Naquela manhã, logo antes do sol nascer, Ethan tinha sido incumbido da tarefa de patrulhar um certo lugar da vila. Em um primeiro momento, não gostou nem um pouco da ideia, já que eram os genin que ficavam encarregados por tarefas semelhantes, no entanto, sabia muito bem os motivos por trás daquilo. O que os seus superiores chamavam de “uma missão de importância vital e que só pode ser concluída por alguém com as suas habilidades”, na verdade, era uma punição disfarçada. Enquanto se trocava, ficando uma quantidade assustadora de tempo em frente ao espelho, lembrou-se do dia em que sua vida se tornou um inferno. Há cerca de 1 semana atrás, estava em mais uma missão na fronteira do país, escoltando as cinzas de uma velha que foi cremada dentro do vilarejo. Até aí, como de praxe, não estava nada contente com o trabalho. Então quando chegou à mansão isolada que ficava em cima de uma colina, subiu morosamente todo o trajeto íngreme, a testa e as roupas completamente enxarcadas de suor e poeira. Já a velha, em seu jarro dourado que reluzia conforme o sol incidia nela, continuava na mesma: não se mexia, não se queixava, não respirava; era exatamente como qualquer outro morto. Ao fim da penitencia, deparou-se com um portão gigantesco, com grades espessas e insígnias de leões gravadas por cada ponto pontiagudo imaginável. De certo queriam parecer fortes e, principalmente, muito ricos, pensou Ethan, caminhando pelo caminho concretado, passando pelos jardins verdejantes e pelas esculturas impressionistas, onde se deparava com poses inconcebíveis e humanamente impossíveis de serem realizadas.

— O senhor pode me acompanhar. — O mordomo que trabalhou para 2 gerações da família, após atender a campainha e abrir a porta multicolorida, semelhante aos vitrais das igrejas, guiou o ninja até um escritório que ficava na ala oeste da casa. Durante o percurso Ethan observou os quadros e fotos de família dispostos nas paredes; a cor vivida que tingia a maior parte da casa com um vermelho sangue; os suportes cinzas para vasos e para outras obras de artes ornando os espaços em branco; o reflexo do rosto pelos moveis lustrados centenários de madeira; e, antes de chegar diante da porta do escritório, notou também como os corredores do mausoléu eram silenciosos e sombrios. — Senhora, com licença. O seu convidado chegou — a porta rangeu e o mordomo anunciou.

— Oh, claro — surpresa, a mulher exclamou e levou a mão até o colar de perolas no pescoço. — Charles, guarde-a para mim. — O serviçal esticou os braços na direção do Hattori, indicando que era para entregar a urna para ele. Sem demora, Ethan atendeu ao pedido do outro. — Por favor, jovenzinho, pode se sentar um pouco, imaginou que a viagem não deve ter sido fácil. Bom... e também gostaria de tratar um assunto com você. — Então ela começou a encarar um quadro de um homem careca com um cavanhaque e um bigode alongado, sua expressão era implacável. Ao dar mais um passo adiante, levantando um pouco a cabeça e, com o mesmo olhar afiado, deixando o vestido branco arrastar-se pelo chão. Parecia abatida.

— Obrigado pela gentileza, mas sem chance de eu continuar aqui. Não vejo a hora de chegar em casa e tomar um banho gelado. — Imaginando o prazer que sentiria depois concluir as suas obrigações, com um sorriso espontâneo, ignorou o pedido e, principalmente, a tristeza contida nas palavras da mulher deslumbrante de cabelos azuis. Sabia que a mesma tinha acabado de perder um ente próximo, mas em sua cabeça, não via motivos para compartilhar os sentimentos indigestos. Desse modo, deu de ombros e seguiu por aqueles corredores silenciosos, indo até a saída. Ainda que Ethan não soubesse, esse foi seu maior erro. Aquela mulher, a partir de então moveu céus e terras a fim de lhe ensinar uma lição, tentando humilhá-lo com missões sem nexo e que não tinha propósito algum, no fim das contas. E ao usar a influência com os oficiais de alta patente, fazia questão que Ethan soubesse quem era a pessoa a puni-lo.

O Hattori bufou de raiva, relembrando aquele dia. Bateu no rosto com ambas as mãos e, trajando as roupas de todos os dias, foi rumo até a área a ser patrulhada. Por coincidência, ou não, aquele distrito residencial era o lugar mais seguro e chato de todo o vilarejo. Afinal, era lá que membros de famílias importantes dentro do vilarejo residiam, com suas vidas pacatas e desinteressantes.

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Diante dos olhos do Hattori a vida seguia, as pessoas viviam suas tediosas normalmente. De cima de um prédio residencial, Ethan presenciava isso com a habilidade ocular, captando sutilezas que lhe conferiam alguma vantagem, por assim dizer. Como havia imaginado instantes antes, nada acontecia, tudo o que via era pessoas bem apessoadas andando pela rua. Não sabia se era certo desejar aquilo, mas torcia para que algum criminoso tentasse algo contra os moradores de Iwagakure, para que ele tivesse alguma emoção. Porém, como tal possibilidade era inconcebível, voltou a sua atenção para os arredores.

O último romântico

Andando pela rua acompanhado de uma jovem baixa, cabelo curto e preto, um homem de meia-idade estava prestes a se despedir da garota. Ethan, ligeiramente atento à cena, não imaginou o que aconteceria a seguir. Ao virar a esquina, o sujeito ajeitou a gravata, borrifou um perfume barato que carregava em sua pasta nos pulsos e pescoço e se dirigiu até a sua casa. Foi então que uma mulher, com um filho a tiracolo veio receber o marido. Ela, então, aproximou-se dele e o abraçou, não parava de sorrir nem por um segundo sequer.

Perplexo, Ethan observava com cuidado a recepção, sem acreditar nas conclusões precipitadas que tomava, porém, não restavam dúvidas sobre o que aquele homem fazia para aliviar o estresse. O mais incrível em toda essa história foi a forma como o seu comportamento mudou completamente. Era como se ele fosse outra pessoa. Enquanto andava ao lado da jovem deslumbrante, o peito estava estufado, gargalhava junto a ela e cada microexpressão denotava uma confiança incomum. Já com a mulher e a filhinha, relaxava a postura e não fazia questão de esconder o cansaço em seu rosto, por causa das longas horas de trabalho. Em seguida, a família feliz entrou em casa, passando pelo jardim florido.

Amigo do peito

Agora, voltado a atenção para o prédio na sua frente, Ethan viu uma luz fraca vindo de uma das janelas, por sorte, conseguia ver o que acontecia dentro do apartamento. Duas mulheres, com cerca de 30 anos se abraçavam. Enquanto uma se debulhava em lágrimas, a outra dava tapinhas em suas costas, consolando-a. A cena continuou por alguns minutos. No entanto, mais uma vez Ethan voltou a ficar surpreso com um acontecimento corriqueiro. O caso era que assim que a amiga foi embora, a outra pegou uma taça de vinho sobre a bancada da cozinha, sentou-se no sofá e começou a resmungar consigo, ressaltando o quanto achava maçante ter que consolar a amiga sempre que a mesma tinha alguma desilusão amorosa. Entre um gole e outro, conforme o corpo relaxava, ela demonstrava veementemente o quanto estava contente com a partida da outra.

Então, assim que presenciou a cena, Ethan puxou na memória os acontecimentos recentes. Tinha uma visão clara de como ambas agiam, a forma como seus corpos inclinavam-se em direção à outra, e de como que gestos simples pareciam ser efetivos na situação. Além disso, ficou intrigado com a habilidade demonstrada pela mulher, onde ela articulava corpo, as palavras, tudo para demonstrar que se importava, quando, na verdade, não dava a mínima.

Um rosto bonito

Desviando a atenção para alguns andares acima, em uma miríade de apartamentos escuros e vazios, Ethan viu um homem loiro, olhos azuis, com o rosto perfeitamente simétrico, vestindo um terno preto e com uma pasta na mão. Ele conversava com um casal sobre “uma oportunidade única para mudar as suas vidas”. Segundo ele, a empresa em que trabalhava conseguiria garantir um futuro estável em uma janela de 5 anos, onde o dinheiro dos dois seria gerido por eles, usando-o em suas operações. Em troca da confiança, os valores recebidos pelo casal seriam astronômicos. O Hattori, diante de uma oportunidade como aquela, ficou tentado a procurar o loiro ele mesmo, mas no instante seguinte, quando percebeu uma irregularidade nos batimentos do mesmo, hesitou. Quem dera o casal tivesse uma habilidade como aquela, isso provavelmente os impediria de assinar os papeis que estavam sobre a mesa. Foi então que o vendedor se aproximou de ambos, uma mão gentil no ombro, um sorriso encantador e confiável, bastou apenas isso para o casal abrir as carteiras, entregando o futuro de ambos nas mãos de um desconhecido.

Por outro lado, para Ethan que via o desenrolar da cena de fora, aquilo não fazia o menor. Simplesmente não compreendia como alguém poderia manipular os outros de tal forma. No entanto, logo uma pergunta tão cruel surgiu: por que ele não conseguia fazer o mesmo? Por que só recebia hostilidade dos demais. Ao fim da introspecção, uma resposta veio à mente: ele não era um bom mentiroso, nuca fez questão de fingir que se importava com os outros. Da mesma forma, nunca deixou que a postura transparecesse o que os outros queriam e, também, jamais buscou agir com uma confiança que contagiasse a todos, jamais preocupou-se em vender sonhos.

[...]

Depois daquele dia, talvez em uma paranoia particular, Ethan começou a ver tudo como um grande jogo. Agora, todos não passavam de mentirosos querendo enganá-lo, tirar proveito da situação, não importando qual fosse. Sendo essa a sua conclusão, o Hattori decidiu que, se precisava mesmo jogar, então seria o melhor. Sendo assim, cada interação amistosa que tinha não passava de um treino.

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