2023:

2024:

Passar vergonha é inevitável, penso enquanto sigo para o local determinado. Achei, com muita ingenuidade, que receber a bandana limitaria as chances de demonstrar o quanto meu desempenho físico era frágil. Isso, obviamente, não era verdade. Meu progresso em missões, em equipe, em relatório e treinamentos... tudo, o tempo todo, era voltado a me lembrar de minhas fraquezas. Hoje não será diferente.

Dois shinobis de ranque mais alto me esperam. São quase tão jovens quanto eu e gentis na medida do esperado, mas algo me faz achar que conhecem minha fama de fracote na Academia Ninja. Suspiro. Só posso desejar que não sejam muito cruéis. O treinamento começa de forma simples, enfim. De início, fomos para o corpo-a-corpo: técnicas básicas de esquiva de chutes e socos. Enquanto treino com um deles, o outro faz anotações. Que desastre. Não demora para que, com um golpe ágil, meu combatente me desarme com uma rasteira sorrateira e eu caia no chão, imobilizado. Eles trocam um risinho. O outro anuncia minha velocidade de resposta: vergonhosa.

Quando mudamos para a esquiva de longo alcance, meu resultado é surpreendentemente... não tão ruim. Sou capaz de desviar com certa margem de sucesso das armas não-letais que eles arremessam. As que acertam machucam e me desnorteiam, mas talvez isso seja um motivador ainda melhor para desviar com mais frequência. No fim, não chego a ser péssimo. E isso basta, concluo.

Finalizo o treinamento dolorido e com parte da dignidade ferida, mas não há muito o que se fazer à respeito além de tentar melhorar.

O clima está chuvoso, o que não me incomoda. Ali, no píer, me pergunto se meu trabalho está sendo feito por mim ou pelas mãos do clima: as docas estão imundas e a fraca queda d'água é responsável por bagunçar ainda mais o resto de lixo. Cabeças de peixe, cascas de crustáceos e resíduos de cerveja e urina almiscam o odor daquele cenário. A garoa gelada me refresca enquanto marcho até os pescadores que ali trabalhavam diligentemente.

A tarefa é mais entediante que dolorosa. Como os materiais que me são oferecidos, recolho a sujeira, esfrego a gordura, embrulho o que não presta e descarto. O dia se escorre sem que seja perceptível. Naquele lugar, é difícil não pensar na ramificação do meu clã: os piratas de dentes serrilhados. Definitivamente não sou feito pra isso, penso. Como pode um ninja das águas que enjoa de navio? Observo os pescadores com seu cotidiano mundano, mas animado. Não demora até que um deles cantarole alguma canção do mar, sendo rapidamente seguido por um encoro. Talvez eu fosse mais feliz vivendo essa vida.

Finalizo a tarefa predestinada sem muitos destaques, apenas com o suor lavado pela chuva fraca e algumas músicas marítimas grudadas na cabeça.

A busca se iniciaria durante o entardecer. A mudança do habitual é interessante para mim, além do assunto muito pertinente aos meus anseios. Passar uma infância enfiada nos pergaminhos agora torna-se útil. Uma rápida conversa com o arqueólogo do vilarejo torna claro como somos dedicados ao assunto. Meu olhar brilha e a timidez some em prol de um debate sobre registros de outra era. Vamos debatendo animadamente ao longo do caminho até os arredores de Kirigakure.

Nosso local de interesse é um sítio arqueológico próximo de uma clareira. Armo-me de uma senbon como garantia, e somos abraçados por uma atmosfera quase programada para causar a sensação de inquietude: o uivo de lobos ao fundo, folhas secas estalando sob nossos pés, o farfalhar sinistro dos arvoredos. Meu coração acelera no peito mas evito deixar que aquilo me paralise. Seguimos em nosso objetivo, analisando o terreno com cuidado. Impeço o arqueólogo em uma de suas tentativas de se aproximar; havia algo de errado. Uma rápida análise no solo me ajuda a identificar algumas makibishis salpicadas no solo. Sabem do valor que está aqui, penso. Salteadores estrangeiros, talvez?

Apresso o arqueólogo em sua coleta. São peças e gravuras talhadas em minérios antigos com um material fragilizado, portanto, à contragosto, tudo leva mais tempo do que desejo. O homem tenta ser ágil, percebo, utilizando com destreza seu material específico. A sensação de estarmos sendo observados cresce. Finalizado o serviço, trato de agilizar nosso retorno com mais precaução que o normal, olhando para os lados e me certificando de que não há ninguém em nosso encalço.

O aroma fresco é reconfortante quando chego na longa plantação de arroz. O tamanho, inclusive, já representa um desafio. Possuo interesse no cultivo e plantio, é verdade, mas aquele seria um trabalho árduo que dependeria muito de habilidade manuais — definitivamente, o meu fraco. Mas não posso deixar que aquilo me impeça.

Estou na área afastada e rural de Kirigakure, um curioso pasto em meio ao arquipélago. É bonito, penso. Tão diferente do caos do centro comercial. A população é mais velha, de olhar cansado e gentil. Sinto até certo estrangeirismo enquanto caminho por aquela área, movendo sacos de sementes e transportando ferramentas. O trabalho em si é silencioso e tranquilo. Ouvem-se crianças brincando na água, correndo, gritando de euforia. Eu poderia me mudar para cá, fantasio. Uma moradia aqui não seria nada mal, realmente. O ar parecia mais saudável, talvez ajudasse com a fragilidade do meu corpo. Uma vida simples.

O suor na minha testa é lembrete para cessar os pensamentos e focar no serviço, então é o que faço. Em dado momento, um trio de senhoras vem oferecer comida caseira para nós que estamos ali no calor. A bebida é um néctar refrescante e gelada de frutas da região, provavelmente feita na hora. Agradeço respeitosamente por aquela bondade.

Finalizado o serviço designado, parto de volta para casa com uma pequena sacola de ervas e temperos que as gentis senhoras me permitiram trazer como souvenires. Espero que mamãe goste, reflito durante o percurso.

A manufatura de poções alquímicas era um assunto de interesse curioso. Lembro dos pergaminhos a respeito na Academia Ninja não serem levados muito a sério, mas faziam parte do meu fascínio imaginativo. É por isso que me dedico a aceitar prontamente essa missão; também como um desejo de compreender melhor o mundo da alquimia.

Para minha surpresa, três dos quatro ingredientes requisitados não me são estrangeiros: duas flores e uma erva. Lembro de ouvir seus nomes na mercearia de minha mãe, alguns sendo úteis para temperos e até venenos. A localização fica em uma área pantanosa de um dos ilhéus do vilarejo; minha maior dificuldade é o tempo que levo até finalmente chegar lá. Apesar de não ser tão acessível, navegar pelo pântano não é tão difícil e não demora até que eu ache os habitats silvestres da flora desejada.

Já o último não me é familiar: uma joia de nome esquisito localizada em uma caverna mais reservada do vilarejo. De imediato, tenho receio do ataque de lobos, especialmente por já ser final de tarde, mas prosigo armado de uma senbon. Na caverna, a cena que encontro até um pouco estonteante. As pedrinhas esverdeadas cintilam no escuro, quase reproduzindo um valor estimado maior do que realmente têm. Recolho a quantidade necessária e saio dali antes que escureça mais e o perigo daquela missão aumente.

A descrição daquela missão me deu certo frio na barriga. Rapidamente, tento espantar aquela sensação intrusa — depois de uma missão de vida ou morte em Sunagakure, aquilo me assustava? Bom, a sutileza era uma lâmina afiada. Com minha experiência ajudando no comércio de minha mãe, eu sabia muito bem o quanto uma velhinha de aparência inocente podia destruir a minha moral.

Todavia, o casal de idosos designados para aquela missão me eram conhecidos. Uma surpresa boa. O senhor e a senhora Shimazu faziam parte da clientela fiel do comércio da minha mãe; eu me lembrava até com clareza de como a senhora preferia as batatas que vinham do País do Fogo do que as cultivadas no próprio vilarejo, e como estava sempre disposta a pagar mais por isso. Aquela familiaridade é um alívio para mim. Assim que os encontro, sou bombardeado com elogios sobre minha altura, sobre como estou crescido, e também reprimendas sobre eu estar ou não me alimentando direito; a minha tosse chata não ajuda a cessar os cuidados. Ainda assim, me sinto feliz e com uma expectativa promissora para o resto do dia.

Felizmente, ela se cumpre. A filha mais velha do casal estava numa viagem para Yukigakure, e como ela era a principal funcionária da floricultura da família, eles precisavam de mão-de-obra. Eu aceito a tarefa ao longo do dia de bom grado. Além de não ser nada fora do habitual devido minha experiência com minha mãe, o cultivo de flores é uma paixão pessoal. Ajudo-os durante todo o período de atendimento, quando parto sob a promessa de me alimentar melhor, apaziguando assim as reprimendas da senhora Shimazu.

Naquele ponto da minha trajetória shinobi, já havia ficado claro meu apreço pelas missões de coleta e rastreamento. Ligando àquela com a floricultura, estava perfeito. O cultivo de plantas não era muito propagado na minha casa, exceto por uma jasmim-de-inverno mantida na cozinha, uma rara espécie apreciada pela minha mãe — talvez a única. Não diminuia meu interesse no herbalismo, de qualquer forma.

Para aquela missão, me dirijo aos arvoredos dos arredores do vilarejo. Conheço uma vegetação alva e selvagem escondida por suas clareiras — bem próxima do bosque de crisântemos amarelos que sempre visito — é aqui que está o ouro. As ervas e flores delimitadas pela missão não me são estrangeiras; conheço seus nomes, habitats e descrições visuais através dos pergaminhos, estes tão gastos de tanto eu folheá-los. Para aquelas cujo caule causa irritação à pele, armo-me de uma kunai na hora da coleta para evitar transtornos, limitando-me a tocar apenas suas pétalas. Uma das ervas possui um aroma adocicado muito agradável; permito-me demorar um pouco para apreciá-lo. Com cuidado, claro; bem sabia que aquela ali podia ser diluída em um veneno paralisante poderoso.

A atividade no geral é bem tranquila e rápida, parte de uma rotina habitual para mim — alçando-se facilmente para meu tipo favorito de missão.

Eu sempre quis ter um bichinho. O pensamento me ocorre enquanto me dirijo ao local da missão, inadvertidamente. Um gato, contemplo. Minha mãe era alérgica, o que por si só já era um fato que anulava meu sonho — mas, no geral, eu jamais teria a permissão. "Mais uma boca pra alimentar? Nem pensar, e isso vai te tirar das suas obrigações reais", foi a bronca que ouvi quando fui ingênuo demais para pedir um de presente. Todo tempo era dedicado à mercearia e aos meus estudos, nada mais.

Agora que sou um shinobi, será que a resposta mudaria? Mas decido abrir mão daquela fantasia e focar na minha obrigação real. O tal animalzinho a ser resgatado era um pequeno guaxinim atarracado em meio dos materiais de construção de um armazém. O bicho, não se sabe como, subiu até um grosso estoque de fiação, no alto de um andaime, e agora não conseguia descer — na mesma medida em que se enrolava quanto mais se debatia, correndo o risco de sufocar.

Após a orientação dos trabalhadores dali, utilizo o Kabe Hashiri no Jutsu para escalar até onde o animal assustado está. Ele se apruma com minha presença, mas aí está meu truque: levo uma pequena porção de ração. Sua atenção se foca na comida, mordiscando minha mão, enquanto vou removendo os fios e libertando-o. Num movimento rápido, agarro-o e desço de volta. Próximo do piso, o guaxinim se debate em meus braços e acaba escapulindo — bem, agora já está a salvo, e a criaturinha sai correndo sem pestanejar ou agradecer.

Talvez uma Kuchiyose seja próxima o suficiente...