Só restava um inimigo, mais um inimigo e Ethan poderia se entregar às dores e ao cansaço, indo direto para o chão. Mas enquanto o sujeito de cabelos azuis continuasse de pé, em cima do telhado da casa mais pomposa da vila, ele não tinha permissão para cair. Sabendo disso, começaria a se aproximar do azulado, um passo de cada vez, tentando não se entregar. A visão estava turva, e os seus passos ziguezagueavam o campo de batalha, porém, o olhar continuava fixo na única silhueta que importava, na figura do avô.

“Só mais um pouco... Preciso aguentar só mais um pouco...”, embora tentasse se enganar, Ethan sabia muito bem que não estava em condições de enfrentar o homem que derrotou o seu avô, e isso o apavorava. Naquele momento, não importava o quanto queria o salvar o velho, aquela vozinha na sua cabeça, que ganhava força conforme o tempo passava, insistia em confronta-lo com a verdade, revelando que todo aquele altruísmo não passava de uma farsa, algo que servia meramente para satisfazer o seu ego. Independente de qual fosse a verdade, Ethan continuava seguindo em frente, ignorando todos os conflitos que não era capaz de resolver por conta própria, esperando que a sua determinação não fosse ruir frente ao desespero.

Quando o Jonin finalmente cessou os seus passos, encerrando aquele momento singular onde a incerteza e olhares obstinados tomavam conta do campo de batalha, não havia mais como voltar atrás. Ou sairia de lá com a vitória e salvaria o avô, ou acabaria conhecendo a derrota e as suas consequências irreversíveis. A partir daquele ponto, Ethan jamais aceitaria um desfecho diferente.

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— Como você quiser — vendo o sobrinho parar a 20 metros de onde estava, Ben começou a se levantar. — Antes do banho de sangue começar, gostaria de te perguntar algo: o quanto você sabe sobre nossa história amaldiçoada? E mais importante, você leu aquele pergaminho vermelho, não foi? — Aguardando uma resposta, voltava colocar o mesmo sorriso sádico no rosto.

— Que importância tem isso agora? — embora tentasse desviar o rumo da conversa, Ethan não faria questão de esconder o seu desconforto ao ouvir sobre o “pergaminho vermelho”.

— Como imaginei, você ainda é só uma criança que não compreende a própria história, um tolo fadado a repetir os mesmos erros daqueles que vieram antes. Nesse momento, este é você, Ethan, um boçal que nega a verdade diante dos seus olhos pois é conveniente. Se não acredita em mim, prove que estou errado! Vamos! Mostre para o seu avô que você foi capaz de deixar pra trás essa limitação ridícula que foi imposta pelos nossos antepassados — vendo que o garoto continuava imóvel, apenas reagindo às suas palavras, continuou. — Está vendo?! Você não é diferente daqueles que amaldiçoaram as nossas habilidades e nos chamaram de “Demônios”! No fim... tudo se resume a isso; eles queriam nos controlar e conseguiram. Então, Ethan, antes de se achar melhor do que eu, saiba o seu lugar. Não pense que você especial, pois te garanto que não é. Assim como os outros, você continua reprimindo os seus instintos, tentando se convencer de que não é um monstro. Ao invés de aceitar a sua verdadeira natureza, prefere se apegar a um senso patético de honra — reforçando todo o repúdio que sentia pela situação, cuspiu no chão.

Ao ver que todo o seu discurso continuava não surtindo o efeito desejado, Ben deixou os braços rente ao corpo, liberando uma quantidade assustadora de energia logo em seguida (Mukyū Shunkō). — Ethan... Conheça o desespero... — por fim, movendo os lábios lentamente, sussurrou.

