Yama voltou ao seu pequeno apartamento bem no meio da manhã, depois de correr para dar conta de uma ocorrência na área externa do vilarejo, durante as patrulhas pela região. Era uma situação estranha com Vergil, mas um ricaço podia mesmo fazer o que quisesse com a própria fortuna, e com tanto dinheiro em algum momento decerto qualquer sujeito ficaria entediado, até encontrar soluções mais criativas. Ele voltou ao pequeno mobiliado esperando que tudo ficasse bem, até que se distraiu pensando que devia trocar a lâmpada do vestíbulo à porta do apartamento logo, depois de várias semanas de esquecimento. Entrar no apartamento sob uma penumbra deixava uma sensação de não estar chegando em casa, mas a qualquer outro lugar — e a bem da verdade, era assim desde que seus pais tinham partido, bem como seu irmão. O lugar não era nada além de um teto onde se abrigar durante o tempo em que não estava a serviço de Iwagakure, e em algum lugar do seu coração ele desejava que precisasse ficar cada vez menos ali, com a promoção para chūnin.
Sem mais tempo a perder, pensou que trocaria a lâmpada depois que voltasse, como já tinha feito tantas vezes antes. Já estava meio preparado para a missão que seguiria, vestido de seu traje rafado coberto por um colete leve, recebido depois de retornar do extremo sul do vilarejo, onde os eventos do exame chūnin tinham acontecido poucos dias antes. Também cuidou de ter a bolsa de armas bem ajustada à perna direita, e deixou o prédio rapidamente.

Atravessou as ruas movimentadas de Iwagakure com o sol a pino, rumando a um dos prédios mais antigos e sede de eventos muito importantes, onde um imponente salão era capaz de abrigar duas centenas de convidados, além das equipes de segurança e serviço dos eventos. Ele faria parte da primeira. Como um gesto de boa fé, o vilarejo tinha disponibilizado uma pequena adição à guarda do senhor feudal, que visitaria a vila naquele dia, para mais uma movimentação política qualquer — como um grande vilarejo, Iwagakure no Sato recebia o tipo em várias ocasiões, além de mediar importantes negociações entre empresários da região, como uma parte neutra.

Não demorou muito tempo até que ele chegasse ao lugar, um salão antigo, onde o dinheiro antigo anunciava sua presença pelos candelabros e peças de arte que jamais seriam vistas em outros lugares. Ainda vazio, uma dúzia de homens e mulheres andavam de um lado para o outro, finalizando os preparativos para a grande tarde, que seria seguida por um jantar e um leilão beneficente. O lugar de Yama ali era compondo a guarda cedida pelo vilarejo ao senhor feudal.

considerações:

O amplo salão possibilitava que Yama reunisse toda a equipe de segurança em uma formação, com cada homem e mulher lado a lado. Era a primeira vez que ele agia verdadeiramente como um chūnin, liderando um pequeno grupo composto por militares locais e alguns funcionários que precisavam estar cientes do plano de segurança. As instruções foram breves, mas Yama tinha certeza da importância de manter todos na mesma página durante as atividades, garantindo que tudo transcorresse conforme o esperado.

A visita, ocorrendo pouco tempo após um ataque da Resistência, indicava claramente a necessidade de alinhar providências contra a organização terrorista. O senhor feudal provavelmente buscava ouvir dos anciãos as medidas de segurança contra possíveis novos ataques, visando a proteção do vilarejo.

Considerando o progresso sob o comando de Raymond, havia um interesse significativo em continuar investindo no crescimento de Iwagakure. Nessa noite, figuras importantes estariam presentes para avaliar os riscos e decidir sobre futuros investimentos. Yama deixou isso claro para a equipe, finalizando o breve discurso com orientações simples, como "não ajam sozinhos; em caso de problemas, comuniquem-se e peçam reforços", sendo enfático nesse último ponto, e "não deixem nenhuma entrada desguarnecida, sob hipótese alguma".

Embora ciente de que o senhor feudal contava com uma guarda particular mais experiente, Yama, como chūnin recém-promovido, precisava demonstrar confiança e habilidade condizentes com a importância das figuras presentes na noite.

Ao longo do tempo, Yama ouviu o som crescente de risadas e vozes, sinalizando a chegada dos primeiros convidados. Movendo as mãos rapidamente e formando um selo, ele fez pequenas partículas de poeira flutuarem ao redor de cada membro da equipe de segurança, incluindo ele próprio. Era a técnica Henkō Sajin: Nessa Meisai realizada sobre um selo a velocidade de 6/s.

— A partir de agora, todos estamos invisíveis a olho nu, mas ainda podem deixar rastros através de sons, cheiros ou esbarrões. Não compliquem. Dispensados.

Com essa técnica, ele proporcionou à equipe a vantagem de observar discretamente e ouvir conversas, além de se movimentar furtivamente na perseguição de qualquer suspeito. Embora a técnica fosse excelente, não era infalível. Yama preferiu manter-se imóvel na maior parte do tempo, posicionando-se atrás do senhor feudal.

O velho ocupou uma cadeira em local visível a todos no salão, pronto para discursar a qualquer momento. Dois homens o guardavam a uma distância mínima, e Yama se questionava se estavam cientes de sua presença. Imaginava que sim, e era crucial que soubessem que, em caso de ameaça, podiam contar com reforços imediatos.

