O clima festivo é o suficiente para fazer aquele distrito comercial parecer outra coisa completamente diferente. A feira de iguarias era um atrativo arrebatador naquela época da primavera, onde o pescado era fresco e os crustáceos em período de migração eram reluzentes e viscosos. O grande destaque da festa ficava mais próximo do cais em ordem de receber os visitantes estrangeiros, mas não evitava que se arrastasse até ali, naquele bairro humilde que eu chamava de lar.

Estar em uma missão tão próximo de casa era, na realidade, muito assustador. Minha mãe abriria a mercearia sem pestanejar, afinal, não se deixava de lado uma oportunidade de alto faturamento como aquela. Quando lhe avisei sobre meu serviço como shinobi, ela não ficou nada feliz; contava com meu auxílio no nosso comércio. À contragosto, ficou decidido que ela chamaria as duas filhas da vizinha para me substituir.

Apesar da proximidade, eu não podia deixar que aquilo tirasse o meu foco. Aquele distrito era minha responsabilidade durante o evento e eu precisaria manter a atenção total em prol de evitar problemas. Tratei de começar com uma ronda geral para ficar de olho nos encrenqueiros de sempre e mais ainda nos visitantes — por sorte, como eu era nativo dali, não seria difícil identificá-los.

Não demora muito para que os problemas se façam presentes. Bastou uma rápida ronda em uma das vielas mais reclusas do distrito para que eu notasse um grupo suspeito. Três homens cercam uma senhora de vestes coloridas com uma expressão assustada. Quando noto um reluzir metálico na mão de um deles — uma faca kunai —, é a minha deixa para me intrometer. Com o coração batendo forte — aquilo nunca sumia —, respiro fundo, reúno a coragem necessária e grito:

— E-ei... O que tá acontecendo aqui? — digo mais baixo do que o planejado, mas alto o suficiente para me fazer ser ouvido. O trio malencarado me olha enquanto trato de armar a postura mais rígida que posso.

— Heh — o que segura a kunai caçoa, e então guarda a faca. Ele me fita com um olhar de "isso não vale a pena" e se vira para sair, não antes dando um encontrão na senhora.

O outro mais próximo o segue, mas o mais forte entre eles marcha em minha direção com os punhos cerrados. É minha outra deixa: faço rápidos movimentos de mão e armo, pela primeira vez, o Genjutsu oriundo da Arte Ninja da Flor — eu estava relativamente ansioso para testá-lo. Observo com certo fascínio as pétalas ilusórias se materializando ao nosso redor, dançando misticamente. Logo, elas encobrem o homem e sua expressão muda, adquirindo tons de confusão é desorientação. É aí que pego a senhora pelo braço — com a maior delicadeza que posso, dada minha pressa — e então corremos dali.

O alvoroço me tira o fôlego enquanto corremos dali. Abrimos caminho entre os transeuntes até finalmente pararmos em um ponto da rua principal. Ponho as mãos no joelho, bebo um gole de água do cantil e respiro fundo. Preciso falar com meus superiores sobre aqueles encrenqueiros. Mas antes de recalcular minha rota, sou soterrado pelo agradecimentos da senhora. Tento ser cordial, explicitando que era apenas o meu serviço, até finalmente ser liberto novamente.

Depois daquela agitação inicial, encontro um Jōnin e rapidamente trato de avisá-lo sobre o arruaceiro preso num Genjutsu em um beco dali, além de comentar sobre seus comparsas. Após o relatório, posso voltar para minha ronda, agora tratando de encontrar algum outro tipo de desordem. Não vai ser um dia tranquilo, concluo.

Saio andando, envolto pelos aromas pungentes das especiarias marítimas e o canto dos vendedores que bradam seus preços. É natural para mim, sendo um nativo de Kiri, mas consigo imaginar o encanto dos estrangeiros com toda aquela vivacidade. Ainda assim, não posso me permitir ser envolvido por aquela distração. Volto meu foco para grupos suspeitos, vendas capciosas, um acordo ou outro que pareça errado... Em minha peregrinação pelo festival, decido novamente migrar para áreas menos movimentadas, agora em uma região adjacente ao cais. É um local um pouco afastado do porto de embarque e desembarque — sutil e perfeito para negócios sombrios.

Para minha surpresa, o lugar está surpreendentemente calmo e vazio. Faço algumas rondas, mas nada me chama a atenção. Nenhum resquício de objetos, símbolos estranhos... nada. O sol do entardecer começa a destacar seus raios alaranjados, e aí penso que posso estar perdendo a oportunidade de oferecer meu real valor na proteção do evento. Talvez ir até ali tenha sido uma má ideia, e agora perdi tempo demais nessa busca.

Entretanto, quando estou girando os calcanhares para partir, sou emboscado. O mesmo homem da kunai de antes, com o mesmo sorriso traiçoeiro. O outro comparsa surge na minha retaguarda. Há quanto tempo estão me seguindo? Uma pergunta pior me atravessa: como fui tolo o bastante para não notá-los?

— Nos encontramos de novo, garoto — ele rosna, rodando a arma entre os dedos. — Agora me diz, quanto você acha que custa essa bandana no mercado pirata? Ou melhor... esses dentinhos de tubarão aí?

Respiro fundo. Estamos ao lado do cais: perfeito. Fecho os olhos e canalizo a água e toda a umidade ao meu redor, sentindo-a envelopar-se ao meu redor. A proteção líquida é o suficiente para espantar meus terrores.É o meu elemento; minha defesa e meu ataque. E assim, começo minha investida.

A água que circunda a área ao meu redor parece pegá-los de surpresa. É como a dança das pétalas, eu penso. A sensação do líquido dobrando-se à minha vontade vem com naturalidade; me movo com precisão, arrastando os pés e gesticulando para manipular. Faço proveito da surpresa inicial dos dois para derrubar o homem atrás de mim, depois utilizando a água de forma defensiva contra a investida armada daquele à minha frente. Faço um giro, a umidade circulando à minha volta, para enfim chicoteá-los e imobilizá-los.

Assim que os mantenho no chão desacordados, devolvo a água para o mar e trato de recorrer aos Jōnins para tratar daqueles contrabandistas. Depois de tudo, a tarde já está projetando-se sobre nós.

Suspiro enquanto caminho pela rua do meu distrito. Acabou que mal pude aproveitar o festival. Mas o que eu esperava? Era um dia de serviço, afinal. Por fim, chego à mercearia de minha mãe. Posso concluir que tivemos um saldo muito positivo com o vazio das prateleiras. Encontro a matriarca Hōzuki se despedindo de suas ajudas temporárias; cumprimento-as de forma desconsertada e me sendo atrás do balcão. Respiro fundo — estou cansado. É neste momento que, numa gentileza silenciosa, minha mãe deposita um bolinho de berinjela e ervas. Sobrou? Aqueles geralmente acabavam com rapidez. Ou guardou pra mim?

Não valia a pena perguntar, e ela já havia começado a limpar a bagunça, preparando para encerrar os serviços. Apenas agradeço mentalmente e devoro o salgado — percebo que estou faminto. Apesar de frio, ainda estava uma delícia. Então, seguindo nossa cumplicidade estranha e distante, ajudo-a a fechar a mercearia.

A chuva de primavera é um fenômeno perfeito. Basta aguardar um pouco em um campo aberto, no meio daquela mistura de temporal sem vento, ainda com o calor da estação, que a estrela principal surge: a tempestade de raios. Depois de alguns minutos ali, bingo. O primeiro relâmpago corta o céu com um lampejo áustero. Primeiro, surge o brilho que se ramifica como veias de um riacho, e logo... o estrondo. Existia uma tática para delimitar sua distância, não existia? Contar os segundos depois de identificar a luz do raio até ouvir o barulho, e isso era convertido em quantos quilômetros de distância ele estava... mas abandono a ideia. Não era por isso que tinha vindo.

Minha atenção se desdobra para o domínio elemental daquela natureza tão estoica e imprevisível. Era curioso, pois ao mesmo tempo eu estava sendo envolvido pelo meu elemento de afinidade, Suiton; uma combinação perigosa. Mas era um risco necessário, e eu tinha uma medida de segurança — saco meu recém-comprado tantō, a lâmina reluzindo contra o brilho, utilizando a mão com a luva protetora; meu condutor metálico.

Outro relâmpago cruza o céu. Um, dois, três, quatro, cinco... A contagem se esvai até o estrondo. Muito longe. Aguardo o próximo, e dessa vez subo em uma das árvores da clareira daquela planície. Enquanto isso, também canalizo e preparo o Chakra. Outro feixe de luz cruza o céu, e dessa vez seu brilho parece mais nítido. Um, dois, três... Assim que o barulho do relâmpago percorre os céus, aponto a arma para cima e canalizo a energia que consigo para domar o raio. A sensação é automaticamente assustadora. A energia elétrica é quase incontrolável. Observo aquela ramificação se desdobrando, descendo dentre as nuvens... até atingir o metal do tantō. Meu braço inteira vibra, e preciso segurá-lo com o outro para conseguir domar aquela irreverência natural. Mas funciona. Estou dominando a energia elétrica, até que não consigo mais controlá-la e solto o Chakra que canalizo.

O esforço é exaustivo, mas recompensador. Só que ainda não é o fim daquele treino. Havia também um desejo de aperfeiçoar minha aptidão de nascença com as técnicas ilusórias; se tinha algo em que eu poderia me especializar, era naquilo. A habilidade natural em algo podia me garantir algum destaque, mas o aperfeiçoamento e o trabalho duro seriam capazes de me destacar ainda além.

Aproveitando todo aquele cenário apoteótico, decido seguir utilizando os raios como plano de fundo das minhas habilidades. Meu conhecimento em Genjutsu me levara para táticas que exigiam um pouco mais, e o que eu estava tentando fazer ali definitivamente era mais avançado: manipulação de imagem e som. Um, dois, três, quatro... Contabilizo e estudo o movimento dos relâmpagos, sua forma ramificada, a gravidade de seu retumbar imponente. Será preciso algumas tentativas para reproduzir tudo aquilo com perfeição.

Expando então meu Chakra para aquela área, criando uma espécie de redoma que emule o céu. Tento então representar a imagem dos relâmpagos cruzando o cenário... Bom, visualmente era até mais fácil tendo a referência logo acima de um raio de verdade, mas o som exige um pouco mais de esforço para atingir o razoável. Continuo com a prática até me exaurir pelo dia, atingindo um resultado relativamente satisfatório. Tomo um gole de água do cantil e sigo para casa.

O que me circunda é o mesmo lago aonde desenvolvi a dança das pétalas — sou agraciado por sua atmosfera etérea, a água morna na altura dos calcanhares, as mesmas flores de lótus que navegam ao meu redor e o suave e quase imperceptível zumbido de libélulas que bebericam por ali. O sol crepuscular de fim de tarde toca minha pele com fraqueza, alaranjando minha jaqueta cinza e lembrando-me da sensação de corpo aquecido. Respiro fundo. Não estou ali pelo mesmo motivo da última vez — parece haver uma infinitude de tempo entre uma visita e outra — e nem está minha misteriosa mentora. Entretanto, ela não será necessária.

Trago comigo o pergaminho que descreve o curioso estilo de luta envolvendo bolhas de sabão envoltas em Ninjutsu. Adquiri, em prol daquele treinamento, um soprador metálico — algo que não interajo desde a infância. Aquele, porém, era muito mais elaborado e adornado de detalhes do que os simples tubos de bambu que eu usava. Era um instrumento de batalha, definitivamente, apesar de ser um bastante peculiar.

Trato então de iniciar meu treinamento seguindo o que o pergaminho indica. Imagino que não será algo tão complicado quanto o controle de água, minha natureza primária, já que a proposta é a mesma. Isso até me lembra de como utilizei o Suiton para me adequar à Arte Ninja da Flor, e a recordação me traz certa alegria. Estar aumentando meu arsenal com aquelas técnicas era muito satisfatório. Porém, as coisas não são tão simples quanto eu imagino. Emitir as bolhas imbuídas com Chakra é fácil, mas controlá-las torna-se uma tarefa difícil. Manipular uma estrutura tão fina é complicado e requer muita concentração, e todo o aparato de rodopiar e lançá-las também é como uma dança — uma bem mais laboriosa que o Hana Ninpō. Porém, minha familiaridade com o elemento principal em que o estilo se baseia é um auxílio à mais, tornando o aprendizado possível. Termino o treinamento admirando o delicado soprador metálico.

Com aquela parte da sessão de aprendizado finalizado, escalo um galho baixo daquele manguezal e deposito meus pés na água rasa, salpicando-os um pouco em sua temperatura morna, relaxando. Saco então um pergaminho de cálculos e problemas de lógica — depois de trabalhar o corpo e o Chakra, era hora de reforçar os músculos da mente.

A sequência de exercícios iniciais percorre sem muitas dificuldades, lidando apenas com problemas gerais de atividades ninja. Não posso deixar de concluir que minha recente experiência prática com aquele tipo de situação era de grande auxílio; ter vivenciado momentos parecidos, sozinho, tornava mais fácil compreender o que os problemas exigiam e qual a maneira correta de prosseguir. Noto que muitas daquelas decisões eu mesmo tive que tomar em campo. Era compreensível, agora, que nem sempre há uma única opção correta — até as alternativas capciosas possuíam "excetos", "poréns", "mas", "a menos que" e "todavias". Especialmente quando a vida de civis estava em jogo, eu havia descoberto. A noite cai sobre mim como um manto escuro, somente quando percebo que já está ficando difícil de enxergar o pergaminho naquele breu que se inicia. Termino os estudos com certa dor de cabeça, mas com o cansaço reconfortante de saber que há certo progresso e prosperidade em meu caminho shinobi.