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Oliver, ainda de joelhos e sem poder se movimentar com liberdade devido aos grandalhões do seu lado, observando o desenrolar da batalha, se culpava pela grande tragédia que atingiu a vida de todos. Assim como qualquer pai, ficava contente ao constatar que Ethan havia se desenvolvido e que já era capaz de cuidar de si, se necessário. Porém, ainda que tentasse, não podia negar esse seu outro lado, aquele que já sabia o final dessa história cruel. A culpa era, em parte, sua, e não podia fazer nada para impedir o inevitável. Apesar dos seus esforços para negar a realidade, teria que assistir o neto morrer diante dos seus olhos. Ao se dar conta disso, sentiu uma dor como nenhuma outra, que tampouco podia ser colocada em palavras.

— Já chega!!! — ao ver o filho usar a técnica que não traria nada além de morte e sofrimento, como uma fênix ressurgindo das cinzas, o velho deixava de lado toda culpa. Naquele instante, com aquela entonação imponente e vaidosa, o Oliver que ambos tinham motivos para odiar reaparecia, disposto a fazer o que fosse preciso para mudar o destino do neto. — Sou eu que você quer, não ele. Dentre todos aqui, fui EU que decidiu seguir com as tradições e deixar esse poder soterrado nas memórias daqueles que não estão mais aqui. É como você disse, embora Ethan não admita, ele é como você, um animal sedento por sangue, uma desgraça para o nome Kato. Ben, você sempre esteve certo, de fato existe algo dentro de nós que nos leva a procurar esse poder, como se fossemos levados a reivindicar o que é nosso por direito. Então vamos acabar logo com isso. Me mate!! Chegou a hora de acabar com a vida miserável da pessoa que fez da sua um inferno! — Se debatendo e deixando toda a raiva que o acometia transparecer, Oliver tentava, desesperadamente, atrair a cólera do filho para sua persona.

— Viu? Foi tão difícil assim admitir que eu estava certo esse tempo todo? — ainda que tivesse visto além das tentativas do velho, desvendando os motivos nobres por trás das suas súplicas, Ben aproveitou a situação para se divertir um pouco. — Sabe, eu até gostaria de continuar com a nossa conversa, mas... acho que o garoto ainda não entendeu o que estamos querendo dizer aqui. Então, se me dá licença... — utilizando toda a sua velocidade sobre-humana (50 m/s) para romper a distância que o separa do pai, Ben terminou a sequência de movimentos arrancando o braço esquerdo do velho com a ajuda da energia eólica que o cercava — preciso mostrar para ele do que nós, demônios, somos capazes — segurando o membro decepado como se fosse um troféu, erguendo-o acima da cabeça, voltou a encarar Ethan com um sorriso no rosto.

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Se não fosse pelos gritos de dor proferidos por Oliver, o silêncio voltaria a tomar conta do vilarejo. Ethan queria dizer algo, ou, talvez, tentar impedir o que sabia que estava prestes a acontecer, mas, diante de movimentos que seus olhos nunca imaginaram acompanhar, só restava a inércia como opção. Nem mesmo o grito que permaneceu entalado na sua garganta seria capaz de revelar todo o horror que a situação traria consigo. Portanto, enquanto observava o azulado sacudir o membro decepado de um lado para o outro, a única coisa que fez foi deixar que a espada corresse livre na destra, acompanhando a tremedeira repentina que acometeu seus braços e pernas. Ele estava com medo, aterrorizado, apavorado demais para se importar com o fato de estar fraquejando diante do homem que tramava contra a sua vida.

Apesar de permanecer em pé, consistente de todas as atrocidades que presenciara, Ethan não tinha mais uma base para poder se apoiar. Depois de tudo, só restaram algumas memórias que, como tudo naquele momento, começaram a desmanchar. A pintura à qual dedicou toda a sua vida para dar forma começou a escorrer para fora da tela, no mais puro ato de rebeldia. Contudo, ele ainda conseguia experimentar todas as memórias que as pinturas retratavam. Dessa forma, via cada momento feliz escapar pelos dedos; os sorrisos nunca existiram, a felicidade não passava de um delírio de um homem que tentava, incansavelmente, fugir da realidade amarga ao seu redor.