A tarde gradualmente cedeu lugar à noite, e Yama testemunhou intermináveis e entediantes conversas sobre temas irrelevantes. Tudo parecia ser abordado apenas para que todos fossem vistos pelo senhor feudal. Ele se perguntava se seus colegas de equipe teriam informações mais relevantes para relatar ao final do evento.

considerações:

A monotonia foi interrompida pelos longos discursos que antecederam o início do leilão, onde seriam arrecadados fundos para o apoio às vítimas dos ataques terroristas nos arredores de Iwagakure e ao longo do País da Terra; Yama sabia bem que tinham sido muitos, inclusive alguns dos seus. Pika tinha perdido a vida ainda durante os exames, e Daichi, um espirituoso jōnin de elite e organizador das provas, tinha ficado fatalmente ferido diante dos seus próprios olhos, além de todos os inocentes feridos, desabrigados e todas as famílias cujos filhos tinham partido para sempre. Lembrar daquilo o faria cerrar os punhos e ranger os dentes, não fosse a discrição da missão, onde era melhor que ele não produzisse nenhum ruído.

— O que seria Iwagakure no Sato para mim, Shuusei Kagari? Em uma só palavra… Lar? Família? Propósito? A verdade é que de fato, não consigo responder. — Kagari era um homem rico, dono de uma construtora que cuidava de boa parte dos empreendimentos do ramo em Iwagakure. Ele foi um dos primeiros a discursar naquela noite, importante que era. — Sei que estamos enfrentando circunstâncias desafiadoras aqui, com a Resistência se tornando uma ameaça cada vez mais grave. Não podemos deixar que ataques como os que aconteceram nas últimas semanas nos faça olhar ao redor, para as nossas ruas, prédios, nossas crianças e para aqueles que nos defendem… apenas para ver nossas frustrações. Mas se, ao invés disso, pararmos de nos concentrar no que tem sido e no que é, para contemplarmos o futuro, veremos o que poderá ser o amanhã… Por isso, hoje eu vim até aqui anunciar que, no próximo mês, as empresas Shuusei investirão agressivamente no futuro deste vilarejo, nosso vilarejo, além de reconstruir vários territórios atingidos pelos ataques terroristas. O que vem por aí… huh, é algo que estava reservado a muito tempo, adormecido... digo, uma ideia adormecida, mas que logo virá à tona, acreditem em mim. Um brinde ao que está por vir.

Em seguida, houve de uma salva de palmas, com todos de pé. Yama não podia deixar de imaginar que era um negócio muito arriscado investir daquela forma em novos empreendimentos no território do País da Terra, sobretudo no Vilarejo da Pedra, mas sabia que os ricos, com frequência, não agiam pela razão, mas sim pelo impulso de conquistar mais fortuna. Esperava, contudo, que aquilo realmente servisse para dar esperança a todos os olhares preocupados dos que temiam novas investidas da Resistência.

O que houve na sequência não durou mais de um terço de segundo, e logo Yama se viu acompanhado por dois homens, vestidos como parte da força policial do vilarejo. De algum modo, eles sabiam precisamente a posição de Yama, e pararam exatamente ao seu lado, eretos. No salão, houve silêncio, embora o senhor feudal a poucos centímetros à frente de Yama tivesse permanecido impassível, sem demonstrar qualquer preocupação, assim como a sua guarda pessoal.

— Chinoike Yama, queira nos acompanhar, agora.

Um deles dizia, em tom absolutamente gélido, quase sem mexer os lábios. Com um selo, Yama desfez a própria técnica, e assentiu com a cabeça. Ombro a ombro, ele deixou o salão sob os olhares atentos dos curiosos que observavam a cena, com o evento perto de findar.

— O que houve? — não pôde evitar a pergunta. Ser conduzido daquela maneira para fora de um evento, bem às vistas de todos os presentes, era uma situação constrangedora, para dizer o mínimo. Apesar disso, ele mesmo não esboçava nenhum sentimento, apenas seguindo com os dois que carregavam, cada um, um distintivo do departamento de polícia.

— Vergil, o joalheiro, foi encontrado morto há poucas horas, e tinha amostras da sua pele sob as unhas. Poderá nos explicar tudo em breve.

considerações:

O prédio para onde os investigadores o conduziram era uma ruína, lar de ratos e pássaros que faziam ninhos perto das janelas dos apartamentos arruinados. Pelo aspecto de alguns corredores, parecia que deveria servir de abrigo para alguns moradores de rua, embora soubesse que não havia muitos deles em Iwagakure. Apesar disso, um dos homens disse que ainda havia quem morasse ali.

Subindo pela escadaria principal, foram direto ao apartamento com o número 812 estampado. Lá dentro, encontraram outro homem e um cadáver preso à parede por uma infinidade de facas de arremesso, grandes o suficiente para manterem o corpo naquela posição. Tudo ao redor era uma confusão de sangue, sujeira, móveis e entulho.

— Aí estão vocês, que demora. Obrigado por vir, Yama.

— Estou às ordens, senhor… — disse, sugerindo uma pergunta.

— Tomomi, Tomomi Masaoka. Investigador do departamento de polícia do vilarejo. Seria um prazer conhecê-lo em condições melhores, mas não nessa. — o velho tinha uma cabeleira espessa de cor castanho claro, sobrancelhas grossas da mesma cor e olhos tão enrugados que nem mesmo dava para ver a cor dos seus olhos. Diferente dos outros dois, ele vestia um sobretudo bege, e seu aspecto era corpulento por baixo do casaco. Ele segurava um charuto recém aceso em uma das mãos, a julgar por quanto fumo parecia já ter sido queimado.

— Me disseram que encontraram vestígios da minha pele sob as unhas da vítima, eu posso explicar, senhor.

