Os dias que se passaram não foram o bastante para tirar do peito a dor. Nas noites, o mesmo sonho invadia minha mente, tornando-as mais conturbadas. Era uma confusão de sentimentos, onde o último sorriso de minha mãe me alegrava até chegar seu último suspiro. Uma mistura de desespero e melancolia que preenchia o buraco que se abriu. Todas as noites, acordava no susto com o corpo completamente encharcado de suor. A respiração sempre estava ofegante, como se eu tivesse corrido uma maratona inteira em questão de segundos. Não conseguia suportar aquela dor, embora tentasse todos os dias.

—‌ Bom dia, Kira. ‌—‌‌ Yami estava de pé na sala, com os braços escondidos atrás de seu corpo. —‌ Bom dia, está tudo bem? ‌—‌ Pelo olhar do homem, havia algo que ele queria me contar. Estava sério, mas não da maneira que o vi algumas poucas vezes, quando ele estava irritado com algo. —‌ Está sim, eu vou precisar que me acompanhe. ‌—‌‌ Ele não me esperou, apenas se virou na direção da porta. A abriu em poucos instantes, partindo de dentro da residência.

Com tanta mistério, andei rápido para alcançá-lo. Queria saber o que ele tinha para falar, sem saber se gostaria do que ele tinha para me dizer. Fiquei calado durante o percurso, notando a aproximação do hospital da vila. —‌ O que viemos fazer aqui? ‌—‌ O corpo da mais velha tinha sido enterrado a alguns dias atrás, não estava mais naquele lugar. Justamente por isso, fiquei um pouco confuso.

Considerações:

Ficamos parados diante do hospital durante alguns segundos. Yami permaneceu de costas para mim sem que eu pudesse olhar seu rosto. Sentia uma sensação um pouco desconfortável naquele momento, lembranças tristes dos dias em que minha mãe ficou mal dentro daquele lugar. Pensei em falar algo com o mais velho, mas ele voltou a caminhar. Não demoramos a caminhar pelos corredores daquele lugar, vendo enfermeiros e pacientes andando de um lado para o outro. Ainda não fazia ideia do motivo de estar ali, mas continuei andando atrás do homem.

Em um dos andares superiores, paramos em uma grande sala. A porta tinha senha, algo que o Otsutsuki tinha. Um ar gélido escapou do interior do local quando a porta se abriu, sinalizando a baixa temperatura que estava lá dentro. Yami deu um sinal para que eu ficasse ali fora, levando alguns instantes dentro da sala. Quando ele voltou, estava com um recipiente estranho em mãos. —‌ Sua mãe lhe deixou isto aqui de presente. Ela me pediu para que te desse depois que se sentisse melhor. ‌—‌‌ Um frio na espinha tomou todo o meu corpo. Uma sensação desagradável, mas que ao mesmo tempo me dava um pouco de felicidade.

O mais velho acenou com a cabeça, chamando-me para um outro espaço. Estava angustiado e ansioso para saber o que o homem tinha em suas mãos. Chegamos a uma sala toda preparada, com diversos aparelhos ao redor de uma maca. —‌ Vou precisar que se deite ali. ‌—‌‌ Estava tudo muito estranho, mas ainda assim me deitei sobre a maca como ele havia pedido.

Considerações:

Não sabia ao certo no que o homem estava pensando, muito menos do que ele planejava fazer com todo aquele aparato à nossa volta. Ainda assim, não estava preocupado. Confiava nele o bastante para seguir o que havia me pedido. —‌ O que está acontecendo? ‌—‌ O perguntei, vendo-o abrir o recipiente que acabara de pegar na outra sala. —‌ Enquanto estava fora, sua mãe me pediu para lhe dar isto aqui. Ela sabia que seria seu maior presente, e que não podia lhe falar nada sobre. ‌—‌‌ Yami pegou o que havia dentro do pote, mostrando ser o par de olhos albinos que minha mãe carregava. —‌ Mas o que é isso? ‌—‌ Fiquei surpreso ao vê-los, e até ameacei me levantar da maca, mas o Otsutsuki sinalizou para que eu ficasse parado.

Era tudo muito estranho, não estava entendendo nada. Me questionava o porque minha mãe havia deixado seus olhos para mim, e que não fazia sentido trocar os meus pelos dela já que eram iguais. —‌ Dei a minha palavra de que colocaria estes olhos em você, além de usar parte do meu próprio chakra para que eles evoluíssem. ‌—‌‌ Continuei sem entender o que ele estava querendo dizer com tudo aquilo. Para mim, não havia nenhuma outra evolução dos meus olhos. —‌ Como assim? ‌—‌ Estava cheio de dúvidas e perguntas em minha mente, e quanto mais ele falava mais elas aumentavam.