Naquele momento, Ethan era apenas um animal encurralado, disposto a arrancar a própria perna caso isso pudesse assegurar a sua sobrevivência. “Sobreviver”, nenhuma palavra foi ouvida tantas vezes em sua mente quanto aquela. Sobreviver, não importando como, continuou pensando. Ao final, quando toda aquela inquietação chegara a um frenesi quase insuportável, ele havia finalmente tomado uma decisão: também tomaria parte naquele jogo infernal, tornando-se o “demônio” que estava destinado a ser.

Após anos lutando contra o passado dos avós dos seus avós, contra o mal que habitava nas suas entranhas, o Jonin finalmente estava entregue. Sob o mesmo manto que torneou e lapidou as habilidades daqueles que viveram com o único objetivo de matar por alguns trocados, Ethan estava à mercê do destino. Já que manter todo o passado enterrado debaixo de uma pilha de livros e pergaminhos empoeirados não era mais o suficiente, se libertaria do tabu imposto sobre a habilidade intrínseca a toda má fama daqueles que compartilhavam a mesma herança sanguínea. Sendo assim, entregue aos seus instintos mais primitivos, deixou que um grito anunciasse o seu despertar, como se o som das correntes caindo ao chão fizesse parte do ritual de libertação.

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Ethan avançou. O medo não tinha mais influência sobre o seu modo de agir ou pensar, portanto, poderia avançar com um único objetivo em mente, acabar com aquele homem. Sem medir consequências, com a mesma espada de outrora e apostando tudo no ataque, planejava dar um fim àquilo tudo cortando o homem ao meio. No entanto, os seus movimentos não eram bons o suficiente, já que, sem esforço algum, Ben desviava de todos, movendo os pés como se estivesse em uma dança rítmica e coreografada. Cada um daqueles cortes imprecisos e impacientes eram evitados com maestria, revelando, assim, o abismo entre ambos. Enquanto Ethan seguia partindo com fúria, Ben continuava com aquele mesmo sorriso desdenhoso no rosto e com a postura arrojada, deixando as costas levemente arqueadas.

Mesmo minando todas as distrações, como a dúvida, as dores e a fadiga, a raiva aos poucos perdia a sua efetividade, em um cenário em que cada movimento era acompanhado por sangue, dor e suor. Ethan, por sua vez, apenas cerrava os dentes e esboçava uma careta, frustrado, enquanto continuava no encalço do azulado; com um passo de cada vez, se lembrando do que estava em jogo, sentia que era capaz de romper as defesas do outro. Contudo, mesmo com essa impressão, o seu corpo já não respondia aos seus comandos com a mesma velocidade. Sendo essa a sua única condição de vitória, a esperança voltava a abandoná-lo. Conforme a energia eólica à sua volta se dissipava, Ethan voltava a se sentir desamparado. Por isso, era questão de tempo até o desespero e o medo voltarem a dominar às suas perspectivas, acabando com as suas chances de conseguir um final feliz. Por fim, o corpo ficou pesado e lento; agora Ethan já não tinha meios para lutar.

— Pode descansar, garoto — disse Ben ao sobrinho. — Chega de lutar uma batalha que não é sua. — Vendo que Ethan tinha chegado no seu limite, o azulado enfim anunciou o fim do combate. Acertando o garoto no abdômen com um soco e arremessando-o para o lado, imaginou que o mesmo não seria capaz de se levantar por conta própria.

— Parece que não tinha como todo esse pesadelo acabar de outra forma, não é, meu velho? — voltou a falar, olhando o pai nos olhos.

Ben havia esperado muito tempo por esse dia, o dia em que resolveria os seus assuntos inacabados, mas nem por isso deixou de aproveitar a atmosfera que antecedia a morte. Ele olhava no rosto do “seu velho” esperando encontrar algum pedido de desculpas, ou, talvez, algum sinal de remorso, porém, não via nada além de um homem derrotado, que apenas esperava impacientemente pelo fim.