— Ah, é claro que pode. Nós já sabemos de tudo sobre como aconteceu o encontro de vocês dois mais cedo, durante a vigia dos arredores externos. Não é por isso que você está aqui. — o velho fez uma pausa, enquanto os outros dois continuavam ombro a ombro com Yama, imóveis. Masaoka levou o tabaco enrolado à boca e deu um longo trago antes de voltar a falar, saboreando o fumo queimado. — Acontece que depois de você tê-lo deixado sob os cuidados da equipe médica, Vergil foi medicado e recobrou a consciência logo. Assim, ele pediu para repousar em casa, na mansão da família. Mas ele nunca voltou, e hoje à tarde o dono dessa espelunca veio fazer um confere, como ele sempre faz, e encontrou essa cena.

— E por que eu estou aqui? Passei as últimas horas em missão, como sabem.

— Você está aqui porque eu quis te chamar, ora. Nem tudo tem uma grande razão por trás, garoto. Acontece que eu ouvi alguns comentários a seu respeito, e decidi chamá-lo para nos ajudar com esse caso.

A sugestão de que Masaoka valorizava seu apoio foi importante para Yama, mas ele não se deixou levar por aquilo. O cadáver começava a cheirar mal, mas havia um segundo — ou terceiro, se fosse considerar a fumaça do fumo de Masaoka — cheiro que era difícil de identificar, embora fosse bastante sugestivo. Yama se afastou do corpo e deu alguns passos pelo quarto, sala e cozinha, procurando de onde vinha aquele odor característico.

Sem conseguir identificar o que seu olfato ordinário captava, ele voltou à cena do crime.

— Ninguém viu qualquer movimentação estranha nas últimas horas?

— Ninguém, além do dono do imóvel. Ele sempre vem no mesmo dia e horário, verificamos seu relato.

— Tem alguma estimativa do horário da morte?

— Sim, do final da tarde. A suspeita é de que ele tenha sofrido bastante antes de morrer, considerando o número de facas. Pode ser que tenham arremessado-nas nele, uma vez preso aí. Sangrou até a morte. Maiores detalhes virão com o laudo da perícia.

Yama se aproximou do corpo nu de Vergil. Sua expressão estava congelada, inexpressiva, com as órbitas sem vida fitando o nada, quando ele teve um insight. "Nada?"

Atravessando a sala, ele foi na direção de onde o olhar do cadáver estava fixo, em uma parede lateral. Ali o cheiro era muito forte, mas muito característico.

considerações:

— Masaoka, venha aqui, rápido. Me dê o charuto.

— Não peça o charuto de qualquer um assim, garoto. É bem estranho. — sorria. Ele tinha os modos calejados de alguém capaz de se comportar com malícia e sarcasmo mesmo em situações como aquela, onde o fedor da morte pairava pelo ar.

— Me dê a droga do charuto, Masaoka. — insistiu.

O velho em seu sobretudo estendeu a mão em direção ao chunin, que o pegou e com o indicador e o médio da mão direita expulsou a brasa acesa na ponta do charuto em direção à parede. A chama irrompeu ao longo da sua estrutura, revelando escritos.

"SHUUSEI KAGARI MORRERÁ AMANHÃ"

— Mas que merda…

— Esse cheiro é de óleo de linhaça, um solvente bem comum, usado para diluir tinta. — Yama lembrava do odor discreto, mas persistente, das aulas de pintura e artesanato que fez um tempo antes, durante um período em que esteve afastado das atividades a serviço militar. — Quem quer que tenha feito isso, sabe que viríamos aqui hoje, com o corpo ainda quente. Shuusei Kagaria estava vivo, discursando a poucos minutos.

— Alguém que já conhecia a rotina do locador desse cortiço. Vou mandar isolar a área. Em poucas horas, o corpo estará sob análise. Posso contar com você para cuidar do ricaço jurado de morte? Se possível, capture-o vivo. Precisamos saber mais sobre a motivação desse crime.

— Crimes assim geralmente são motivados por rancor, e o assassino devia conhecê-lo. Do contrário, ele não teria ido tão longe torturando o Vergil.

— É verdade. Parece mesmo que você já sabe uma coisa ou outra sobre como conduzir uma investigação, guri. Mas não se iluda, nem sempre os motivos estão nas evidências mais óbvias.

A cena do crime estava impregnada com o odor de óleo de linhaça e uma atmosfera pesada de violência. Os investigadores começaram a isolar a área, enquanto Yama contemplava a inscrição macabra na parede. "Shuusei Kagari morrerá amanhã." Uma ameaça clara, um desafio direto. Quem quer que estivesse por trás disso, não estava brincando. Yama sentiu a urgência de impedir que essa profecia se tornasse realidade, sendo ele mesmo um vigia discreto dos movimentos de Kagari pelo vilarejo nas horas que seguiram a descoberta do corpo.

— Masaoka, preciso de acesso a agenda de Shuusei Kagari. E, por favor, me informe sobre qualquer pessoa próxima a ele com motivos para querer causar-lhe mal. Talvez um desafeto, um concorrente, qualquer coisa.

— Vou cuidar disso, garoto. Parece que a noite vai ser longa para todos nós, até para o velho Vergil… que descanse em um bom lugar.

considerações:

Yama passou a noite em casa, apesar do comentário de Masaoka. Ele não fazia parte da força policial, mas sua missão era clara: proteger os interesses de Iwagakure, garantindo a segurança de um empresário do vilarejo. Era crucial demonstrar que ele era capaz de assegurar o bem-estar dos seus e lidar com as ameaças conforme a apresentação de um verdadeiro chūnin. Antes de deixar o velho que ainda seguiria para a delegacia, Yama teve acesso ao que os investigadores haviam descoberto sobre a agenda de compromissos de Shuusei Kagari, que incluía várias atividades ao longo do dia.

O primeiro compromisso era um encontro de negócios em meio a uma construção inacabada, uma torre bem no centro de Iwagakure, prometendo ser um dos maiores prédios do vilarejo. Como seria um local público, o perigo talvez fosse menor, considerando que um assassino em potencial poderia preferir agir de maneira sorrateira em vez de enfrentar a presença de várias pessoas, como em uma construção. Depois, Kagari teria um almoço com alguns investidores da própria empresa, além de várias visitas a instituições beneficentes da vila, mostrando seu lado filantrópico. Mas não importava, Yama o seguiria onde quer que fosse, esperando ser capaz de proteger sua vida e cumprir com o dever, capturando o assassino antes que se tornasse um problema maior, atraindo mais atenção indesejada para a vila por meio das repercussões de seus crimes.

Já era a hora da coruja quando ele chegou em casa e se deitou para um sono sem sonhos. O sol já despontava no horizonte montanhoso quando ele despertou, cedo, pronto para se dirigir à torre, a oeste do vilarejo, onde sabia que encontraria Shuusei Kagari. Sem demora, ele se lançou atrás do rastro do empresário, determinado a encontrá-lo vivo.

O local estava parcialmente deserto, mas Yama sabia que encontraria o homem no último andar da construção, de onde ele teria uma visão privilegiada de todo o vilarejo. Ele seguiu direto até lá, utilizando o elevador da obra, um cubículo aberto içado por cordas grosseiras, ativado por um sistema simples de polias que permitia a movimentação pelos andares. Chacoalhando um pouco, mas em silêncio.

Depois de alguns segundos de subida, Yama começou a ouvir ruídos abafados e, em seguida, o baque surdo de objetos pesados caindo sobre o chão de cimento empoeirado. Observando com atenção, uma sombra se movia quase tão rápido que ele mal podia vê-la. Algo se movimentava entre os materiais da construção, e com o sol do amanhecer ao fundo, vários trabalhadores caíram um após o outro. Dali, ele era apenas um espectador das mortes que acompanhavam sua subida, claramente em direção a onde Shuusei estava.

Como se adiantasse alguma coisa, Yama pressionou com mais força o botão do elevador, como se aquilo fosse fazê-lo se deslocar mais rapidamente. Contudo, ele chegou antes da forma coberta de preto, projetando-se para fora do elevador a toda velocidade, 10m/s, alcançando o empresário que conversava com outro homem, observando o horizonte, despreocupados. Yama puxou-o da borda do andar, caindo no chão alguns poucos metros para trás, quando a sombra surgiu com uma velocidade assustadora, como se tivesse se materializado ali. Shuusei pareceu entender o que acontecia quando os respingos de sangue tingiram parte de sua barba cerrada de rubro, graças à morte do outro homem.

considerações:

A figura coberta de negro tinha altura e estrutura física parecidas com as de Yama. Por baixo de uma máscara de coruja, seu rosto ficava oculto, deixando apenas seus cabelos pretos, longos, escaparem, tremulando a brisa fresca da altura em meio as montanhas. Contra a luz, era difícil distinguir mais detalhes da figura, mas ficava claro que ele era o mesmo que havia matado os trabalhadores da obra nos andares abaixo, exalando uma intenção assassina palpável. Era como se o próprio ar tivesse se adensado, impedindo a movimentação, e até os músculos respiratórios pareciam perto de falhar, repentinamente, precisando de um esforço consciente para se moverem, mas, a essa altura, era um esforço que Yama não conseguia coordenar. Apesar da dificuldade, ele hiperventilava, sentindo o cansaço do diafragma e uma dor sobre o abdôme. Seus músculos estavam rígidos, tensos, e uma veia começava a saltar na fronte. Os batimentos cardíacos, alterados, davam sinal ao fazê-lo suar, uma transpiração fria, característica de um mal-estar tão grande que só poderia ser uma alteração patológica: era como se a presença do homem à sua frente o tivesse feito adoecer, tornando-o incapaz de mexer nem mesmo o dedo mínimo de um dos pés, guardado pelas sandálias.

Ele não podia mais responder por Shuusei Kagari, já que nem mesmo era capaz de mexer o pescoço para o lado, onde sabia que o homem tinha estado há poucos segundos. Nem as órbitas de seus olhos respondiam ao comando racional, que, por menor que fosse, tentava resistir àquela sensação física de perigo. Era como se aquela figura fosse uma ameaça, no sentido mais literal da palavra, materializada e coberta por roupas humanas e uma máscara de coruja. Suas entranhas, por outro lado, pareciam relaxar de modo que, se não estivesse resistindo para não ceder àquela presença, teria liberado todo o conteúdo gastrointestinal, sem conseguir mover as pernas ou os braços.

— Shuusei Kagari, a Corte das Corujas o sentencia à morte. — a voz do estranho era grave, terrivelmente final, e de algum modo, familiar. Fazia com que ele mesmo rememorasse a voz de alguém que não era capaz de trazer à superfície da memória em meio à tensão.

Com um movimento rápido, preciso e sem nenhuma cerimônia, o homem se aproximou com a mesma velocidade impressionante de antes, como um borrão de um pincel sobre o quadro de uma paisagem montanhosa durante as horas do amanhecer, mas era a própria realidade que estava em jogo ali.

Nesse instante, Yama sentiu os olhos lacrimejarem, queimando, e durante um instante sentiu as pálpebras se fecharem, como se um raio tivesse caído bem à sua frente, e o corpo cedeu ao desejo desesperado pela sobrevivência, fazendo com que ele se jogasse mais uma vez sobre Kagari ao seu lado, igualmente paralisado. Naquela movimentação, ele manipulou os próprios fios ao redor do corpo para conter a investida do estranho através de uma técnica que dispensava a necessidade de selos de mão, a Hari Jizō [velocidade de 27 m/s e 380 de resistência]. Sem tempo para racionalizar exageradamente as próprias ações como normalmente teria feito, pôde sentir o impacto do golpe que viria contra Kagari, uma investida que o empurrou, rolando pelo chão, agarrado a Kagari, por sua vez também protegido pelos fios de cabelo imbuídos por chakra. O estranho estava armada por um estranho mecanismo retrátil, que fazia com que lâminas se projetassem do dorso de suas mãos, como verdadeiras garras.

considerações:

Conforme ele rolou pelo chão, foi como se ele tivesse sido transportado dali para outro lugar. Olhou para o braço e viu sangue e a pele ralada no antebraço. Ele estava de novo em pé, e olhando para baixo viu que os joelhos estavam igualmente ralados, mas suas pernas estavam muito menores do que costumavam ser. Seus pés já não calçavam mais as sandálias que compunham sua vestimenta padrão como parte do corpo militar de Iwagakure, e os dedos no chinelo já não eram longos como os de um homem adulto, mas como os de um menino. Virando-se para trás, ele não viu mais qualquer vestígio da construção, de Shuusei Kagari ou do estranho com máscara de coruja, exalando uma intenção assassina doentia, mas estava de volta as montanhas, onde costumava brincar com o irmão durante a infância, muito tempo antes, e onde tinha estado com ele pela última vez. Lembrou-se da sensação desoladora de se virar para procurar Enma e encontrar apenas a vastidão das montanhas que o cercavam, com as sombras assustadoramente grandes, engolindo como se tivessem sido elas a engolir o menino desaparecido.

— Enma!? — ele se esforçava para chamar o nome do irmão o mais alto que podia, amplificando o chamado com as mãos em concha ao redor da boca.

Ele nunca se esqueceria daquele dia; as lembranças o rememoravam e fizeram a culpa e a vergonha voltarem à tona um milhão de vezes durante os primeiros anos. Depois, a ferida cicatrizou, mas nunca se fechou completamente. Desde aquele dia, olhar o próprio reflexo no espelho era uma lembrança do irmão.

O vilarejo mobilizou-se, enviando equipes de busca para explorar cada trilha e fenda nas imponentes montanhas. A atmosfera estava contaminada pela ansiedade da família, enquanto as autoridades organizavam uma busca sistemática, Yama, movido por um misto de desespero e determinação, aventurou-se em trilhas menos percorridas, seguindo as memórias turvas que tinha com o irmão, esforçando-se para procurá-lo em cada canto fuliginoso das montanhas que ele tanto tinham explorado.

Os dias se arrastaram, transformando-se em semanas, mas Enma permanecia elusivo. Entretanto, Yama recusou-se a sucumbir à resignação. A sensação de não aceitar a partida repentina de Enma o fez lembrar do que estava fazendo, de onde verdadeiramente estava. Não ia aceitar ser levado da vida por uma figura desconhecida, tampouco que tirasse a vida de mais um inocente. Diante da visão de retornar para casa, no fim de mais uma busca sem sucesso, chorou, e algumas lágrimas correram do seu rosto.

considerações:

A princípio, Yama abriu e fechou os olhos algumas vezes. Depois, percebeu que o líquido que escorria dos olhos era mais viscoso do que lágrimas, com um cheiro forte de ferro, escorrendo sobre a pele alva como um fardo — ele chorava lágrimas de sangue, mas ainda não tinha percebido isso. Ainda deitado, ele havia rolado pelo chão com o impacto do golpe do mascarado e sido deslocado à força para perto do limite do andar, que, parcialmente construído, ainda não contava com uma parede delimitadora. Mais alguns centímetros, e ele estaria em queda livre vários andares abaixo. Se continuasse permitindo que emoções tolas e lembranças dolorosas o levassem a viajar na própria mente, não sairia vivo dali, mesmo que reforços chegassem logo.

Contudo, ao libertar-se das lembranças vividas através do estresse pós-traumático, algo tinha mudado. O estranho, cerca de cinco metros de distância do corpo dele, segurava Shuusei Kagari pelo colarinho e tinha o outro punho estendido na direção da jugular do homem, a essa altura abarrotado e sujo, mas ainda vivo. Yama sabia que se não fizesse algo imediatamente para impedir o mascarado, teria o mesmo destino que Kagari em seguida, a menos que reforços chegassem imediatamente. Algo, no entanto, pareceu chamar sua atenção: o rosto coberto pela máscara virou-se subitamente na direção de Yama, sem entender o que o fizera hesitar daquele modo; entretanto, esse pequeno intervalo foi o suficiente para que Yama tomasse uma atitude. Manipulando os próprios cabelos, ele os usaria para prender o assassino e libertar Shuusei Kagari da ameaça. Assim, poderia imobilizar o estranho ou mesmo matá-lo, se necessário, caso conseguisse prendê-lo em sua técnica.

A situação era a seguinte: Yama levantava-se do chão, ficando sobre o joelho direito, próximo à borda do prédio. O atacante mascarado segurava Shuusei Kagari perto do elevador, com este último erguido pelo colarinho, quase sufocando e com evidências de cortes, arranhões e contusões pelo corpo. No entanto, o estranho de preto não esperaria mais para dar o golpe definitivo, ceifando a vida do empresário como tinha feito com pelo menos uma dúzia de outros nos outros andares. Yama, com um movimento rápido, utilizou a Hair Binding Technique [22 m/s e 280 de resistência/dano], fazendo seus cabelos avançarem contra o adversário. Uma parte do seu cabelo prendeu-o pela cintura, e mais uma para cada braço. Sua intenção era apertar os membros dele tanto quanto pudesse, para obrigá-lo a largar Kagari antes de matá-lo com as lâminas em forma de garra retráteis que já sabia que o homem tinha nas mãos.

considerações:

Naquele instante crucial, Yama viu-se liberto da tempestade de recordações, onde os fantasmas do passado se entrelaçavam com o estranho efeito psicológico provocado pelo seu adversário, cuja ânsia pelo assassinato exercia aquela sensação de medo que ele experimentou antes. A torrente de lembranças despejava-se sobre ele de maneira avassaladora, de forma dramática e perigosamente inoportuna. No entanto, a perplexidade diante desse dilúvio emocional não permitia que ele compreendesse por que cada lembrança emergia com tamanha intensidade.

A sequência de eventos após a tentativa de Yama de neutralizar o inimigo revelou-se ainda mais desconcertante, diminuindo ainda mais as suas chances de ter sucesso ali, ou ainda pior, de sair vivo daquele prédio. Ao prender os braços do enigmático homem que tinha Shuusei Kagari sob seu domínio, Yama utilizou todo o seu controle de chakra e ninjutsu para esmagar os membros do oponente, obtendo êxito nessa empreitada. O corpo de Kagari colidiu violentamente com o chão, libertando-o das garras retráteis do homem de preto, mas não sem nenhuma marca em seu corpo. Apesar de todos os ferimentos, estava vivo.

Contudo, a força física e resistência do adversário ultrapassava a destreza do ninjutsu de Yama, que, gradualmente, perdia o controle da situação. Os fios capilares (Hair Binding Technique [22 m/s e 280 de resistência/dano]), que ainda envolviam o mascarado pela cintura, eram a última âncora que mantinha a ameaça contida. Yama sabia que, em breve, perderia também essa garantia, mergulhando-os novamente na iminência da derrota e da morte.

Em um ato de desespero, Yama optou por arremessá-lo para longe, sem direcionar o movimento para uma direção específica, enquanto ainda o tinha preso de alguma forma, e acabou lançando-o para fora do prédio, em direção à queda. Entretanto, não antecipou a tenacidade do adversário. Mesmo com os membros superiores imobilizados, a figura de preto encontrou força para agarrar os cabelos que o prendiam na região do abdômen. Num puxão surpreendente, arrastou Yama consigo na queda vertiginosa que os aguardava por vários andares abaixo, em direção ao solo.

Agora, os dois encontravam-se em queda livre, despencando de uma altura superior a dez andares. O desespero crescia conforme o solo se aproximava, transformando a atmosfera em um palco de tragédia anunciada. O inevitável choque contra o chão empoeirado tornava o destino de ambos incerto, e misturava-se à sensação do vento veloz que zunia nos ouvidos, prenunciando um desfecho previsível, mas nem por isso menos trágico, a menos que um dos dois fizesse alguma coisa pela própria vida.

considerações:

A velocidade da queda era impressionante, mas ainda permitiu-lhe reagir. O vento sibilava em seus ouvidos, mantendo-o plenamente presente no momento, sem divagações desnecessárias. Seus olhos vermelhos não eram apenas de sangue, mas os olhos de sangue que referenciavam sua kekkei genkai, o Ketsuryūgan, recém despertada. Apesar de ainda não ter tido tempo para perceber o nível que tinha alcançado, ele definitivamente o atingira. A paisagem ao redor era apenas um borrão, impossibilitando racionalizar mais do que estritamente necessário.

O homem tinha caído junto dele, mas Yama não podia mais se preocupar com ele, muito menos se estava vivo. Se tivesse sido esmagado contra o solo, poderiam examinar o corpo depois; caso tivesse escapado da queda de alguma forma, ainda haveria a preocupação com um novo ataque.

Yama moveu-se de modo a continuar manipulando seus próprios cabelos, levando os fios em direção ao prédio, tentando cravá-los em alguma parte da estrutura que pudesse garantir sua segurança de volta ao terreno firme da construção. O impacto da gravidade contra o seu corpo produzia um efeito avassalador, desconcertante e de tirar o fôlego, mas ainda era melhor do que morrer sendo esmagado contra o chão. Quando ancorou os fios no concreto cru da construção, puxou-se em direção a ela e novamente se viu salvo, mas não sabia por quanto tempo.

Prostrado diante da beirada do prédio, pôde visualizar o corpo espatifado do homem de negro, agora misturado ao rubro do próprio sangue, formando uma figura gelatinosa estirada bem na rua daquela vizinhança distante. No horizonte, o astro rei já alcançara o máximo do seu posto no céu, como se observasse, impassível, o que acontecera ali nos minutos desde que chegara ao prédio.

considerações:

Foi quase instantâneo que mais ninjas do vilarejo chegassem depois que tudo estava resolvido, mas felizmente tudo já estava bem. Do edifício, Yama observava como a equipe de reforço e os médicos averiguavam a situação, constatando o óbvio de que o homem de preto estava morto. Ele, apesar de ter alcançado seu máximo para se libertar da prisão mental em que tinha se visto, estava bem e com apenas alguns arranhões, constatando que se aquele homem tinha sido enviado para dar cabo de alguém, era exclusivamente de Shuusei Kagari, e nada além, do contrário ele teria sido mais feliz se tivesse acabado com Yama antes de partir para cima de Kagari, e assim finalmente teria conseguido o que tinha ido buscar naquela manhã. Por outro lado, era inquietante que aquele ataque, claramente premeditado desde o princípio, tivesse sido anunciado. Toda a situação foi uma reunião de condições criadas por quem quer que fosse que estivesse por trás de tudo, e decerto não era o homem morto sobre o chão quente da rua.

Yama desejou voltar para verificar o estado de Kagari, mas não tinha mais forças para fazê-lo, e sabia que a equipe médica se encarregaria de todo cuidado que fosse necessário. Ele se virou e ficou paralisado, contemplando os corpos mortos que o estranho tinha deixado para trás em seu ataque — mortes que ele não tinha sido capaz de evitar. Vidas que para alguns dos seus pares valiam muito pouco, tendo em vista que eram simples civis, afastados das atividades mais árduas de batalha, infiltração e guerra, como os que carregavam o símbolo da Pedra em suas hitai-ate, mas não era assim para Yama. Ele via cada homem morto ali como uma tragédia pessoal, e levaria aquilo para o íntimo. Se permitissem-lhe, ele mesmo se encarregaria de encontrar mais pistas do mandante e da motivação por trás de tudo, mas precisava visitar o hospital antes, para ver como estava Shuusei Kagari e se ele mesmo tinha alguma ideia do que movia aquele assassino.

Cansado, no limite da sua residência física, ele caminhou a passos lentos, ignorando as tentativas de contato que os recém-chegados empenhavam. Perguntas que podiam ser respondidas com uma olhadela pelos arredores, permitindo que vissem o estrago causado pelo homem caído do lado de fora. Seus olhos rubros já tinham retornado ao normal, e ele não seria mais capaz de voltar a usá-los até que tivesse descansado bem, quando poderia pensar em como usá-los dali em diante.

considerações:

O caminho até o hospital foi tranquilo, e realmente parecia que ninguém longe da região onde tinha acontecido o enfrentamento sabia do que se passava, ou muito menos tinha sido afetado por qualquer ameaça, bem como devia ser. Yama caminhava impassível, tentando não demonstrar nada além do cansaço provocado pelo esforço empenhado durante o início da manhã.

Ao chegar no hospital, ele foi bem recebido por uma das atendentes da recepção. Para o nível do sujeito que procurava, que certamente já tinha sido levado até lá com prioridade, nenhum sinal de movimentação anormal podia ser percebido, como curiosos ou mesmo pessoas relacionadas aos jornais do vilarejo. Quando ele disse que precisava ver Shuusei Kagari, a recepcionista foi discreta em dizer que não havia nenhum paciente com aquele nome instalado na enfermaria do lugar.

— Sinto muito, mas não posso ajudá-lo. Não recebemos nenhum paciente com este nome nas últimas horas… Tem certeza de que está procurando pelo nome correto, senhor?

— Sim, tenho. Estive com ele até a última hora, e tenho razões fortíssimas para acreditar que ele foi trazido às pressas para cá; do contrário, Kagaria teria sérias complicações de saúde. Eu insisto, deixe-me falar com ele, onde quer que Kagari esteja. É importantíssimo para dar seguimento à minha missão, e pelo bem do vilarejo. Acredite, eu não pediria nada assim, contrariando às ordens que você recebeu se não fosse estritamente necessário.

A mulher pigarreou, como se estivesse considerando permitir que ele entrasse, fornecendo a ala e o número do quarto para que Yama encontrasse Kagari. Ele esperou até que ela respondesse, mesmo que com uma negativa. Em vez disso, a mulher olhou ao redor, constatando que a recepção do hospital estava parcialmente vazia. Encarou a outra mulher com quem dividia o turno na recepção, que parecia ouvir, atenta, a conversa entre os dois.

— Por favor, me acompanhe. Isto é só pela importância do que você me disse sobre o vilarejo. — e deu as costas, como se esperasse que Yama a seguisse imediatamente, o que é claro que ele fez.

Os corredores estavam pouco movimentados, e apenas alguns quartos estavam ocupados. Através das aberturas que havia em cada porta, podia ver alguns doentes internados em seus leitos, repousando ou recebendo alguma visita médica de rotina. Foram encontrar Kagari no quarto 22A, onde ele começava a se instalar, acomodando-se no espaço.

— Ora, gostaria de dizer que é bom vê-lo, mas no nosso encontro anterior você trouxe um maníaco. O que você quer agora?

Antes que Yama pudesse responder, a mulher que o levara até ali pediu licença para se retirar.

— Shuusei Kagari, acho que temos algumas coisas para conversar.

considerações:

O empresário estava em sua roupa privativa com alguns fios conectados ao peito, monitorando os sinais vitais representado por linhas e traços que corriam por um visor ao lado do leito. Ele arqueou uma das sobrancelhas, como se estivesse intrigado com a última colocação de Yama, mas não disse nada; sua expressão, no entanto, pareceu conseguir, como se sinalizasse para que o chunin prosseguisse.

— Você tem algum inimigo, ou mesmo um desafeto que você possa suspeitar? Nossas investigações me levaram até você; sabíamos que você seria atacado esta manhã.

— Ah, mesmo? Bem, para ser inteiramente honesto com você, eu venho recebendo algumas ameaças, mas não achei que nada de ruim pudesse mesmo me acontecer, sabe… Você deve imaginar, eu recebo todo tipo de intimidação, mas nunca deixei que isso me afastasse do meu dever, até agora.

— Que tipo de ameaça você recebeu? Qual a diferença entre o que está havendo agora e outras situações do seu passado? — Yama estava impaciente, querendo entender logo que tipo de trama começava a se formar ali, sentindo que estavam sendo pegos em uma teia.

— Eu venho recebendo… sussurros, digamos assim. Pessoas próximas, amigos e sócios, amantes e funcionários, que discretamente vêm me sugerindo que eu desista do meu projeto de continuar o investimento pesado no vilarejo. Por todos os lados eu recebo a sugestão de que algo de ruim poderá acontecer se eu não deixar a ideia de lado. Até que, duas semanas atrás, eu encontrei em meu apartamento, uma coruja.

— Uma coruja? Você não pode ter deixado a janela aberta? Por que acredita que isso seria um sinal de que há algo diferente desta vez? — Yama ouvia, cético, a história de Shuusei Kagari, levantando pontos importantes a serem esclarecidos. Não iria investir seu tempo e esforços em uma disputa egoísta envolvendo empresários milionários.

— Não, você não entende… Era uma coruja, bem durante a hora grande, no início da madrugada. Eu estava chegando ao meu apartamento, e ela estava lá, me observando, me esperando sobre uma pilha de ossos.

Aquilo definitivamente tornou emergente a necessidade de que Yama desse atenção ao caso. Intrigado, ele levou o polegar ao queixo, pensativo e sem olhar para nenhum lugar em específico.

— Você não conhece, não é? — Kagari tinha de novo a expressão de inquietação, assim como quando Yama tinha chegado ao quarto.

— Do que está falando, Kagari?

— Você não se lembra do que o mascarado falou? Ele dizia sobre a Corte das Corujas. Não me surpreende… É uma lenda, uma história para crianças, mas que há muito tempo foi deixada de lado.

Em seguida, Kagari recitou um pequeno verso:

“Cuidado com a corte das corujas, que vigia o tempo todo, governando de seu poleiro, atrás dos granitos e concretos. Eles lhe vigiam em seu lar, em sua cama. Nem mesmo sussurre sobre eles ou eles cravarão a garra em sua cabeça”

Yama era cético demais para acreditar naquilo, mas não sabia se devia dar alguma credibilidade ao homem, que parecia saber do que estava falando.

considerações:

Yama de fato não conhecia nada a respeito da Corte das Corujas, e não tinha ideia do que se tratava. Outra organização como a Resistência? Esperava que não, mas Shuusei Kagari não tinha muito mais a oferecer, apenas versos antigos, recitados como prova da desconfiança dele a respeito das ameaças veladas que vinha recebendo de todos os lados. Ainda assim, ele tinha sido útil a sua maneira, servindo como um bom ponto de partida para as investigações de Yama. Além disso, ele precisaria começar a procurar outras formas de desenvolver seu poder ocular, e com ele as habilidades hereditárias que sabia que aqueles do seu clã capazes de despertar os olhos rubros eram capazes. Uma mudança como aquela faria com que sua perspectiva de alcançar novos poderes fosse ampliada grandemente, e em meio a tudo aquilo, uma nova ameaça surgia a cada dia — a Corte das Corujas, a Resistência — e bem poderiam ajudá-lo a alcançar um patamar de destaque, embora não fosse esse o seu objetivo, mas sim, acima de tudo, ajudar e servir Iwagakure no Sato, como e onde pudesse. Se fosse possível fazer os dois ao mesmo tempo, um tanto melhor.

Shuusei Kagari continuou a falar, mas foi interrompido pela aparição repentina de uma figura do vilarejo, um ninja qualquer ostentando o uniforme da delegacia de polícia.

— Chinoike Yama, tem algo que você precisa ver. Me acompanhe até a delegacia, agora. — o tom gélido do homem indicava que havia uma urgência contida, como se houvesse algo que não pudesse ser dito na frente de um comum com Kagari. Yama assentiu brevemente com a cabeça e decidiu segui-lo até o lugar indicado, esperando ser recebido com alguma nova e importante descoberta a respeito dos eventos daquela manhã.

Yama já conhecia o prédio onde funcionava a delegacia de polícia do seu vilarejo, mas sua passagem por lá quando fora recebido por Poirot depois de voltar à vila depois dos eventos envolvendo a Resistência foi muito curta, e a título de interrogatório. Na ocasião, cansado e completamente coberto por sangue e miolos, não deu qualquer atenção às instalações ou aos corredores, onde várias repartições ganhavam vida pelo movimento constante de homens e mulheres que passavam ali dias e noites, entrando e saindo. A sala até onde o homem guiava Yama era muito distante de onde ele estava na primeira vez, mas perpassava os mesmos corredores frios e sem emoção, abertos através da rocha. Por isso mesmo, a sensação térmica ali era tão gélida quanto a impressão que aquelas passagens causavam-lhe.

Pouco a pouco, encontraram uma escadaria no final de um corredor, onde uma pequena placa indicava “NECROTÉRIO”. O mascarado tinha sido morto, como Yama já sabia, mas não entendia porque queriam que ele fosse até lá para ver o corpo mais uma vez.

— Estou às ordens, senhor. — diante do batente da porta, Yama se deteve e esperou que seu anúncio fizesse a mulher que caminhava de um lado para o outro dentro da sala percebesse sua chegada.

— Oh, sim. Você veio rápido. Bem, não se preocupe com formalidades. Eu me chamo Shion Karanomori, sou a perita médica do departamento. Por favor, aproxime-se.

— É um prazer conhecê-la, senhorita Karanomori. Por que fui chamado até aqui? — Yama se aproximou a passos largos, despreocupado. A atmosfera do lugar era desagradável, e o frio imperava ali embaixo. Ao longo da sala, várias mesas dispostas contavam com corpos etiquetados pelos pés, única parte que não estava coberta por um pano branco. Ao fundo, havia várias enormes prateleiras de aço.

— Eu temo que isso não será nem um pouco fácil, Yama. Sinto muito. — com essa fala, Karanomori levantou o pano que cobria o rosto de um dos cadáveres, desvelando um rosto idêntico ao dele mesmo, à exceção dos cabelos mais longos. Algo impossível, a menos que ele tivesse um irmão gêmeo, a menos que Enma não estivesse morto durante todo aquele tempo, e tivesse retornado, de algum modo, ligado à Corte das Corujas.

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