Yami se aproximou com ambos os olhos em suas mãos. Estava com um semblante calmo, e um pouco melancólico pelo momento. —‌ Através dos olhos de sua mãe, combinados com meu chakra, ele chegará em seu estado final. Tenseigan. ‌—‌‌ Nunca havia ouvido falar sobre isso, então não sabia se era verdade. Considerando que não havia motivos dele fazer tudo aquilo por algo mentiroso, respirei fundo e fiquei quieto. —‌ Tudo bem então. Se é um presente, ficaria feio não aceitar. ‌—‌ Senti uma mistura de felicidade e pesar em meu peito. Estava alegre pelo presente, mas com um peso na alma por carregar os olhos que um dia foram dela.

Considerações:

Estava tudo pronto. Yami se aproximou com cuidado, portando uma seringa cheia de anestesia em mãos. Deu início ao processo depois que injetou a substância em meu braço, vendo-me adormecer lentamente até os olhos estarem completamente fechados. Para mim, foi algo rápido demais. Para o mais velho, levou alguns minutos. Ele finalizou os preparativos, lavou as mãos, colocou luvas e somente depois pegou um dos olhos. Vendo-me inconsciente, sentiu que já estava tudo definitivamente pronto. Com um máscara tapando metade do rosto, o homem abriu uma das minhas pálpebras e precisamente, fez uma incisão na parte de trás do olho, ao qual se ligava a cavidade. Dadas as suas habilidades, foi algo simples e rápido. Sem demora, ele colocou a nova orbe no lugar da anterior, religando a cavidade a ele.

Yami usou seu chakra curativo para regenerar o corte que havia feito, e finalmente ligar o olho à cavidade. Suas ações eram tão precisas, que não levava mais do que um minuto. Ele então passou para o outro lado, levando consigo o segundo olho. O processo foi o mesmo, retirou o meu Byakugan e inseriu o de minha mãe. Usou seu chakra curativo para regenerar o corte e ligar aquele também a outra cavidade, até finalmente finalizar aquela etapa. Ele enrolou faixas ao redor do meu rosto, tampando os olhos albinos que recebi como presente e herança.

Levei um certo tempo até despertar. Tudo o que vi foi a bandagem que cobria meus olhos, sem saber se Yami ainda estava ali. Sentei-me sobre a maca, ainda um pouco enjoado por causa da anestesia, até ouvir os passos do mais velho se aproximando. —‌ Que bom que acordou. Como está se sentindo? ‌—‌‌ Até então tudo parecia estar normal, embora sentisse os olhos latejarem de leve. —‌ Não estou sentindo tanta diferença. E agora? ‌—‌ Eu não pude notar, mas um pequeno sorriso se formou nos lábios de Yami, que então se aproximou de mim.

—‌ Agora vem a parte mais complicada. Vai doer, pelo menos até se acostumar com os novos olhos. ‌—‌‌ Apenas acenei positivamente, sentindo suas mãos pousarem sobre o meu rosto. Senti um pouco de calor emanando de suas mãos, uma sensação estranha e intensa. De uma hora para outra, os olhos começaram a pulsar em meu rosto, com uma dor inexplicável e quase insuportável. Acabei deitando novamente sobre a maca, agarrado em suas laterais enquanto tentava suportar tamanha dor. —‌ No começo, é horrível. Mas logo irá diminuir, até não sentir mais nada. ‌—‌‌ Naquele momento, não conseguia pensar muito. Estava doendo demais, e tudo o que eu queria era que ele fizesse parar.

Considerações:

A dor estava tão intensa, que meus olhos pareciam querer saltar de dentro das cavidades em meu rosto. Estava estranho, e Yami conseguia perceber isso, mas era realmente esse o processo de evolução do Byakugan. Tudo o que ele podia fazer era me dar um remédio para dor, na tentativa de amenizar um pouco. —‌ Eu vou lhe dar um remédio de dor, deve te ajudar um pouco. ‌—‌‌ Senti a agulha entrar na carne e o líquido invadir meu organismo. As dores nos olhos foi amenizando, mas com ela também se foi minha consciência. Foi tão rápido, que nem ao menos percebi. Tudo só ficou escuro, e fui lançado no mundo dos sonhos.

Despertei apenas no dia seguinte, sentindo o colchão macio sob meu corpo. —‌ Yami? ‌—‌ Chamei pelo homem, ouvindo o barulho de passos se aproximando. —‌ Que bom que acordou, como está se sentindo? ‌—‌‌ Os olhos ainda pulsar em meu rosto, mas a dor estava muito menor do que antes. —‌ Está mais suportável. Ainda doi, mas não como antes. ‌—‌ Ouvi o suspiro aliviado do mais velho, que então se sentou sobre a cama. —‌ Você logo logo irá se acostumar com eles. Vou precisar que fique com essa bandagem por mais alguns dias, eles ainda estão sensíveis demais para receber a luz. ‌—‌‌ Estava tudo bem, já esperava mesmo por isso. —‌ Você está em casa, então não se preocupe. ‌—‌‌


Aqueles olhos me deram outra perspectiva de vida, não só por todo o poder que carregava consigo. Havia muito mais nisso, algo voltado ao sentimental. Seu valor era inestimável para mim, simplesmente por se tratar de uma herança, um presente antes da morte de minha mãe. Conseguia suportar melhor o poder que me dava acesso, mas foi preciso muito treinamento. Ainda haviam coisas neles que eu não entendia, havia algo que me intrigava demais. De início, estranhei o fato deles terem mudado de cor para uma coloração azulada, um azul brilhante e intenso que nem mesmo o céu o tinha.

Estava no quintal de casa, sentado e com os olhos fechados. O vento suave da primavera preenchia meus pulmões e tocava meu rosto, trazendo consigo uma sensação agradável. Estava ocupado naquele momento, conectando-me ao meu eu interior. Junto a isso, buscava um maior controle sobre meu chakra elemental. O fazia percorrer todo o corpo, gerando um leve formigamento e um arrepio na pele. Não era algo que me incomodava, na verdade era uma sensação satisfatória que eu não sabia como explicar. A energia que percorria em mim, era uma conexão direta com a natureza que me rodeava.

Considerações:

O vento pairava ao meu redor, tornando o clima primaveril muito mais agradável. O canto dos pássaros soavam como melodia, uma orquestra natural que ajudava-me na concentração. Estava relaxado, respirando lentamente enquanto os olhos continuavam fechados, com as folhas das árvores farfalhando com a ajuda do vento. A sensação de formigamento ainda percorria meu corpo, deixava os pelos sobre a pele atiçados. Não era uma sensação desagradável, era reconfortante de uma maneira diferente. Meu chakra percorria todo o corpo, ficando em constante transformação conforme desejava.

A conexão com o chakra raiton aumentava à medida que meditava, criando um vínculo cada vez maior conforme ele seguia seu fluxo natural. Continuei me concentrando calmamente, focando apenas na sensação crescente que sentia durante os minutos que se passavam. Meus olhos não doíam mais tanto quanto antes, estava me acostumando com eles quanto mais meditava durante os dias. Yami também me ajudava, tratando de mim enquanto me reabilitava. Os demais ninjas da vila ainda desconheciam o que havia ocorrido, e não tinha a intenção de realmente explicar. Entender o poder dos novos olhos era algo complexo, que não conquistaria da noite para o dia. A única certeza que eu realmente tinha, era a de que aqueles olhos me trariam coisas boas. Talvez alguns momentos complicados, mas que no geral me fariam lembrar de minha mãe.

Considerações:

A energia que percorria meu corpo me enchia de disposição. Era estranho, pois apesar do formigamento em meu corpo, eu me sentia bem. Era algo diferente, que nunca havia sentido até aquele momento. Minha respiração se mantinha calma, meus batimentos estavam tão lentos que mal dava para sentir. Meus olhos ainda estavam fechados, vislumbrando um mundo inteiro através do meu interior. A manipulação do chakra raiton começou a se tornar mais precisa, a ponto deu conseguir exalar o chakra através dos meus próprios tenketsus. Senti a camada bruta de chakra ao redor do meu corpo, crepitando como faíscas azuis.

Estava se tornando cada vez mais fácil manter o controle sobre o elemento em questão, além de uma facilidade maior em manter parte do chakra. Era como se a cada ação que eu tomasse, eu não gastasse tanto chakra quanto antes. Isso realmente me deixou curioso, e ao mesmo totalmente interessado pelo que estava sentindo. Continuei naquela meditação por mais tempo, sem me incomodar com as pequenas pulsações que meus olhos davam. Sentia estar próximo do objetivo, conquistar o domínio sobre o chakra elemental com o qual nasci. Me sentia satisfeito com isso, pois depois do que aconteceu na missão anterior, eu precisava superar meus próprios limites se quisesse continuar em minha jornada.

Considerações: