Sou uma Hyuuga

Surpreendentemente, a invasão ao castelo deu certo. O impacto foi brutal quando o constructo de tinta atravessou as portas, desintegrando-se em uma explosão líquida que manchou o chão da entrada com seus traços enegrecidos. O chão tremeu, e meu corpo foi lançado para frente, chacoalhando com a força da colisão. Rolei pelo piso áspero, a queda arrancando o fôlego dos meus pulmões, mas consegui me manter próxima dos outros. Ainda ofegante, apoiei as mãos no chão, buscando forças para me erguer. Minha cabeça girava, mas concentrei-me em estabilizar meu corpo. Assim que consegui me levantar, dei algumas batidas rápidas nas laterais da minha roupa, tentando expulsar os vestígios de gelo que haviam grudado em mim durante a ação. — Bem… não se pode ser perfeita em tudo. — comentei, brincando com a entrada abrupta no castelo, deixando a língua para fora.

Brincadeiras à parte, deixei escapar um suspiro aliviado antes de erguer o olhar e examinar cada um dos ninjas ao meu redor. Karma parecia estar bem, como já era de se esperar dele; sua postura firme e o olhar atento não demonstravam qualquer sinal de fraqueza. Ethan e Naritoshi também aparentavam estar em condições aceitáveis, talvez apenas com alguns ferimentos leves, nada que pudesse comprometê-los no imediato. No entanto, meus olhos pararam no Tsuchikage, e a diferença era clara. Sua condição não era das melhores. Havia algo em sua postura — o peso no olhar, o modo como seus movimentos pareciam mais lentos — que denunciava seu estado debilitado. Sendo uma ninja médica experiente, os sinais não tinham como ser ignorados. O Tsuchikage estava em um estado que exigia atenção imediata, e eu não podia negligenciar isso. — Tsuchikage-sama? Poderia vir até mim, por favor? Preciso dar uma olhada na sua saúde — informei, com a voz firme, mas não ríspida. Enquanto falava, ergui a mão e, num gesto automático, joguei os cabelos molhados para trás.

Normalmente, meus cabelos curtos e castanhos eram bem alinhados, obedecendo ao corte preciso que escolhi para facilitar minha rotina como ninja. Mas naquele momento, mechas desordenadas grudavam na minha testa e nas laterais do rosto, umedecidas pela mistura da chuva e do esforço físico. O movimento para afastá-las foi rápido, mas não desprovido de graça, revelando minha expressão concentrada enquanto os fios insistiam em escapar e se enroscar em meus dedos. Uma batalha tão trivial quanto frustrante, que só reforçava o caos da situação. Ainda assim, mantive o foco no Tsuchikage, esperando que ele atendesse ao meu chamado. Agora não era o momento de permitir que pequenos incômodos atrapalhassem minha tarefa mais importante: garantir que ele estivesse em condições de continuar.

Entrementes, ouvi o questionamento de Karma e, como ele, aguardei por novas ordens. Conhecia bem sua personalidade: Naritoshi era obstinado, do tipo que jamais recuaria, a menos que fosse absolutamente necessário. Sabia que, se chegasse a hesitar, seria porque estava pesando cada consequência com extrema seriedade. Ele é do tipo que sacrificaria a própria vida para proteger seus companheiros — uma força que inspirava confiança, mas também trazia certa inquietação.

O vento frio cortou o ambiente, adentrando o castelo como uma presença fantasmagórica, e senti minhas pernas vacilarem por um instante. Fui obrigada a me equilibrar rapidamente, antes que meu corpo cedesse a uma queda despreparada. Um calafrio percorreu minha espinha. Além é claro de ficar sem palavras ao ver veias amarelas surgirem pela madeira da construção. Que estranho… mas acho que agora entendi o que haviam mencionado antes.

Fechei os olhos por um breve momento, afastando o desconforto físico e concentrando-me no essencial. Respirei fundo, liberando minha percepção, e me preparei para vasculhar o local com meu chakra. A sensação seria imediata, como abrir uma janela em um ambiente escuro. O “olho da mente” se abriu, buscando traçar a essência do que nos cercava. Cada partícula de energia era analisada, procurando algo que explicasse aquela fraqueza súbita. No entanto, algo captou minha atenção, interrompendo o fluxo contínuo da minha análise. Uma vibração, ritmada e constante, que parecia ecoar pelas entranhas do castelo. — São… pulsos de chakra? — escapou antes que eu percebesse, refletindo  surpresa em minha voz. Respirei fundo, tentando refinar minha percepção e localizar com exatidão a origem daquela energia. — Estou sentindo uma certa pulsação de chakra vindo do subsolo — informaria aos demais. — Quais as chances disso ser causado pelo artefato? — sibilei em dúvida.

Nesse meio tempo, caso o Tsuchikage houvesse aceitado minha ajuda, eu me posicionaria atrás dele, ajustando a postura enquanto preparava minhas mãos. Concentraria meu chakra curativo, que começaria a fluir de forma gradual, tomando uma tonalidade esverdeada que brilhava suavemente na penumbra do castelo. Pressionaria levemente as mãos contra suas costas, permitindo que a energia curativa fosse transferida para seu corpo. A sensação seria morna e reconfortante, como a sensação de espalhar tinta sobre o papel. Trabalharia com cautela e precisão, direcionando o chakra para os pontos que pareciam mais desgastados, buscando restabelecer sua condição física aos poucos.

Minha atenção permanecia fixa, absorvendo cada palavra dita por Naritoshi ou pelos demais, sem perder o foco na tarefa que desempenhava. O chakra esverdeado fluiria pelas costas do Tsuchikage até o momento em que eu sentisse sua respiração estabilizar e a tensão em seus músculos diminuir. Com um último toque leve, finalizaria o processo, permitindo que ele se movesse com maior facilidade e vigor. Sem demora, ergui o olhar e procurei Ethan entre os demais. Embora ele parecesse não desejar chamar atenção, sua silhueta loira destacava-se para mim naquele local.  Fiz um gesto breve, chamando-o. — Ethan, aqui. Preciso verificar como está sua condição — falei arqueando uma das sobrancelhas, mas sem tom de comando, deixando espaço para que ele decidisse. Caso ele permitisse, posicionar-me-ia ao seu lado e, com o mesmo cuidado, concentraria meu chakra curativo, trabalhando para restaurar suas capacidades físicas. O brilho suave de energia medicinal iluminaria suas feições por um instante, refletindo meu empenho em garantir que ele recuperasse sua melhor condição para o que quer que nos aguardasse no subsolo. — Não se mexe, para não me atrapalhar — falaria na tentativa de implicar com o loiro.


Soltei um longo suspiro, deixando que meus ombros finalmente relaxassem enquanto fechava os olhos por um instante. A calma momentânea era como um bálsamo para o turbilhão de cansaço acumulado, e concentrei-me em sentir o chakra fluir, lento e constante, por todo o meu corpo. A familiaridade daquele processo trouxe um breve alívio, ainda que o leve atordoamento permanecesse, um eco dos esforços anteriores. Com a respiração controlada, alcancei minha bolsa, de onde retirei uma pequena barra de chocolate envolta em papel dourado. Observando rapidamente os outros para garantir que ninguém estivesse prestando atenção demais, desdobrei o invólucro com cuidado, revelando o rico tom escuro do chocolate meio amargo. Não havia qualquer intenção de compartilhá-lo — seria um sacrilégio. Chocolate era minha fraqueza, meu pequeno tesouro em meio ao caos. Parti um pedaço e o deixei derreter na boca, permitindo que o sabor intenso e levemente amargo revitalizasse meus sentidos. Uma fagulha de energia reacendeu dentro de mim, suficiente para me colocar de volta ao eixo. Abri os olhos, agora com mais firmeza, e encarei os outros. Naritoshi parecia imerso em pensamentos, a mente dele sempre trabalhando para traçar o próximo passo lógico. Eu sabia que ele não descansaria até que o objetivo fosse alcançado. Inspirei fundo, preparando-me para seguir suas ordens, qualquer que fosse o caminho que ele decidisse traçar. Minha determinação estava renovada. Cansada ou não, eu o acompanharia. Era uma certeza tão sólida quanto o gosto amargo do chocolate ainda na minha língua.