— Sabe — se aproximou, ficando do lado de Oliver —, eu demorei muito tempo para digerir tudo o que aconteceu naquele dia. No início, nada fazia muito sentido, não via um motivo para acabarmos daquele jeito. Mas após anos alimentando um ressentimento infindável, percebi que tinha a minha parcela de culpa. E sabe qual foi a pior parte disso tudo? — perguntou, mas tudo que recebeu foi o silêncio. — Eu... queria ter passado mais tempo com você e com a mamãe. Apesar do que aconteceu, de todo o ódio e ressentimento, saiba que eu te perdoo, pai. — Levantando a destra até a altura da cabeça e cobrindo-a com chakra, ele se preparava para dar o golpe final. Em seguida, fez uma pausa breve, liberando todo o ar dos pulmões, abandonando o sorriso de outrora. No fim, não importava o quanto queria postergar o momento, aquele vazio que o acometera não iria desaparecer nem em 1 milhão de anos. — Agora... tudo que me resta é o papel que o senhor me obrigou a escolher, pai, o de vilão. Te vejo do outro lado, velhote...

Ethan observava toda a cena com lagrimas nos olhos. Cercado por uma pilha de escombros, amargurando a derrota, queria fazer algo para impedir o tio. No entanto, o seu corpo não respondia. Ainda que quisesse se levantar como se nada tivesse acontecido, já não era capaz de lutar. O seu sangue, por outro lado, não parava de encharcar as suas roupas, fazendo Ethan pagar o preço por toda a sua displicência. — Isso não é justo. Droga — murmurou, inconformado.

Como o guerreiro que havia sido treinado para ser, lutava contra a própria fraqueza; como o garoto que nunca teve a oportunidade de crescer, chorava; como um ninja cheio de falhas e que ainda tinha muito o que aprender sobre o mundo, arcava com as consequências. Desse modo, tentando equilibrar cada aspecto conturbado da sua vida, Ethan viu a cabeça do avô rolar no chão. Ele estava morto. Não tinha mais nada que pudesse ser feito. Em resposta, Ethan queria gritar e se debater, mas também não tinha forças para isso. Agora, tudo o que podia fazer era se lamentar e esperar a morte.

— O que vocês estão esperando?! Vamos. Parece que o Rosto não está mais nesse vilarejo. — Após executar o mais velho, as pernas de Ben cederam. Se não fosse pelos dois grandalhões que o acompanhavam, ele teria caído no chão, sentindo os efeitos colaterais da habilidade que usou de forma descuidada. No entanto, mesmo com os braços apoiados nos pescoços dos seus subordinados, voltou a comandar aqueles que tinham sido derrotados pelo sobrinho. Enquanto alguns ainda estavam no chão, outros se apoiavam na parede mais próxima.

— Não precisa se preocupar, chefe, eu cuido dele — disse um dos saqueadores, ameaçando ir na direção de Ethan.

— Por acaso você ficou surdo?!! — sua voz ecoou. — Eu disse: vamos! — Assim que os seus comparsas ouviram a ordem, confusos, começaram a se entreolhar. Para a sorte de Ethan, mesmo debilitado, Ben ainda era capaz de acabar com qualquer um que desobedecesse às suas ordens, caso contrário, o executariam no ato.

O grupo de malfeitores não demorou muito para se organizar no meio daquele caos. Quando se deram conta, já estavam partindo. Apoiados uns nos outros, andavam com uma certa urgência, com medo de outros ninjas aparecerem. Ben e os dois homens que o ajudavam a andar lideravam o pelotão que desaparecia no horizonte. Enquanto isso, os outros encaravam fixamente as costas do azulado, questionando os seus motivos. O sentimento de desconfiança contagiava a todos, mas, por medo, nenhum deles se atreveu a contestar a decisão. Acompanhando, então, os passos do trio principal, os demais deixavam toda a destruição e morte para trás.

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