Já era de manhã quando Ethan ouviu batidas na porta. O intervalo entre uma batida e outra, sistematicamente, diminuía conforme a paciência do sujeito aos poucos se esgotava. Sendo assim, o som oco da madeira da porta de correr ressoou por toda a casa, exigindo que o garoto tomasse alguma providência. Por outro lado, Ethan, que permanecia de bruços na cama — os olhos fechados, rosto pressionado contra o travesseiro —, abdicava ao direito de atender a própria porta. Se tivesse sorte, não demorariam muito até desistirem, deixando-o em paz, em seu exílio. No entanto, à medida que se esforçava para desperdiçar o dia com uma procrastinação infindável, o barulho incomodo não dava trégua. Ele rolou para a direita, agora, com travesseiro envolto na cabeça, seguia em uma tentativa fútil de abafar quaisquer ruídos indesejados. Entretanto, a situação continuou na mesma; todas as tentativas não tinham êxito algum. Na verdade, em resposta à demora, a impressão que ficava era que em pouco tempo a porta iria ceder, indo ao chão. Era apenas uma questão de tempo.

— Que saco. — Por fim, vendo que ignorar o problema não surtia o efeito desejado, queixou-se. Mal havia aberto os olhos, muito menos se livrado das olheiras pertinentes, mas mesmo assim cruzou o caminho até a porta, abrindo-a com um deslizar furioso. — O que foi?! — Sem fitar o rosto do sujeito, inconformado, perguntou.

— Por acaso ficou surdo? — Raizo, o homem mais próximo que Ethan tinha de um tutor bradou, igualmente irritado. Mas ele não deu qualquer chance para o Hattori se explicar, já que, de cara, jogou um pergaminho gigantesco em seus braços. — Arrume-se. Rápido, não temos o dia todo. — Abrandou as feições raivosas e levou a mão até o cabo da espada, esperando o garoto se aprontar, o ombro apoiado na porta.

Ainda sonolento, e igualmente desorientado, Ethan não esperou que fosse ser recebido por um pergaminho a tiracolo, que, por sinal, pesava tanto quanto chumbo. Logo de cara, antes de entender do que se tratava, encarou a situação como alguma punição típica, feita para discipliná-lo ao mesmo tempo em que o humilhava. Independente da real finalidade do objeto, a situação de Ethan não mudaria: após o impacto repentino, continuaria no chão, incrédulo. — Que merda é essa? Ei, já pensou em parar com essas bizarrices? Toda vez a mesma coisa — Ao se recuperar do choque e encarar as feições intransigentes do mais velho, perguntou.

— Não — respondeu Raizo, sério.

— Que seja... — Mesmo não estando de acordo com a ideia, Ethan bufou, deixando o pergaminho de lado, rolando-o no chão. Então foi até o quarto. Lá dentro, trocou de roupa e pegou tudo o que julgou necessário, não demorando mais do que 5 minutos para se apresentar na porta, vendo a impaciência estampada no rosto do outro. — Estou pronto. Claro, não é como se eu tivesse alguma escolha, afinal. — Antes de passar pela porta, trancando-a logo em seguida, pegou o pergaminho no chão e seguiu os meticulosamente os passos do moreno.

Enquanto andavam pelas ruas de Iwagakure, Ethan tentava se manter junto de Raizo, ao seu lado, mas falhava até disso. Conforme apertava o passo, o seu mestre fazia o mesmo, quase como em um jogo infantil, e assim continuaram por todo o caminho. Um número exorbitante de pessoas visitava o centro comercial naquela manhã, sendo que a aglomeração massiva de pessoas atrapalha qualquer um que apenas estivesse de passagem; o que era exatamente o que a dupla fazia. Eles ignoravam os gritos dos vendedores, os risos, todos os tipos de conversas paralelas, enquanto mudavam constantemente de trajetória, tomando sempre o caminho menos povoado. Mas, dadas as circunstâncias, isto não parecia ter tanta importância ou tanta eficiência, pois independente do caminho tomado, sempre se deparavam com um número assombroso de pessoas pela frente.

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Ao final da caminhada, que por vezes parecia ser uma corrida, a dupla chegou no local pretendido. Era o mesmo campo de treinamento que Raizo levou Ethan outrora. Mas, diferente das outras vezes, assim que eles chegaram ali, o mais velho pediu para que o Hattori estendesse o pergaminho no chão irregular de pedra e se sentasse. E foi o que ele fez, tomando o cuidado de não rasgar o pedaço frágil de papel que se estendia por, aproximadamente, 2 metros.

— Aconteceu algo? — Depois de se sentar, Ethan perguntou. Dentre tudo o que cada sentido aguçado conseguia captar no seu raio de ação, o comportamento do mestre foi o que mais lhe chamou a atenção. Era como se o homem fosse outra pessoa. Estava mais centrado e calmo do que o normal, quase como se estivesse com algo entalado na garganta, que o sufocava e suprimia cada um dos seus traços marcantes, os mesmo que Ethan odiava com todas as forças. — Não me chamou de idiota; não me bateu com a espada; não chegou anunciando de cara qual era o desafio impossível da vez. Por que tanto mistério? — Em tom brando, destoante do habitual, Ethan perguntou. Estava curioso, mas não estranharia se recebesse algum xingamento como resposta. No fim, pensou, Raizo não poderia ter mudado tanto assim do dia pra noite.

— O meu chefe quer te conhecer pessoalmente. — respondeu, apreensivo. — Então, da próxima vez que nos encontrarmos, vou estar encarregado de te levar até ele. — Desviou o olhar, encarando fixamente o chão, absorto. — E sinceramente, dessa vez, espero que você seja idiota o suficiente para não cair nas graças do miserável. É isso. Vou te levar até o diabo em pessoa. Ele, por sua vez, vai usar cada artimanha suja ao seu alcance para tentar te seduzir, comprar a sua alma, explorando cada vulnerabilidade que possa ter. O desgraçado vai lhe oferecer aquilo que você mais deseja no mundo como se não fosse nada. Se você aceitar a oferta dele, vai estar preso pelo resto da vida, já que uma vez dentro, não há como sair. — Liberou todo o ar dos pulmões e fechou os olhos. — Agora pode começar. Não temos tempo a perder.

— Se odeia tanto o seu chefe, por que não se demite? — Ethan começou a ler as instruções no pergaminho sobre uma arte ninja em especifico, mas mesmo assim não reprimiu a curiosidade.

— Garoto, as coisas não são tão simples assim. Mas isso não importa, já falei demais. Só termina logo isso para eu poder ir embora.

Mesmo desviando o olhar, focado nas palavras em preto que preenchiam o pergaminho, Ethan ainda não estava satisfeito com a resposta. Sentia que havia algo errado naquilo; não sabia o que era, e provavelmente arrancar mais respostas de Raizo estava fora de questão, dada a angústia na voz do mesmo ao falar sobre o assunto. Então, enquanto os ventos gelados de invernos faziam com que os cabelos oscilassem, concentrava-se na ordem do mentor. A mente, por vezes, divagava, porém, o Hattori internalizava cada palavra, como se elas estivessem sendo gravadas na sua pele, contando uma história de um passado distante, o que não deixava de ser verdade. Embora não pudesse afirmar com certeza, entendia a complexidade dos escritos e, de certa forma, sabia que tais conhecimentos não surgiram do dia para a noite; eles foram cultivados através das pesquisas de outros, até florescerem a partir de um estilo único e igualmente complexo.

De fato, ler sobre o assunto não tornaria Ethan apto àquele tipo de técnica, sabia disso. No entanto, uma estranha compreensão acompanhava essa certeza, sentia como se não precisasse se esforçar para se apossar do conhecimento. Cada linha e instrução era absorvida e assimilada de uma maneira única, onde as formulas de selamento, com seus padrões indecifráveis, eram como uma espécie de quebra-cabeça. Já o chakra, e o controle do mesmo, servia unicamente para ligar todas as peças, movendo-as conforme a necessidade. Desse modo, após dedicar cerca de 8 horas para aprender e revisar todos os conceitos referentes à arte, não sentia que havia qualquer lacuna na curva acelerada de aprendizagem. Ethan estranhou a facilidade com que aprendeu superficialmente os conhecimentos de uma vida, mas também entendia o porquê de aquilo acontecer, afinal de contas, de acordo com alguns, era um gênio. Portanto, para ele, assimilar informações era tão mundano quanto o próprio ato de respirar.

— Como já acabou, prove que não perdi o meu tempo aqui — disse Raizo no fim da seção de treino, desconfiado. Entretanto, deixou todas as dúvidas de lado no momento em que viu o garoto marcar o centro do peito com um selo (Fūinjutsu: Kai). Ao presenciando o feito com os próprios olhos, deu de costas e seguiu só até o vilarejo. Já Ethan, como não tinha mais nada para fazer durante a noite, aproveitou para ler o pergaminho mais algumas vezes e preencher possíveis lacunas no aprendizado.

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