olhos. —‌ O que pretende fazer? ‌—‌ Estava curioso, mas então senti uma energia diferente preenchendo os meus olhos. —‌ Agora preciso canalizar parte do meu chakra em você. ‌—‌‌ De uma hora para outra, os olhos começaram a pulsar em meu rosto, uma dor intensa que não conseguia conter. Caí deitado sobre a maca, colocando as mãos sobre as faixas curativas. Yami conseguia ver o meu desespero, mas não tinha muito o que fazer. —‌ Eu sei que doi, mas espera um pouco. ‌—‌‌ O mais velho se afastou, indo até alguns medicamentos que tinha ali perto.

Tentava conter a dor, mas era difícil demais. Não percebi a aproximação do mais velho novamente, até ele injetar um remédio de dor na minha corrente sanguínea. A pulsação começou a diminuir, assim como a dor. —‌ Está se sentindo melhor? ‌—‌‌ O alívio imediato me deixou melhor, me fez parar de me debater sobre a cama como estava fazendo. Não era algo fácil, mas percebi que havia algo de diferente nos meus olhos. Respirei fundo, percebendo que as veias não pulsavam mais em meu rosto com a ativação dos olhos.

Os dias que se passaram foram complicados, assim como aquele. Suportar a dor diária me incomodava, mesmo que tomasse remédio para amenizar. Consegui tirar as faixas alguns dias depois do processo, mas dominar aqueles olhos demorou ainda mais. Precisei de muita meditação para conseguir manter-me bem, ao menos até finalmente conseguir tornar aquele poder, meu. Havia algo de bom em todo aquele sofrimento. Apesar das lembranças, tinha como meu os olhos que foram da minha mãe. Era uma mistura de sentimentos, pois além de ser um presente, também era parte da pessoa que acabara de perder.

Considerações:

O clima agradável da primavera tornava o local mais confortável para se permanecer. Estava sentado no quintal de casa, ainda sentindo um pouco das pulsações em meus olhos. Já não eram mais tão desagradáveis quanto antes, estava me acostumando com elas aos poucos enquanto elas diminuiam. Claro, ainda estranhava a mudança na tonalidade dos olhos, assim como a falta de veias em meu rosto ao ativá-los. Conseguia sentir um enorme poder escondido em seu interior, algo que nunca vi em toda a minha vida. Contudo, não havia algo que podia fazer quanto a isso, não por ora. Diferente disso, buscava pelo domínio do elemento que tinha afinidade.

Por vários dias, enquanto suportava a dor dos novos olhos, buscava pelo controle máximo do meu chakra elemental. Naquele mesmo momento fazia isso, canalizar essa energia ao redor de todo o meu corpo, sentindo minha pele inteira formigando à medida que tentava controlá-lo. Conduzi-lo pelo corpo não era a pior parte, mas sim quando perdia seu controle e tinha que iniciar o processo todo novamente. Por horas e horas tive que fazer isso, contendo toda aquela energia em meu corpo, sentindo o formigamento se tornar suportável enquanto fazia os pelos sobre a pele ficarem de pé.

Considerações:

Minha respiração ainda estava bem calma enquanto me concentrava. Conseguia aproveitar o ambiente silencioso, para permanecer calmo. Sentia apenas a suave brisa refrescante, ao mesmo tempo em que liberava uma grande quantidade de chakra através de todo o corpo. Era uma habilidade e tanto, não podia negar. Controlar meu próprio chakra da forma mais refinada possível era um dom herdado dos Hyuga. Ao longo das horas de treino, o formigamento começou a diminuir. Os pelos do corpo ainda ficavam levantados, sinal da energia estática que ainda me cobria. Não era uma sensação desagradável, embora sentisse alguns arrepios.

Era engraçado, comecei a sentir mais os formigamentos do que as pulsações nos olhos. As mesmas já não eram mais tão perceptíveis, e se tornavam quase nulas com o desenvolvimento do meu controle de chakra. Foi algo bom, considerando que parei de me incomodar com o meu rosto e passei a me concentrar só no controle de energia.

Continuei aquele treinamento ao longo de horas, até finalmente o Sol se por atrás das montanhas. Acabei não percebendo, já que permaneci com os olhos fechados durante todo o processo. Só foi notar que estava de noite, quando a temperatura começou a diminuir e começou a ventar um pouco mais. Levantei-me de onde estava sentado e parti para dentro de casa, tendo a ciência de que teria mais trabalho ao longo da semana.

Considerações: