Talvez fosse sete da manhã, ou seria mais próximo das oito? É difícil dizer, no entanto lembro com clareza do rosto pálido, mais que o normal, que minha mãe tinha ao adentrar meu quarto naquela manhã. Seus lábios estavam serrados e seus olhos murchos, pareciam ter chorado muito, suas palavras saíram no entanto sem gaguejar ou qualquer interrupção. Ela se sentou ao meu lado na cama, apertou minha mão direita, sua pele estava muito gelada naquele dia, e com pesar ela informou que seu irmão mais novo, meu tio consequentemente, havia falecido na noite anterior. Ela não me informou o motivo, como ele morreu permanece uma incógnita, tudo que eu sei é que o tio Abane já não estava mais entre nós, e isso de certa forma era muito triste.

Me lembro de passar muito tempo no banho aquele dia, recordando das memorias que tinha com meu tio, que apesar de não ser muito próximo, era de certa forma uma inspiração para mim. Um dos únicos ninjas que minha família tinha, e por consequência uma pessoa que eu sempre me espelhava afim de me tornar um ninja, sempre sonhando em conhecer o mundo. Tio Abane as vezes me trazia coisas que conseguia em suas missões, kunais quebradas, coletes velhos e todo tipo de bugiganga que eu pudesse usar para me imaginar como um shinobi, então perder esse laço com o mundo ninja realmente foi um baque e tanto. Depois do banho passei muito tempo me secando, o piso branco do banheiro e meu reflexo no espelho me faziam lembrar dele, tal acontecimento me fez derramar algumas lagrimas escondido. Vesti um terno branco para ir ao seu velório, era sua cor favorita e uma das características de nosso clã, clã esse que ele carregava nas costas com orgulho. Precisei da ajuda de minha mãe para abotoar as mangas do terno, e nesse tempo consegui fazer a mesma sorrir com uma brincadeira inocente, no entanto pelo resto do dia ela permaneceu com um olhar frio.

Não foram muitas as pessoas que apareceram para se despedir de meu tio, a maioria esmagadora era nossa família e as poucas outras eram ninjas que eu imaginei terem trabalhado com ele em algum momento de sua vida. Seu corpo estava em um caixão de madeira vermelha, os entralhes eram em branco com o símbolo do clã. Estranhamente seu rosto parecia sorridente, como se ele realmente estivesse descansando em paz, oque me fez ter arrepios por alguns segundos. Ela não tinha machucados, ao menos não visíveis, e vestia roupas leves de mangas longas, seus chifres no topo da cabeça sempre foram motivo para eu chama-lo de boizinho e fazer brincadeiras, e agora tudo que ele me faziam ter era tristeza, não era um lugar que eu queria estar. No entanto uma mulher ali chamou minha atenção, ela não era da família e também não aparentava ser uma ninja, suas vestes eram brancas como as de médico, mas seu rosto era fúnebre e sombrio.

Depois do enterro de meu tio passamos tomar sorvete, me lembro claramente de pedir o de morango que é meu favorito, enquanto percebi que minha mãe ainda se encontrava com o mesmo semblante triste. Concidentemente quem também estava lá era a mulher com rosto fúnebre e vestes brancas, dessa vez não me aguentei e fui perguntar a mesma quem era e como conhecia meu tio, no entanto suas respostas não eram a que eu esperava -Sou Yuki garoto, como a neve.- Jurei ver um pequeno sorriso forçado aparecer em seus lábios -Eu não conhecia seu tio, no entanto trabalho preparando os mortos para o velório, como já estava tarde eu fiquei no do seu tio. Também sempre passo aqui tomar sorvete, não pense que é especial.- Preparando mortos? De início não entendi, e voltei a questiona-la -Eu retiro as entranhas, coloco parafina, deixo eles em uma posição bonita e faço a maquiagem. Gostou da resposta?- "Deus, nem um pouco!" Infelizmente só pude pensar isso antes de me distanciar da mulher.


Não sabia, ao menos não naquela época, eu eu voltaria a me encontrar com Yuki e não demoraria para isso acontecer. Algumas semanas após a morte de meu tio eu me encontrava na biblioteca da vila, concentrado nos estudos para conseguir me tornar um ninja, foi quando um calafrio percorreu minha espinha e pude sentir algo frio na minha frente. Ao levantar os olhos com calma notei a presença de Yuki, a mesma se encontrava afundada nos livros e parecia muito concentrada para notar minha presença, no entanto considerando o livro que eu estava estudando: "Anatomia do corpo humano by: Eddye" Me veio o pensamento de chamar a mesma para uma conversa, afinal presumi que sua profissão lhe concederia algum conhecimento sobre isso. Cheguei perto da mesma e nem assim ela me notou, só se virou quando chamei por seu nome, e quando fiz as perguntas sobre o conhecimento em anatomia humana ela abriu um largo sorriso -Veja só, parece que tem alguém curioso sobre nosso corpo. Venha comigo.- Aparentemente ela havia se lembrado de mim, só não consegui dizer se isso era bom ou ruim.

Yuki me levou até seu local de trabalho, ou seja, o necrotério. Eu não esperava estar rodeado por cadáveres aquele dia, no entanto parecia ser uma oportunidade única de aprender com uma profissional e com "materiais" ainda frescos e verdadeiros. A mulher me chamou para perto de um corpo e começou a falar -Sei que sua família é rica, por 5.000 por semana eu vou te ensinar tudo que sei, fechado?- Aceitei sem pestanejar, não parecia ser muito dinheiro, ao menos não para mim, e em troca eu teria muito conhecimento prático e teórico em uma área muito importante para qualquer ninja. Um bisturi foi entregue em minhas mãos segundos depois, e as palavras que Yuki proferiu de inicio me assustaram, afinal ela havia mandado eu abrir o estomago do homem morto ali em minha frente, para que pudéssemos começar a limpeza. Relutei inicialmente mas o fiz, apertando a ferramenta metálica contra a pele abaixo do umbigo do homem e subindo lentamente, no entanto infelizmente não havia aplicado força o suficiente e tudo que pude fazer foi cortar a pele superficialmente, tirando um gritinho de desgosto de minha "mestre". A mesma pegou o objeto de minhas mãos e me mostrou como fazer, aplicando força desde o inicio, a pele e carne foram cortadas junto, arrancando todo couro e músculos até revelar os órgãos internos que sua caixa torácica guardava. E foi aquele o primeiro, de muitos, momentos em que eu cheguei muito perto mesmo de vomitar, mas me mantive firme por conta do objetivo que tinha em mente.

As semanas se passaram, e, sempre que aparecia um oportunidade, ou melhor dizendo alguém morria, eu acompanhava Yuki durante todo o processo desde a chegada do corpo. Já não tinha mais vontade de vomitar, pelo contrario, eu nem mesmo usava mais luvas para executar o trabalho. Retirava os órgãos (alguns ainda quentes) dos corpos e depositava em bolsas com gelo para possíveis doadores, enquanto fazia isso podia facilmente estudar a estrutura interna do corpo humano, memorizando a localização de cada tendão, cada musculo e cada órgão. Pude até mesmo apreender a movimentar algumas terminações nervosas que ainda funcionavam, com toques no cérebro quando a vitima havia morrido a pouco tempo. Com toda certeza aquela foi a experiencia que mudou minha vida, e tudo havia começado em uma manhã fria, com a morte de meu tio e as mãos geladas de minha mãe. Por algum motivos as mãos acabaram sendo um certo ponto de interesse meu, passando a estudar muito como os movimento das mesmas era executado e coisas do tipo, como os tendões funcionavam por cima dos ossos, como o corpo humano de modo geral era extremamente frágil.

Infelizmente meu tempo de aprendizado não terminou da melhor forma possível, tudo por um pequeno empecilho: A morte de Yuki. A mesma acabou tirando sua própria vida, infelizmente eu nunca havia notado todos seus demônios internos, mesmo que ela inicialmente me passasse um ar fúnebre isso havia acabado com o tempo, e aquela noticia me pegou realmente de surpresa. No entanto algo foi aproveitado disso, ao menos eu pude aproveitar algo disso, pois após sua morte e com a autorização do dono do necrotério (diga-se de passagem suborno) o corpo de minha mestra em anatomia humana foi cremado, afinal eu queria preservar sua memoria viva, não queria ver a mesma dentro de um caixão gelado, e suas cinzas ficaram em minha responsabilidade, já que não havia familiares ou amigos que reivindicassem tal coisa.

• Palavras: 1437
  
• Aparência: Essa. Com vestes ninjas de kiri: Colete azul, calças de cor cinza e sandálias negras.
  
• Obs: Filler de Status + Qualidade: Anatomia Humana (1)